Henrique Marinhos
Para morrer, basta estar vivo. Essa é, até então, a única certeza que temos. Entre cientistas, céticos e religiosos, a experiência de quase-morte é o mais próximo que estamos da noção do pós-vida, cenário em que qualquer metodologia que aproxima a maior dúvida da humanidade de uma resposta é válida. Depois da Morte procura explicitar de um jeito simples, acessível e dinâmico várias experiências em um documentário com uma ótima abordagem, no entanto, nada característica ao gênero e enviesada em sua construção.
Dirigido por Stephen Gray e Chris Radtke, a obra é composta por tantos elementos representativos e atuações independentes do caráter informativo que seu lançamento nos cinemas quebra expectativas e se distancia de seu caráter documental. Os longos 108 minutos intercalam relatos falados, experiências visuais abstratas e historicidade em cortes precisos e transições tão suaves que se misturam em uma só composição especulativa sobre o que há no além.
Ainda que haja a declaração da hora da morte, não é possível defini-la com exatidão. Nesse processo, se encontra a experiência de quase-morte (EQM), que acontece quando há suspensão clínica, paradas cardíacas ou respiratórias – entre outros métodos que tomam espaço no longa e explicitam o fato de que médicos reanimam, e não ressuscitam. Nos relatos, corroboramos essa ideia com as citações de uma barreira limite que ninguém diz ter cruzado, ou não estariam aqui.
Flutuar e observar sua própria reanimação, vislumbrar uma luz intensa e sentir uma paz e amor indescritíveis são algumas das experiências relatadas que, há 45 anos, eram desconsideradas, compartilhadas isoladamente e não recebiam validação. No entanto, essa e outras obras trouxeram reconhecimento e aceitação para esses fenômenos, como a série da Netflix Vida Após a Morte e o mais famoso livro Life After Life (1975) do cientista e pai moderno do movimento EQM, Raymond Moody.
Partindo de um contexto geral, o tema do documentário é sobreposto pelas experiências específicas de cada relato e de maneira alguma isso é ruim. Testemunhamos o além-otimismo na mudança de visões de mundo, no despertar de um senso de paz interior e na reconciliação com a finitude da vida. Antes tarde do que nunca, na imensidão de relatos felizes, poucos deles estão agrupados em uma ínfima, bem-vinda e perturbadora etapa do longa, antes de voltarem ao paraíso.
No entanto, essas experiências infernais são um tanto quanto enviesadas por sua superficialidade e falta de contexto em contraste ao predominante otimismo bem desenvolvido e pautado em questões religiosas, sendo descrito até como um filme cristão por alguns veículos de comunicação. Uma das experiências de um usuário de drogas destacou-se por ser uma queda livre agoniante em que justificar-se como uma boa pessoa só o fez cair mais rápido, um momento pertinente em que poderiam questionar: até que ponto uma virtude realmente é genuína quando guiada pelo medo do pós-vida?
Infelizmente, mesmo após a popularização das experiências de quase-morte, ainda não há uma sistematização de relatos através dessa metodologia qualitativa que construa outras visões a partir de outras histórias. Apesar da Fotografia, diferente de outras obras e executada com maestria em suas dramatizações por Austin Straub, After Death (no original) frustra ao recontar as histórias do pastor Piper ou da médica Mary Neal depois de tantos livros, filmes e séries produzidos ao longo dos anos.
A construção primorosa do filme e o caminho divergente em relação a documentários convencionais enriquece muito a experiência, mas também é essencial reconhecer que o foco recai, principalmente, nos relatos pessoais e espirituais, com acompanhamento científico até certo ponto. O que torna pertinente a questão da falta de diversidade e a recorrência de certos relatos que evidenciam a necessidade de uma abordagem mais ampla e inclusiva no estudo das experiências de quase-morte para próximas produções.