Para morrer, basta estar vivo. Essa é, até então, a única certeza que temos. Entre cientistas, céticos e religiosos, a experiência de quase-morte é o mais próximo que estamos da noção do pós-vida, cenário em que qualquer metodologia que aproxima a maior dúvida da humanidade de uma resposta é válida. Depois da Morte procura explicitar de um jeito simples, acessível e dinâmico várias experiências em um documentário com uma ótima abordagem, no entanto, nada característica ao gênero e enviesada em sua construção.
Dirigido por Stephen Gray e Chris Radtke, a obra é composta por tantos elementos representativos e atuações independentes do caráter informativo que seu lançamento nos cinemas quebra expectativas e se distancia de seu caráter documental. Os longos 108 minutos intercalam relatos falados, experiências visuais abstratas e historicidade em cortes precisos e transições tão suaves que se misturam em uma só composição especulativa sobre o que há no além.
Flutuar e observar sua própria reanimação, vislumbrar uma luz intensa e sentir uma paz e amor indescritíveis são algumas das experiências relatadas que, há 45 anos, eram desconsideradas, compartilhadas isoladamente e não recebiam validação. No entanto, essa e outras obras trouxeram reconhecimento e aceitação para esses fenômenos, como a série da Netflix Vida Após a Morte e o mais famoso livro Life After Life (1975) do cientista e pai moderno do movimento EQM, Raymond Moody.

Partindo de um contexto geral, o tema do documentário é sobreposto pelas experiências específicas de cada relato e de maneira alguma isso é ruim. Testemunhamos o além-otimismo na mudança de visões de mundo, no despertar de um senso de paz interior e na reconciliação com a finitude da vida. Antes tarde do que nunca, na imensidão de relatos felizes, poucos deles estão agrupados em uma ínfima, bem-vinda e perturbadora etapa do longa, antes de voltarem ao paraíso.
No entanto, essas experiências infernais são um tanto quanto enviesadas por sua superficialidade e falta de contexto em contraste ao predominante otimismo bem desenvolvido e pautado em questões religiosas, sendo descrito até como um filme cristão por alguns veículos de comunicação. Uma das experiências de um usuário de drogas destacou-se por ser uma queda livre agoniante em que justificar-se como uma boa pessoa só o fez cair mais rápido, um momento pertinente em que poderiam questionar: até que ponto uma virtude realmente é genuína quando guiada pelo medo do pós-vida?
A construção primorosa do filme e o caminho divergente em relação a documentários convencionais enriquece muito a experiência, mas também é essencial reconhecer que o foco recai, principalmente, nos relatos pessoais e espirituais, com acompanhamento científico até certo ponto. O que torna pertinente a questão da falta de diversidade e a recorrência de certos relatos que evidenciam a necessidade de uma abordagem mais ampla e inclusiva no estudo das experiências de quase-morte para próximas produções.