Felipe Nunes
Maisa Silva e Camila Queiroz estão de volta para viajar no tempo como Anita na segunda temporada de De Volta aos 15, seriado nacional da Netflix baseado na obra literária homônima de Bruna Vieira. Dessa vez, a imatura personagem de 30 anos no corpo de uma menina de 15 passeia com mais complexidade pelos dramas e incertezas da fase adulta e é acompanhada por um parceiro inesperado, Joel, interpretado por Antônio Carrara (adulto) e por Gabriel Stauffer (jovem).
O gancho do início da sequência é o final da primeira temporada: a invasão do Floguinho – rede social e espécie de portal virtual que permite as viagens no tempo acontecerem – por Joel. A trama livrou a obra do lugar-comum em que poderia ter caído, no qual a narrativa se retroalimentaria em diversos pulos temporais que modificariam o futuro, acertando um ponto e destruindo outro. Em partes, isso aconteceu, porém a inclusão de um novo personagem nas misteriosas expedições trouxe frescor para os arcos.
Com as mais diversas referências à cultura dos anos 2000, a continuação da série mostra que cumpre o papel a qual foi incumbida desde o lançamento em 2022: o de abordar as brasilidades de uma forma transitória entre o presente e passado. Tida como uma subversão do célebre filme De Repente 30, os elementos sonoros, e os visuais e cenográficos, coordenados por Camila Gaglianone, exalam como era a vida dos jovens da época de 2006, sem necessariamente escancarar essa alusão, o que traz fluidez ao enredo.
Se por um lado a história manteve a assertiva articulação com a cultura do início do século 21, por outro também continuou a desenvolver com superficialidade a construção de alguns personagens. A fase atual, retratada no ano de 2021, é o maior problema. Os atores mal aparecem e, quando o fazem, têm pouquíssimo tempo de tela. Como na temporada anterior, o presente da obra serve apenas para mostrar a Anita que ela precisa voltar ao passado e nada mais que isso.
Todavia, no meio das leviandades, um trio ganha destaque. Tratam-se de Anita, Joel e Camila (Nila e Alice Marcone). A importância dos dois primeiros é quase uma redundância, dado que conduzem todo o fio narrativo das viagens no tempo. Já Camila traz o que de melhor a série fez nesta sequência, essencialmente ao relembrar do escasso desenvolvimento que teve na primeira leva de capítulos.
A transexualidade é diluída em diversas camadas: a descoberta de Camila, até então vista como um garoto cisgênero; o preconceito da sociedade, do qual o irmão, Fabrício (João Guilherme Ávila) e o pai do personagem não estão isentos; a representatividade de pessoas que já passaram por esse processo e a importância da rede de apoio formada por amigos e familiares. O arco é uma redenção com a própria série, que, durante a primeira temporada, não abordou com profundidade uma temática tão necessária. Felizmente, a trama foi revisitada e interpretada com dramaticidade, sensibilidade e destreza pela dupla formada por Nila, atriz trans não binárie, e Marcone, artista trans, que têm lugar de fala fora da ficção, para discutirem esse tema.
As versões jovens de Carol e Luiza, vivenciadas respectivamente por Klara Castanho e Amanda Azevedo, são outros acertos da trama. Castanho sabe muito bem como expor os desequilíbrios emocionais intensos e típicos da puberdade como ninguém – não à toa tem no currículo obras como Confissões de uma Garota Excluída e Tudo por um Pop Star. Já Azevedo se encontra na pele de uma personagem combatente aos julgamentos de Imperatriz, uma cidade pequena que – assim como qualquer outra da realidade – julga todo comportamento fora do padrão e é outra excelente construção ficcional da série.
Nos pátios do Ensino Médio, o balanceamento dos núcleos é desproporcional. Histórias paralelas quase inexistem. Tudo gira ao redor dos mesmos personagens e faltam explorações que poderiam compor melhor a obra, que, mesmo tendo apenas seis episódios, transmite a sensação de monotonia em certos momentos. A adição de novos dramas trouxe certa inovação, mas aquém do que realmente conseguiria com um melhor trabalho na elaboração dos subenredos, que não estão ali como enfeites.
As qualidades e defeitos do roteiro permeiam a ambiguidade. Bem fundamentado nas cenas da protagonista, porém com furos grotescos até mesmo para um seriado voltado ao público juvenil, o texto de Vitor Brandt e Gautier peca e acerta ao decorrer do enredo. Os constantes descuidos de Anita e Joel com as informações do futuro e a ingenuidade dos demais personagens entregam a imprecisão textual. Apenas uma pessoa ter percebido que Anita era uma viajante? Inconsistente, visto que a mocinha não poderia ser mais explícita. Quando Joel passa a viajar no tempo também, a situação piora.
Felipe Camargo, conhecido pela trajetória na teledramaturgia nacional, interpreta, de forma sensível e plena, Antônio, o pai de Anita, como uma espécie de contraponto a tudo que a série é. Os conselhos dados à filha pelas frustradas tentativas de construir o futuro perfeito são metáforas que pensamos quando cogitamos a possibilidade de voltar ao passado para mudar nossas atitudes. Para o personagem, o passado não deve ser mudado, porque é uma forma de aprendizado. A inevitável morte dele, mesmo com tantas linhas temporais criadas por Anita, é uma triste comprovação desse argumento.
A trilha sonora volta com mais timidez de forma geral, mas fica em evidência quando embala os acontecimentos de diversão nas festas em Imperatriz, cidade fictícia que retrata fielmente municípios do interior, e São Paulo. A ida dos adolescentes para a grande metrópole é outro furo do roteiro, inclusive, tendo em vista que Joel não teria a idade necessária para ter habilitação, e os pais dos jovens sequer os procuraram quando eles passaram uma noite fora da cidade interiorana. Já a direção principal de Maria de Medicis e a produção de Carolina Alckmin e Mayra Lucas é consonante com o elenco: parecem mais à vontade e livres com o universo do seriado, que novamente foi confeccionado pela produtora brasileira Glaz Entretenimento.
Já o quadrilátero amoroso de Anita com Joel, Fabrício e Henrique indica a perda de um integrante, e, ainda que tivesse sido vendido nos trailers e teasers como o gancho principal, não foi o grande enredo. Depois de uma incontável sucessão de bolas fora da protagonista com seu primeiro amor, Henrique parece ter superado a paixonite que nutria por ela e, agora, se envolve com Carol. A disputa fica entre Fabrício e Joel. De um lado, o valentão do Ensino Médio que alcançou a redenção, principalmente nas cenas com a irmã Camila; do outro, o melhor amigo preso na friendzone.
O conjunto de cenas em que as versões de Anitah_Malukah2006 – nome da página virtual de Anita no Floguinho – estão juntas ao mesmo tempo esbanjam a sintonia de Camila Queiroz e Maisa Silva como as imaturas, dúbias e impulsivas Anitas, aos 15 e 30 anos, respectivamente. A fluidez na interpretação é defendida com mesmo afinco por Carrara e Stauffer, que nem parecem ser interpretados por atores diferentes, o que exalta, mais uma vez, a qualidade da direção e da atuação. A imaturidade, aliás, é algo presente no arco de ambos, essencialmente no da protagonista.
Com o segundo ano lançado em Julho de 2023, a terceira temporada já foi confirmada pela Netflix. Agora, com uma mudança necessária, mas ainda não confirmada se, de fato, permanente. O teaser que anuncia a sequência apresenta uma nova fase temporal em 2009, na qual os personagens terão 18 anos, o que auxiliará na verossimilhança do elenco de adolescentes, que já não aparentavam, mesmo com a caracterização, terem 15 anos. Porém, as informações divulgadas não expuseram se a série se passaria somente em 2009 ou se transitará de volta para 2006 concomitantemente.
Nessa nova geração, os cenários da escola do Ensino Médio serão substituídos pela faculdade. Dessa forma, as tramas ganharão uma nova roupagem e devem ampliar o que já vimos. A estratégia é uma ótima forma de manter a nostalgia da série sem transmitir, apenas, a sensação de que estamos vendo uma reciclagem de viagens no tempo. Larissa Manoela, que já trabalhou com parte do elenco em outras produções, como Carrossel e Cúmplices de um Resgate, será uma das novas personagens da terceira e última temporada.
Entre viagens temporais e lições sobre amor e amizade, a segunda leva de episódios se mostra mais madura do que a anterior, revisita tramas essenciais e se apoia na nostalgia quando exalta a cultura dos anos 2000 com fluidez. Sem concluir os dramas da protagonista, a obra destrincha a jornada de Anita na busca pelo amadurecimento, seja ele pessoal ou profissional, e ressalta que ela ainda não foi concluída e, talvez, nem seja. Afinal, quem realmente perde toda a essência da adolescência e da infância só porque virou adulto?