Nathalia Tetzner
Depois de uma noite muito louca em Las Vegas, onde arrebentou o rosto e apareceu enfaixado após cirurgias plásticas que o desfiguraram, The Weeknd está de volta com uma nova face. De narrativas fictícias elaboradas para os seus projetos, ele já mostrou que entende. Mais uma vez, não foi só a sua caracterização que sofreu uma grande mudança, mas a sua sonoridade também. O seu quinto álbum de estúdio, Dawn FM (2022), transmite uma estação de rádio EDM no purgatório.
Envelhecido, o artista canadense convida o ouvinte para uma jornada pelo desconhecido. Com menção ao niilismo e locução de Jim Carrey, a nova era de The Weeknd é estruturada aos moldes do jornalismo de rádio. Entre as faixas, há diversas interrupções do radialista e, até mesmo, o comercial de um produto chamado After Life. Conhecido por não dar ponto sem nó, a propaganda seria uma pista sobre a possível trilogia envolvendo os álbuns After Hours (2020), Dawn FM (2022) e, futuramente, After Life.
O obscurantismo de Abel Tesfaye começou a ganhar a pista de dança com o lançamento do single Take My Breath, em agosto de 2021. O primeiro material da sua nova proposta artística tirou o fôlego do público, literalmente. Já um pouco cansados da estética oitentista do gênero synthpop, a música não foi tão bem recebida como os seus carros-chefes anteriores. Em meio a colaborações para projetos de outros artistas, como Post Malone e FKA twigs, a parceria Moth To A Flame com o grupo sueco de música eletrônica, Swedish House Mafia, se destacou por incorporar o espírito do que viria a ser o seu mais novo álbum.
Disponível nas plataformas de streaming na mesma semana da divulgação da data de lançamento, Dawn FM estreou com uma transmissão exclusiva no canal da Amazon Music na Twitch. Provando que adora incorporar personagens, os fãs assistiram um The Weeknd idoso colocar uma plateia cheia de jovens para dançar atrás de uma bancada de DJ. Só que a aventura audiovisual não parou por aí: no videoclipe de Gasoline, os alter egos de The Weeknd voltam a brigar à la Starboy, dessa vez, o embate é entre a juventude e a velhice.
Sintonizado na estação 103.5 Dawn FM, o ouvinte aproveita a passagem pelo purgatório ao lado do vovô Abel. Ao todo, as dezesseis faixas contribuem para a luz no fim do túnel chegar cada vez mais perto, finalmente cegando a alma perdida no glorioso poema declamado por Jim Carrey, Phantom Regret by Jim: “O céu é para aqueles que abandonaram o arrependimento/E você precisa esperar aqui enquanto ainda não chega lá por completo/Mas você pode estar lá no final dessa canção”.
O quinto álbum de estúdio do cantor reúne alguns nomes já conhecidos na produção: Max Martin, Oscar Holter e Oneohtrix Point Never são responsáveis pela sonoridade de quase todas as músicas. O time de hitmakers não repetiu uma fórmula, How Do I Make You Love Me? e Don’t Break My Heart são extraordinárias, mas a quantidade exuberante de minutos do projeto que produziram juntos faz as poucas exceções se destacarem. A calma e carregada Here We Go… Again, em parceria com o rapper Tyler, The Creator, é um refresco aos ouvidos, sendo ainda mais interessante pela suposta menção ao relacionamento vivido entre The Weeknd e Angelina Jolie: “Minha nova garota, ela é uma estrela de Cinema”.
A batida eletrônica de Calvin Harris com os versos de Lil Wayne em I Heard You’re Married e a interlude reflexiva de Quincy Jones em A Tale By Quincy também são dois pontos fora da curva. Sacrifice, outro feito perspicaz do Swedish House Mafia, foi a escolhida como o segundo single e, embora tenha ganhado um videoclipe com visuais deslumbrantes, a divulgação ficou por isso mesmo. A sensação que deixa é a de que The Weeknd talvez não esteja tão preocupado em envelhecer essa nova era.
Sucesso de crítica, mas nem tanto comercial – ao se considerar os padrões dos seus lançamentos anteriores -, Dawn FM garantiu elogios dos mais importantes veículos especializados, enquanto largou em segundo lugar na parada musical estadunidense Billboard 200. Em evidência global durante os últimos dois anos, um descanso de imagem poderia ter sido de grande ajuda nos charts. Porém, Abel Tesfaye obviamente não se preocupa em repetir desempenhos estrondosos e deve sair em turnê mundial ainda esse ano com a After Hours Til Dawn Stadium Tour.
O poder de atração do álbum está na sua atmosfera única criada pela junção de dois meios de disseminação diferentes: o disco e a rádio. É preciso muita atenção para perceber todos os detalhes contidos no conceito final. Seja na interrupção de uma chamada para o comercial com a frase “se liberte”, ou em uma mensagem subliminar gravada em reverso “não fique assustado”, The Weeknd consegue instigar o ouvinte e preparar o terreno para o provável lançamento de After Life: a última obra da especulada trilogia.
Das cores quentes do seu terno vermelho em After Hours até as mais frias tonalidades do seu cabelo grisalho em Dawn FM, é visível como a estética do intérprete se molda a partir da presença ou ausência de luz. Se, anteriormente, as luzes da noite de Las Vegas o deixaram cego, no amanhecer (Dawn) a escuridão é total. E como a faixa-título questiona: “Depois da luz, vem a escuridão?/Vem apenas a escuridão?”. Agora que os ouvintes passaram pelo purgatório, o que esse gênio da Música irá oferecer no pós-vida?