Adriano Arrigo
“Tudo é tão incrivelmente sensual”, diz Oliver (Armie Hammer) quando observa os fotolitos de esculturas gregas mostradas por Mr. Perlman (Michael Stuhlbarg), professor de arqueologia antiga. As esculturas do período helenístico com forte influência de Praxíteles, o maior escultor da antiguidade, segundo o professor Perlman, são esguias, de músculos rígidos e perfeitamente proporcionais. Elas retratam o ideal de beleza grega e são as referências estéticas de Me Chame pelo Seu Nome.
Os dois personagens principais, Elio (Timothée Chalamet) e Oliver, desfilam por montanhas, pessegueiros, cachoeiras, parapeitos de janelas, em cima de árvore como se fossem semideuses no Olimpo. A segura direção do italiano Luca Guadagnino não deixa escapar um raio solar para que não escape a naturalidade de seu enredo e a grandiosidade de suas terras. Como deuses gregos, Elio e Oliver estão constantemente mostrando seus dorsos e, misturando os mitos, parecem que não comeram do fruto proibido e continuam vivendo num reino onde o pecado é desconhecido.
Passado na Itália em 1983, Me Chame pelo Seu Nome é uma utopia cruelmente perfeita. O verão em que o estudante Oliver passa na casa do professor Mr. Perlman e conhece o jovem Elio é quase inverossímil. Por que tão perfeito? Parece não existir maldade e malícia nesse terreno escrito pelo escritor André Aciman em seu livro homônimo de 2007.
A história de Elio e Oliver é encantadora nos primeiros segundos do filme, e será encantadora até os minutos finais. A paixão de ambos retrata uma utopia que poderia ser em qualquer lugar, mas que aqui usa o norte italiano justamente para reforçar o ideal de beleza clássico.
Isto seria um problema se não estivéssemos falando de um romance entre dois homens. É certo que o cinema responsável por essa abordagem por muitos anos foi limitado. Aliás, se as lentes erradas forem jogadas em Me Chame pelo Seu Nome, este poderá cair na mesma cilada. Afinal, homens brancos, belos e inteligentes é um ideal gay, não só como forma vendável, mas como referência identitária. Porém, Luca Guadagnino usa essas ferramentas que poderiam ser instrumentos para a automutilação de sua obra justamente para justificá-la.
As mais de duas horas do longa nominado a 4 Oscars – inclusive na categoria de Melhor Filme – servem para criar justamente um espaço para que o amor entre Elio e Oliver prolifere. A opção por não trazer temas como homofobia e a descoberta sexual dos personagens condizem com uma utopia necessária para esse gênero de filme.
Nesse sentido, o enrendo principal leva a sério elementos tirados do período clássico grego. No senso comum, é normal que as pessoas tratem esse período como um momento em que a homossexualidade não era um tabu. A pederastia no período clássico era, nesse caso, a forma comum em que se naturalizava a relação entre homens. Tratava-se da forma que os homens mais velhos passavam seus conhecimento aos mais novos. Para nós, pode parecer estranho, mas para os gregos era parte do paradigma da educação masculina.
Isso explica a bolha de Me Chame pelo Seu Nome. Todos os personagens estão muito tranquilos com o relacionamento entre Elio e Oliver. Mr. Perlman é, ao mesmo tempo, o homem que dá seu filho nas mãos do ‘usurpador’ – nome este que Elio chama Oliver – e, ao mesmo tempo, o homem que passa seus ensinamentos acadêmicos a Oliver. Em outras palavras, há um círculo de aprendizado que equivale a dualidade homoerótica mostrada no longa.
“Existe alguma coisa que você não saiba?” é a pergunta quase retórica que Oliver faz a Elio em relação ao seus conhecimentos sobre história, neste caso, sobre a esquecida batalha de Piave, uma das mais letais da Primeira Guerra Mundial. Elio explica que não sabe muita coisa; aliás, não sabe, na verdade, as coisas que deveria saber.
Oliver é para Elio um modelo a ser seguido, como um professor, não no sentido intelectual, mas nas experiências adquiridas pela vivência do mundo. De fato, a proximidade de um jovem de 24 anos tanto com o mundo acadêmico quanto o mundo empírico é, digamos, prático e invejável. “Todos o amam”, diz Elio a sua mãe sobre Oliver, ponto este que é recorrente entre as mulheres quando observam Oliver na pista de dança.
A complacência da mãe de Oliver (Amira Casar) é sutil em demonstrar somente com expressões faciais aquilo que eles já sabem por serem mais velhos e experientes. O romance entre Elio e Oliver é aceito nas entrelinhas, como se os pais de Elio já tivesse passado por esse momento alguma vez na vida, mas que não sabemos se foi vivido intensamente como eles permitem seu filho viver.
Aliás, sabemos, pelo menos por Mr. Perlman. O monólogo final entre ele e Elio é sábio e de cortar o coração, senão, também, o melhor momento do longa. A dócil fala de Michael Stuhlbarg (que este ano participa em outros dois filmes indicados ao Oscar em A Forma da Água e The Post – A Guerra Secreta) é uma confissão em que todo seu desempenho é baseado em olhares que, não só nesse momento, mas ao longo do filme são extremamente benévolos a todos os que o cercam, em especial seu filho.
Me Chame pelo Seu Nome baseia, então, sua utopia na tríade do conhecimento, da sensualidade e nessas expressões afetivas. Não somente nos olhos de Mr. Perlman, mas nas expressões faciais de Timothée que a CG americana chamou de “alien” devido a sua desadequação positiva no filme. Fato é que cada toque trocado, principalmente entre Elio e Oliver, nos tocam, às vezes, mais do que deveriam.
Não à toa, Elio sangra na mesa de jantar e Oliver se esfolia andando de bicicleta. São sinais que a carne fala em Chame pelo Seu Nome e, em alguns momentos, como na cena em que Oliver massageia o pé de Elio no chão da cozinha, elas aparecem como símbolo dessa tríade.
É inegável que o filme é de expressivo homoerotismo, mas não devemos esquecer que se trata de um romance de formação, não muito diferente de Lady Bird. Porém, o caminho de Elio é outro. É uma trajetória que mescla filósofos gregos, música clássica e um diário de confissões de adolescente. É uma outra estética, mas não por isso menos real. Me Chame pelo Seu Nome ensina que os romances veraneios deveriam ser representados assim, utópicos. Para os amantes do mesmo sexo, é um triunfo. Para outros, pode parecer banal. Elio chora ao final sob a lareira, afinal, nem todos os verões são utopias vividas.
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