Luiza Lopes Gomez
Inspirado em um quadrinho de comédia, Como Perder um Homem em 10 Dias comemora seus 20 anos de lançamento no ano de 2023. Conhecido como uma das maiores romcoms da atualidade, o longa mantém sua relevância atemporal, mesmo sendo alvo de certa necessidade de reparação mediante concepções antigas e sexistas perpetuadas na época de sua criação. Manter sua notabilidade não é um problema para o filme de Donald Petrie graças ao desenvolvimento de personagens comuns e identificáveis, estrelados pelos renomados atores Kate Hudson e Matthew McConaughey, que formam um par romântico imperfeito, porém certeiro.
A dinâmica amorosa de protagonistas tão parecidos, porém, com propósitos diferentes, marca uma trama repleta de reviravoltas e superações, capazes de promover o riso e a tensão de forma síncrona. Andie Anderson (Hudson), uma jornalista e colunista da revista feminina Composure, batalha pela possibilidade de ser uma autora livre e séria e se libertar da posição de garota how to, responsável por responder os problemas femininos. Benjamin Barry (McConaughey) é um publicitário do ramo de esportes que almeja participar de uma nova campanha de diamantes promovida por seu escritório. Os dois se unem através de um fator: uma aposta. Andie precisa de um homem para largá-la em 10 dias e fazer com que ela comprove os defeitos das mulheres em relacionamentos, e Ben necessita que uma mulher se apaixone por ele nos mesmos 10 dias para que conquiste a campanha milionária.
A obra de 2003 possui um impacto iminente nas comédias românticas, com rumores ainda de um possível reboot. Com a aparição do famoso vestido amarelo e apresentação de músicas memoráveis, não é à toa que o filme se mantém influente após duas décadas. Conseguir alcançar a relação de carinho e fidelidade do público em relação à trama, personagens e seu ‘final feliz’ um tanto quanto inesperado realmente é algo que Como Perder um Homem em 10 Dias faz de forma brilhante. Marcado nas trajetórias dos atores e guardado nas lembranças de fãs assíduos, essa comédia romântica estilo hot-n-cold, com toda a intensidade e efervescência de um amor em construção, consegue conectar entretenimento e ainda certas reflexões sobre as ilusões atreladas à existência de relacionamentos perfeitos.
Destino não é bem o nome certo para descrever o encontro entre os dois personagens. É a partir de um plano por parte de duas publicitárias da empresa de Ben, que estão encarregadas da campanha de joias pela qual ele tenta concorrer, que eles se encontram em um bar. As concorrentes do galã, sabendo da nova matéria de Andie, buscam colocar Benjamin em um caminho com fim já definido, pensando na nova performance requisitada pela colunista. Por outro lado, é em um momento inicial da interação entre o par que a questão do destino é questionada: uma conexão e correspondência pode ser logo percebida em suas tentativas de encantar um ao outro.
O desenvolvimento da história cria cenas memoráveis de um romance rodeado de loucuras, que vai desde seu primeiro encontro com Ben perdendo a final do jogo de futebol americano para buscar a Coca-Cola Diet de Andie, até a aquisição de um cachorro e de uma “planta do amor” para o casal. Cada um luta para atingir seu propósito final, sem desconfiar dos absurdos protagonizados pelo outro, porém impressionando-se com a capacidade de insistência de ambos. A situação conturbada e correlacionada à narrativa de ‘inimigos à amantes’ assinala a atratividade do longa-metragem que, mostrando os pontos de vista de ambos os personagens, caminha por clichês, mas escapa da obviedade.
A percepção da relação entre dois indivíduos com gostos semelhantes e contextos complicados é construída ao longo do filme de modo a ressaltar a dificuldade em se portarem de forma diferente. Por outro lado, a conexão entre dois solteiros manipuladores e altamente competitivos não seria desenvolvida de forma tão brilhante sem as dicotomias de sua relação única e pouco provável no contexto da obra. Observar a formação de laços reais entre ambos, indo de encontro a todas as tentativas incessantes de se desvincularem durante alguns dias, cresce o sentimento de paixão e a importância de suas devidas apostas torna-se cada vez menor e ainda mais intrigante.
Ao mesmo tempo que as comicidades da trama envolvem o telespectador, temáticas importantes são colocadas em pauta, citando a baixa autoestima feminina e o poder masculino como fatores de discussão, mesmo que abordados de forma um tanto quanto superficial. Os estereótipos acerca das atitudes femininas e suas tendências de apego emocional e despreparo racional são constantes na obra, sendo ainda tema da matéria de Andie, que, por outro lado, esconde a seriedade e contradição do tema em meio a incentivos de mudança por parte de outras mulheres. De tal forma, é nítida a dicotomia contemporânea presente no clássico dos anos 2000, visto que paralelamente ao uso da manipulação da parceira como forma de controle do relacionamento, temos a inferiorização de seus comportamentos e quaisquer erros em relações atrelados a suas falhas.
Além disso, o clichê do homem herói que salva a garota após os problemas é, de certa forma, contraposto na narrativa a partir de atitudes machistas retratadas por um personagem masculino que reproduz estereótipos e hierarquias sexistas em momentos isolados, fato capaz de ser observado até mesmo na forma de lidar com a garota imperfeita criada por Andie. Por outro lado, sua postura por vezes agressiva e com ar de superioridade é deixada em segundo plano devido sua insistência no relacionamento e o início de sua paixão verdadeira pela jornalista. No fim, pode-se dizer que o clichê é conquistado, com o ar heroico voltando para o publicitário à medida que luta pela manutenção de sua relação.
A construção narrativa elaborada com base nos conflitos entre o casal, na chegada do décimo dia de teste e no desenvolvimento de sentimentos amorosos na relação é imprescindível no que diz respeito ao envolvimento do telespectador mediante à trama. É a partir da conquista de tal engajamento do público perante o casal e as cenas cômicas e em sintonia promovidas pelos protagonistas que Como Perder um Homem em 10 Dias torna-se um sucesso no ramo das comédias românticas. Além disso, a obra, que alcançou o prestígio no meio cinematográfico dos anos 2000, engrandece-se a partir da construção e quebra dos comportamentos pouco guiados pela moral de Andie e Ben, que não se enquadram totalmente na integridade geralmente protagonizada por personagens principais comuns.
Ainda assim, a exposição de certos desvios de caráter na personalidade dos protagonistas durante a elaboração e extensão do filme é esquecida em meio a culminância dos atos sendo encontrada no amor verdadeiro. Diferentemente de outras produções da época e da explosão de diversas comédias românticas no Cinema, a obra de Donald Petrie traz algo a mais para uma narrativa meramente cômica e superficial. Ao mesmo tempo que certas problemáticas são observadas na histórica, com a inferiorização feminina tomando espaço em meio aos conflitos da trama, também tem-se como diferencial a posição de ambos os personagens como indivíduos errôneos, dividindo a culpa dos conflitos provocados por comportamentos egoístas e despreocupados, o que geralmente é atribuído estritamente às atitudes das mulheres. Dito isso, a congruência entre ambos é ainda ressaltada como par romântico a partir de seus desvios e irresponsabilidades comuns, capazes de uni-los.
Apesar da sintonia eletrizante dos protagonistas, nota-se certa falta de aprofundamento em narrativas paralelas do filme, deixadas de lado em prol do romance. Mesmo com o enfoque estando na relação do casal, é certo apontar um deslize um tanto quanto significativo no que diz respeito à apresentação de novas dinâmicas secundárias na trama e seu pouco aprofundamento futuro. Um exemplo disto, que expõe o desinteresse na construção individual dos personagens, é observado na falta de aperfeiçoamento das questões como a futilidade no ramo jornalístico feminino e a dificuldade de inserção em cenários sérios e politizados por parte das mulheres. De tal maneira, a complexidade do machismo na narrativa e no contexto da época é, de certa forma, ignorada pela produção junto de uma possível pretensão de conscientização feminista.
A personalidade de ambos os personagens é atrativa e provocante ao público, em uma constante tentativa de prever qual será o próximo dilema de uma aposta tumultuosa. Uma cena garante ainda certa exclusividade no que diz respeito a memória do filme, sendo repercutida e lembrada há anos pela sua junção de comicidade e tragédia. Essa, composta pela performance conjunta de Andie e Ben em meio ao evento promovido para a campanha tão sonhada pelo publicitário, é marcada pelo dueto desajeitado e tenso da canção You´re So Vain, de Carly Simon, já mencionada anteriormente na obra cinematográfica em meio a uma das declarações pegajosas de Andie seguindo seu plano de futura perda. Com muita emoção e declarações sobre o egoísmo e vaidade promovidos um pelo outro em meio a suas apostas, a cena é um dos pontos-chave da exposição das falhas e traições de ambos.
Seguindo a linha narrativa de um filme romântico, o público já tem noção de uma conquista futura do final perfeito, porém ainda é colocado à prova das lamentações e sofrimento provenientes de uma evidente, porém não mais desejada, desvinculação dos personagens. A expectativa de reconciliação e a forma pela qual essa se realizará permeia os telespectadores à medida que o conflito final de arrependimento, confissão da paixão e tentativa de fuga de uma realidade sofrida é protagonizado por Andie. Porém, a peça cinematográfica, como prometido, consegue entregar o clichê característico e tão esperado em seu fim, dando espaço para uma relação real, sem apostas ou fingimentos entre dois apaixonados e confusos jovens-adultos que não previam seu futuro, concretizando a batalha de sentimentos compartilhada entre obra e público.
Após percorrer as complexidades e acertos de um filme reconfortante e leve, há de se ressaltar a influência e alcance de uma obra que já alcança uma trajetória de 20 anos. Além de cenas icônicas, momentos de pura mistura entre emoção e humor e um legado incontestável, Como Perder um Homem em 10 Dias carrega toda a potência de uma obra lotado de altos e baixos, pontos de virada e uma construção amorosa gradativa e efetiva, não conseguindo escapar de qualquer classificação que não o renomeie como um clássico dentro das comédias românticas. A união de todas suas potencialidades, com destaque no elenco e na performance impecável do casal principal, resulta na fama e carinho externalizado e perceptível advindo da produção, público e crítica.