Guilherme Veiga
Fechar ciclos nunca é uma tarefa fácil, ainda mais quando tais ciclos são internos e nos remetem a nós mesmos. Se serve de consolação, essa não é uma experiência única. Aliás, se fosse, vários cantores e bandas que gostamos não teriam o impacto que têm para nós. Felizmente, o Twenty One Pilots sabe disso e consegue não só transmutar sentimentos, como também encerrar períodos. A forma com que o duo formado por Tyler Joseph e Josh Dun lida com isso é muito única. Assim como uma criança traumatizada, a dupla cria uma história fantástica para mascarar problemas reais, a fim de deixá-los menos banais e insignificantes ao olhar externo.
Dessa empreitada saíram quatro dos sete álbuns de sua discografia, Blurryface (2015), Trench (2018), Scaled and Icy (2021) e, agora, aquele que parece ser o final dessa história: Clancy. Por mais que os álbuns antecessores também tratassem de forma muita pungente as questões do duo – mas, principalmente de Joseph –, aqui, elas, em uma espécie de Efeito Streisand, ao serem mascaradas em uma narrativa, ganham ainda mais força e chegam ao ápice no momento mais oportuno, quando se toma coragem para enfrentar seus inimigos.
Ainda que toda a lore tenha começado em Blurryface, o personagem Clancy já dava as caras em Vessel (2013), ainda que apenas como alguém sem nome, que lutava contra seus demônios internos. Chegamos na efervescência do álbum justamente porque toda essa narrativa surgiu com o intuito de personificar seus inimigos silenciosos. Nesse sentido, o registro é a somatização não só de toda a história, mas também de todo o sofrimento interno do eu-lírico, que acabou ficando visível demais.
Paul Meany retorna para a linha de frente de produção, o que é um acalento para os órfãos de Trench e também para aqueles que, injustamente, torceram o nariz para Scaled and Icy. Com Meany comandando e assumindo o papel de terceiro integrante, tanto Tyler Joseph como Josh Dun tem muito mais liberdade: um para criar mais através das letras e outro para imprimir uma sonoridade tão enérgica em sua bateria que, por vezes, sinalizam em direção ao punk, muito presente no single Overcompensate que, junto com Jumpsuit, do álbum de 2018, empatam com as melhores aberturas de disco da carreira dos dois.
Seu antecessor, Scaled and Icy, foi tão divisivo que, nas primeiras impressões, Clancy foi tratado como ‘a volta do Twenty One Pilots’ ao que era antes. Só que, na verdade, o álbum só é uma comprovação que ele sempre esteve lá, mas que, com muita autenticidade, soube se renovar e assumir diferentes roupagens. Ao longo de suas 13 faixas, é possível revisitar todas as eras do duo sem sair do lugar.
Por se tratar de um fechamento de ciclo, algumas de suas referências ao próprio trabalho são escancaradas. Overcompensate, que cita nominalmente o álbum querido dos fãs, também tem referência direta à Bandito em sua letra. Oldies Stations, é basicamente uma prequel metafórica de Car Radio – antes do aparelho ser roubado, era nele que tocava sua música favorita. A declaração de Tyler Joseph para sua mulher Jenna em The Craving traz protagonismo novamente para o ukulele assim como em We Don’t Believe What’s on TV ou House of Gold.
No entanto, ainda sim, a dupla consegue trazer autenticidade para o projeto e se mostra inteligente ao não pecar apelando para a nostalgia, mas sim, utilizá-la para evidenciar o contraste da passagem dos anos. Eles entendem que seu fandom cresceu nesse meio tempo e decidem, aqui, mostrar que também evoluíram. A excelente Next Semester evoca o baixo de Joseph em um rock alternativo bem enérgico sobre recomeços, Navigating coloca o duo em um pop rock e Snap Back revive o flow e o rap do vocalista, dessa vez, de forma bem melódica, quase não parecendo do gênero. Clancy, então, se coloca como o encontro de águas entre o velho e o novo Twenty One Pilots, que deságua em um ótimo exercício de visitar o passado e vislumbrar o futuro.
Clancy é, antes de tudo, uma celebração. Ao mesmo tempo em que reconhece que seu fandom – que se identificou imediatamente com dois jovens inseguros e cheios de questões – escolheu compartilhar o calvário através da Música, ele também celebra que missão dada é missão cumprida e, pra quem trava uma batalha contra si mesmo, continuar lutando é a maior das vitórias. O álbum e sua lore provam que o próprio fechamento de ciclos e começo de outros são em si uma atividade cíclica e, ao mesmo tempo em que conclui uma missão, deixa outra para o futuro: continuar vivo por aqueles que também continuaram vivos.