Livia de Figueredo
Completando 45 anos de lançamento, a obra cinematográfica Carrie, a Estranha foi inspirada no primeiro romance do lendário autor Stephen King, e tornou-se um clássico do Terror, mudando assim, a história da Sétima Arte. Assinada pelo diretor Brian de Palma, em 1976, a obra aborda questões que ainda hoje se mantêm impregnadas na conjuntura da sociedade, como o fanatismo religioso, bullying, abuso parental e a descoberta da sexualidade.
Esses conflitos sociais são representados na figura Carrie White (Sissy Spacek), uma garota amedrontada, fragilizada e tímida. Todas essas características são desenvolvidas por consequência de uma criação conservadora de sua mãe, que é uma pregadora religiosa dogmática. Nas primeiras cenas, Carrie tem sua primeira menstruação, e ao pedir ajuda para outras meninas no vestiário, as jovens começam a zombar da protagonista que fica extremamente assustada e triste por toda essa opressão que está sofrendo. Nesse momento de descontrole, Carrie descobre que tem dons paranormais.
Com todo o bullying que White sofreu por conta desse incidente, Sue Snell (Amy Irving), uma das meninas que a ridicularizou, em uma tentativa de se desculpar pede para que seu namorado, Tommy Ross (William Katt), convide Carrie para o baile de formatura, afim dela poder interagir com outros colegas. Entretanto, Chris Hargenson (Nancy Allen), uma garota popular na escola que foi proibida de ir na festa por liderar o ataque dirigido à protagonista, prepara uma vingança terrível para deixar Carrie humilhada na frente de toda a escola.
A escolha da atriz principal, Sissy Spacek, foi magistral, pois a artista conseguiu representar com maestria a garota introspectiva, que transparece dor e angústia em todas as cenas. Cada detalhe singular de Carrie foi escolhido para evidenciar toda a repressão que ela sofre. É evidente a falta de brilho em seus olhos, atrelada a um olhar tímido. Os cabelos longos, sempre escondendo seu rosto, demonstram o quão desconfiada a garota é. As roupas largas, com cores sempre em tons escuros e apagados, foram essenciais para a construção da identidade de White.
Também vale ressaltar a atuação da Piper Laurie, que dá vida à mãe de Carrie. Suas atitudes são sempre imponentes, e de certo modo opressoras, seu olhar é intimidador e carregado de culpa. O figurino é composto por roupas largas, quase sempre pretas e seu cabelo sempre despenteado, para simbolizar a figura de uma mulher ríspida e atormentada. Todas essas particularidades foram construídas para deixar explícito que a verdadeira vilã da história é a matriarca.
O cenário também foi pensado para tornar visível a situação que Carrie vivia. O lado interno da casa da família é White é escuro, o que traz para o espectador a sensação de ser um lugar sombrio, o que de fato era. A presença de artigos religiosos e velas por todo o lugar é essencial para demonstrar que a jovem era vigiada o tempo todo. Além disso, contribui para a composição de um ambiente conservador e, de certa maneira, macabro. Já no lado externo da residência, Carrie sempre aparece perto de janelas e portas, pelo fato de sempre estar presa e em situação de isolamento.
Outro destaque importante é para o jogo visual que Brian de Palma faz, ao trabalhar sua câmera com recursos técnicos visuais. Uma das técnicas usadas foi o plano de plongée, que refere-se ao enquadramento feito de baixo para cima. Essa escolha de enquadramento foi genial, visto que ilustra a relação de domínio que a mãe mantém sobre Carrie, que está sempre abaixo, em uma situação de extrema violência psicológica.
Nesse contexto, outra técnica utilizada por Brian de Palma é o split focus, que consiste em uma método utilizado para evitar cortes de filmagens, fazendo assim com que os personagens interajam na mesma cena, em perspectivas diferentes. Essa construção é evidenciada no momento baile de formatura, no qual Carrie é eleita rainha, mas, ao ir receber a coroa, é banhada por sangue de porco, sendo assim desmoralizada perante a todos.
Nesse momento, toda repressão, e humilhação que Carrie sofre, se tornam uma raiva descontrolada. O que a leva a cometer um terrível massacre na formatura, matando todos que estavam lá. Os diversos ângulos e perspectivas contribuem para que o filme consiga mostrar, através de quadros, cada detalhe da fúria de White com perfeição.
Todavia, apesar do brilhantismo do diretor de Palma com as câmeras, ainda assim, a obra deixa a desejar quanto ao conteúdo do massacre. Para quem espera um filme com um cenário aterrorizante, Carrie, a Estranha não traz essa sensação, nem mesmo nos momentos que o telespectador espera que traga. Nesse aspecto, toda a cena fica por conta de Sissy Spacek, que banhada de sangue e um olhar penetrante deixou sua contribuição na história do Cinema.
Diferentemente do livro original, onde Margaret tenta e consegue assassinar sua própria filha, na adaptação de 1976, Carrie, com seus dons, consegue reverter a situação e por fim na matriarca. A maneira que o corpo da mãe foi transformado pela protagonista assemelha-se com a imagem religiosa de mártir que a família White tinha em sua casa.
Essa obra cinematográfica revolucionou a história do Cinema, visto que, conseguiu abordar temáticas sociais muito importantes, que foram representadas em um filme de Terror. As atuações de Sissy e Piper foram geniais, não é atoa que ambas foram indicadas ao Oscar como Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente. Fora isso, Brian de Palma conseguiu tutelar com maestria os inúmeros recursos técnicos como as cores, luzes, sons e a própria filmagem, entregando para o público uma obra que se consagrou no Cinema como um clássico grandioso e atemporal.