10 anos de Boyhood: Da Infância à Juventude, onde todo fim é o começo de algo

Cena do filme Boyhood: Da Infância à Juventude. Um menino branco, loiro de olhos azuis deitado na grama verde com um braço sob a cabeça. Ele veste uma camisa listrada azul, branca e cinza.
Em algum momento você não está mais crescendo, você está envelhecendo, mas ninguém consegue identificar exatamente esse momento (Foto: Universal Studios)

Leticia Stradiotto

A primeira cena de Boyhood: Da Infância à Juventude é um céu nublado, mas muito azul. Yellow, do Coldplay, toca ao fundo. Logo, somos apresentados a um menino que observa o céu, deitado na grama com o braço dobrado sob a cabeça. Essa criança nos introduz a um rosto que não conhecemos e se torna familiar em pouco tempo, pois enquanto ela observa o céu, nós a observamos crescer e abraçar o mundo – entre os céus claros e escuros. 

Você já se perguntou como as pessoas envelhecem nos filmes? Normalmente, essas impressões são realizadas através de maquiagens bem elaboradas, técnicas avançadas de edição e efeitos especiais para simular a passagem do tempo. No entanto, em Boyhood (no original), Richard Linklater optou por uma abordagem radicalmente diferente e autêntica: a obra foi gravada ao longo de 12 anos consecutivos, permitindo que o envelhecimento dos personagens acontecesse de forma completamente natural.

Linklater é conhecido pela sua habilidade única em capturar o curso da vida, também evidente na trilogia de romance Antes do Amanhecer (1995). O diretor e roteirista se mostra capaz de esculpir o tempo em uma obra cinematográfica que completa dez anos de lançamento em 2024: em Boyhood, a narrativa é centrada em Mason (Ellar Coltrane), um menino que tem seis anos quando a história começa e 18 quando termina.

Cena do filme Boyhood: Da Infância à Juventude. No fundo um arbusto verde com um carro preto. No centro está na calçada uma mulher branca, loira, de regata rosa e calça jeans segurando a mão de um menino branco, loiro que veste uma blusa listrada nas cores verde, cinza e preto e uma calça cinza. Ele está pulando.
Apesar de ter sido filmado ao longo de 12 anos, Boyhood teve apenas 39 dias de filmagem (Foto: Universal Studios)

Durante o longa, acompanhamos o desenvolvimento da família do garoto, em que as crianças crescem e os adultos ficam mais grisalhos. Mason é filho de pais divorciados ao lado de sua irmã Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor do filme), que também passa por suas próprias transformações e desafios. O pai, Mason Sr. (Ethan Hawke), é um homem carismático e amoroso, cuja relação com os filhos é marcada por sua constante ausência. Já a mãe, Olivia (Patricia Arquette), é a figura central da família, enfrentando as dificuldades de criar duas crianças sozinha, enquanto se envolve com homens problemáticos e busca seu próprio desenvolvimento profissional.

Juntos, esses personagens formam um retrato íntimo e realista das complexidades e mudanças inerentes ao tempo. Mason enfrenta uma série de desafios que moldam a sua jornada, como a separação dos pais, a mudança frequente de residências, a presença de padrastos abusivos, os próprios gostos e temores da adolescência, e claro, a incerteza do futuro.

Cena do filme Boyhood: Da Infância à Juventude. Uma mulher está de costas tirando foto da família pelo celular, ela veste uma blusa verde e pulseiras douradas. A família é composta pelo pai, um homem branco de cabelos compridos e grisalhos, bigode e veste um terno cinza com gravata listrada vermelha e cinza. Ao seu lado está Mason, um jovem branco de cabelos dourados e veste uma beca roxa. Ao seu lado está a mãe, uma mulher branca de cabelos curtos e loiros, veste uma blusa marrom e uma saia estampada. Ao seu lado está a avó, uma senhora branca de cabelos grisalhos que veste um vestido marrom, um cinto rosa e um casaco estampado. Ao seu lado está a irmã, uma jovem branca de cabelos castanhos com as pontas descoloridas e veste um vestido verde. Juntos eles posam para a foto.
Ao registrar a passagem do tempo de forma única, Linklater abre um novo tipo de abordagem ao Cinema (Foto: Universal Studios)

A passagem pela adolescência é uma dificuldade universal da vida e a representação autêntica dessa fase nos lembra que todos já passamos por algo semelhante ou conhecemos alguém que passou, tornando cada cena profundamente ressonante. O mais encantador é que o protagonista aceita o presente com uma boa natureza, semelhante ao que, muito provavelmente, aconteceria na vida real. Nada está distante da nossa realidade; pelo contrário, tudo é um espelho de nossas experiências.

É isso que torna Boyhood singular. O filme funciona quase como um borrão, onde as transições da vida de Mason ocorrem de maneira sutil e contínua. Embora tenhamos visto personagens envelhecendo em outras obras e programas de TV, como as crianças na saga Harry Potter, nunca testemunhamos essa transformação ocorrer em um período de tela tão compacto e com tamanha naturalidade.

Cena do filme Boyhood: Da Infância à Juventude. Ambientando em um quarto com as paredes brancas, uma janela e alguns terrários ao fundo. No primeiro plano está Mason e o pai. Mason é uma criança branca de cabelos loiros e veste uma camisa listrada verde e branca, está observando uma lupa apontada para o rosto do seu pai. O pai está a sua frente, um homem branco de cabelos castanhos e cavanhaque, veste uma camisa jeans com detalhes de costura.
“A boa notícia é que você está sentindo coisas. E você tem que se agarrar a isso” (Foto: Universal Studios)

A técnica de lapso de tempo de Linklater revela, de forma impressionante, que essa percepção acelerada do momento poderia se aplicar facilmente a todos os personagens do filme. Crianças e adultos não são entidades distintas, mas compartilham a mesma trajetória – exatamente como nós. Não existe um meio termo; todos passam por cada etapa à sua maneira e a única certeza que a gente tem é que tudo isso passa. 

Da infância à juventude, o longa carrega consigo uma verdade simples e urgente: a vida é incrivelmente breve. O agora pode parecer uma eternidade, porém à medida que crescemos, as fases da vida deixam de ser uma narrativa contínua e se transformam em uma coleção de momentos lembrados e meio esquecidos, que flutuam na nossa memória.

Cena do filme Boyhood: Da Infância à Juventude. Ambientando em uma montanha com o pôr do sol ao fundo. A direita está Mason, um homem branco de cabelos compridos divididos ao meio, com barba e bigode, ele usa brinco na orelha direita e veste uma camisa preta e calça marrom. A esquerda está uma garota branca de cabelos castanhos amarrados de lado, veste uma camisa estampada e calça jeans. Ambos estão sentados e sorrindo.
Então, podemos aproveitar o que temos enquanto o temos? (Foto: Universal Studios)

Como diz Mason nas cenas finais: “não aproveitamos o momento, o momento que nos aproveita”. As mudanças, os desafios e as celebrações acontecem enquanto eles estão ocupados vivendo, e só mais tarde se dão conta do impacto dessas vivências. O longa reflete essa universalidade, mostrando que estamos todos juntos nessa jornada de mudança constante, tornando a experiência algo simultaneamente individual e coletivo.

Essa é uma celebração dos milhares de recomeços que compõem nossas vidas, mostrando que cada fim é também o começo de algo novo. Através da história de Mason, somos guiados por uma série de transformações que, apesar de cotidianas, são significativas. Cada fim marca o início de algo novo, ilustrando a natureza cíclica da vida. A entrada de Mason na faculdade, por exemplo, não é apenas o encerramento de sua adolescência, mas também o começo de sua jornada como jovem adulto.

Toda essa naturalidade faz com que a obra continue ressoando com o público mesmo após uma década. O filme captura a beleza do ordinário que reside nas constantes renovações. E se a vida é sobre algo, talvez seja sobre Boyhood. Ele nos lembra que a grandeza da vida está nos momentos simples e nos recomeços que, apesar de ordinários, definem nossa jornada e a tornam extraordinária.

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