Lara Ignezli
Big Little Lies, originalmente um livro de Liane Moriaty, ganhou uma adaptação em formato de minissérie no ano de 2017. A criação de David E. Kelley é televisionada pela HBO e produzida pela Hello Sunshine, empresa co-fundada por Reese Witherspoon — quem, inclusive, é uma das principais estrelas da produção. A produção pretendia ter apenas uma temporada com sete episódios e, através de uma narrativa misteriosa e carregada de suspense, utilizou o ano inicial para entrelaçar a vida de cinco mulheres residentes de uma comunidade (aparentemente pacata) em Monterey.
Antes de citar qualquer outra grandiosidade de Big Little Lies, é necessário exaltar seu elenco pesadíssimo. Além de Reese Witherspoon, que interpreta Madeline Mackenzie, a primeira temporada é protagonizada por Nicole Kidman (Celeste Wright), Shailene Woodley (Jane Chapman), Zoë Kravitz (Bonnie Carlson) e Laura Dern (Renata Klein).
Uma reunião de talentos desse nível começou a intrigar o público e a construir expectativas estratosféricas. Expectativas, essas, que foram superadas quando o produto final foi lançado. As cinco atrizes interpretam mulheres complexas e extremamente interessantes, mas o destaque da temporada é, sem dúvidas, Nicole Kidman. A atuação impecável da australiana dá vida à Celeste, uma dona de casa extremamente rica, casada com o marido perfeito, Perry Wright (Alexander Skarsgård), e mãe de gêmeos.
O que aconteceu na primeira temporada, mesmo?
Para relembrar o que tinha acontecido é necessário focar na história de três personagens: Celeste, Jane e Madeline. A vida de Celeste começa a chamar atenção quando sua privacidade começa a ser exposta. Perry Wright não é um marido tão perfeito assim, e casos de violência doméstica são frequentes na convivência do casal. Paralela à história da família Wright, a de Jane Chapman começa a se desenvolver. A jovem passa pelo processo de ser aceita na comunidade para a qual tinha acabado de se mudar, além de sofrer com a adaptação do filho Ziggy (Iain Artmitage) na nova escola.
Mas o que torna o foco em Jane interessante são os flashes que a personagem tem constantemente, partes confusas de um acontecimento passado. Ao desenrolar da narrativa, fica claro que os flashes que atormentam Jane se tratam de um estupro do qual a personagem foi vítima. Foi desse abuso sexual, inclusive, que nasceu seu único filho.
O último nome que recebe destaque na temporada é Madeline Mackenzie. Ela enfrenta os próprios erros do passado por ter traído o companheiro Ed Mackenzie (Adam Scott), o marido perfeito. Em compensação, o presente também a atormenta com conflitos quando ela descobre que seu ex-marido Nathan Carlson (James Tupper) se casou com Bonnie., a personagem de Kravitz.
As três tramas se cruzam definitivamente e aproximam Renata e Bonnie do resto do grupo no último episódio. Durante uma festa, Celeste decide finalmente se separar do marido e o deixa ciente de sua decisão, o que faz com que Perry fique absurdamente atormentado. Por conta disso, Celeste, muito abalada, resolve deixar o evento mais cedo. Seu comportamento alarma Madeline, Renata e Jane, que seguem a amiga. Perry, completamente alterado, também segue a esposa.
Os cinco se encontram entre dois lances de escada, onde Perry começa a agredir Celeste fisicamente. Enquanto cada uma começa a entender o que estava acontecendo, Jane reconhece Perry como seu estuprador e pai de Ziggy. O caos reina em todos os aspectos. As agressões e lágrimas continuam freneticamente, até Bonnie entrar em cena e, finalmente, empurrar Perry.
O homem cai alguns lances da escada e morre, deixando todas muito confusas e em completo choque. Foi genial a decisão de construir tensões psicológicas ao longo da temporada e enfim transformá-las em um conflito externo com um final satisfatório. A sensação que fica é de ciclo encerrado, com mistérios solucionados.
O fenômeno Big Little Lies
Entre categorias de direção e atuação, a primeira temporada levou um total de 17 prêmios. Dentre esses, cinco Emmys e quatro Globos de Ouro. No Rotten Tomatoes, a aprovação chega a 93%. A aclamação da crítica foi tanta, e a recepção do público tamanha, que a produção optou por lançar uma segunda temporada. Como se não bastasse toda a expectativa para uma continuação, Meryl Streep foi confirmada como parte do elenco dos próximos episódios. Segundo a atriz, ela não precisou nem saber qual seria o seu papel para aceitar a proposta de casting. “Meus agentes me perguntaram: ‘Mas você não quer saber quem é sua personagem?’ e eu disse que não. A primeira temporada foi a melhor coisa que eu vi na televisão.”, afirmou.
A pré-produção se encontrou, então, diante de dois desafios muito familiares para séries já conhecidas e adoradas pelo público: ousar escrever uma temporada sem o apoio do romance que deu origem à história — visto que o livro de Liane Moriaty termina no fim da primeira temporada —, como foi o caso de The Handmaid’s Tale e corresponder à expectativas inalcançáveis, como foi o caso de Game of Thrones. No meio dessa encruzilhada, a liberdade criativa podia ser uma dádiva. Outras personagens poderiam ter segredos revelados com fins satisfatórios. Novas informações poderiam enriquecer ainda mais a história que já conhecíamos. Muitas facetas poderiam ser exploradas, mas a narrativa tomou um caminho pouco ousado.
A temporada que parecia apostar tudo na atuação de Meryl Streep
Desde o primeiro momento fica claro que a temporada vai se prender completamente aos acontecimentos da primeira. As cinco personagens principais começam dando seu depoimento para a polícia, mas uma versão que omitia o empurrão de Bonnie, para que ela não fosse incriminada.
Foi a partir dessa mentira que a grande aposta da temporada se tornou Mary Louise. A personagem de Streep desenvendaria o que realmente aconteceu, e daria muita dor de cabeça para as protagonistas. Mas não foi isso o que aconteceu. A mulher se tornou alguém previsível e sem muita atitude. Foram muitas ameaças vazias e que nada contribuíram para o desenrolar da temporada, um completo mau uso da atuação da atriz três vezes oscarizada. É seguro dizer que a única contribuição efetiva de Mary Louise foi forçar o desenvolvimento pessoal de Celeste ao ameaçar tirar a guarda de seus filhos.
Além de Mary Louise, Bonnie também se tornou uma promessa não cumprida. Durante toda a temporada, a personagem e sua mãe (também adicionada à trama sem nenhum objetivo) tiveram flashes de um suposto afogamento de Bonnie. Devido ao desenrolar da história de Jane na temporada anterior, parecia que eles fariam sentido em algum momento. Não fizeram.
Mas a temporada não foi só composta por pontos negativos: Jane e Madeline conseguiram superar os conflitos internos que ainda tinham em aberto. A primeira evoluiu diante do seu trauma causado pelo abuso sexual e se envolveu romanticamente com uma nova pessoa, enquanto a segunda superou o adultério que havia cometido junto de seu marido, e os dois acabaram renovando os votos de casamento a fim de recomeçar.
Entretanto, o holofote da segunda temporada é de Renata Klein. A personagem vai à falência por conta de decisões econômicas irresponsáveis de seu marido, e as circunstâncias acarretam frases verdadeiramente icônicas, como “I will not not be rich!” (Eu não não vou ser rica!).
Renata Klein ganha o destaque que não havia recebido antes e Laura Dern mostra de novo e de novo como é que se faz. Uma das cenas mais satisfatórias é Renata quebrando todos os itens de colecionador de seu marido com um taco de baseball, enquanto grita que ele tem que aprender a respeitar as mulheres. Outros momentos também tornaram a temporada especial, como Jane explicando para Ziggy que ele é fruto de um estupro. E, claro, Celeste e Jane conversando sobre os traumas que haviam vivenciado, dando o apoio de sobrevivente uma à outra.
Muitas storylines sem fundamento, nem objetivo tornaram a segunda temporada descartável. Seria mais seguro apostar em novas histórias, ao invés de fazer sete episódios parecerem um flashback da finale. Sem novas informações e sem um novo mistério. São muitas críticas à história em si, mas a forma como ela foi contada manteve completamente a qualidade. As atuações são impecáveis e a trilha sonora extremamente icônica. Serviu para matar a saudade de ver as personagens dirigindo seus carros na beira da praia. E só para isso.
Um comentário em “A descartável segunda temporada de Big Little Lies ”