O Oscar 2022 marca a primeira edição em que duas pessoas queer concorrem nas categorias de atuação
Vitória Lopes Gomez
Pela primeira vez em 94 edições de Oscar, duas pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ disputam em categorias de atuação no mesmo ano. Kristen Stewart, indicada a Melhor Atriz por Spencer, e Ariana DeBose, em Atriz Coadjuvante por Amor, Sublime Amor, ambas assumidamente queer, fazem da nonagésima quarta temporada do evento histórica. Somando ao avanço, o maior mencionado da premiação, Ataque dos Cães, e o documentário Flee, que também fez história esse ano, tratam de temas ligados à homoafetividade. Tudo isso em 2022, antes tarde do que ainda mais tarde para uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas atrasada em reconhecer a diversidade.
Esse ano, só na atuação, o número tinha a chance de ser maior: Tessa Thompson e Robin de Jesús poderiam acrescer ao recorde de 2022, se não tivessem sido esnobados por suas performances em Identidade e tick, tick… BOOM!, respectivamente. E não que a comunidade LGBTQIA+ não tenha tido outras vitórias e participações na maior premiação do Cinema, mas a conquista indica, ao menos, um aceno a uma maior visibilidade aos profissionais, como prometido. Sem contar que, em edições passadas, muitos dos premiados nas categorias também não eram assumidos à época de suas indicações, e, agora, as atrizes poderão subir ao palco sem preocupações.
Antes um termo ofensivo na língua inglesa, a comunidade LGBTQIA+ ressignificou o “queer”: agora, serve como uma palavra guarda-chuva para abarcar pessoas de minorias sexuais e de gênero, que não se identificam como heterossexuais ou cisgênero. E, apesar de somente duas atrizes dos 20 indicados em atuação serem queer, finalmente é a mensagem que fica, ainda mais para uma premiação historicamente excludente como o Oscar. Exclusão essa que inclui também minorias raciais, de gênero e de etnias, e obrigou a organização da premiação a estabelecer critérios e medidas que assegurem a diversidade de seus candidatos (ainda que só na categoria de Melhor Filme), assim como a pluralidade de sua banca votante – antes, composta majoritariamente por homens brancos, heterossexuais e de idade avançada. É cedo, mas, aos poucos, o reflexo da decisão dá as caras.
Anteriormente, outros cineastas deixaram sua marca no Oscar, e mencioná-los é reconhecer os que lutaram antes de chegarmos até aqui. Em 1994, James Ivory foi a primeira pessoa LGBTQIA+ de que se tem conhecimento a ser indicada em Melhor Direção, por Vestígios do Dia (1993). O filme levou outros prêmios na edição daquele ano e o diretor foi mencionado novamente, mais recentemente em 2018, quando levou o troféu de Melhor Roteiro Adaptado por Me Chame pelo Seu Nome. Porém, apesar de ter passado boa parte da carreira colaborando profissionalmente com seu parceiro, o produtor Ismail Merchant, o cineasta, gay, não era assumido na época.
Depois dele, outros vieram, mas uma andorinha só não faz verão. De Melhor Canção Original a Melhor Roteiro Original e Melhor Direção, Elton John, Alan Ball, Todd Haynes, Jerome Robbins e John Schlesinger foram alguns dos nomes que receberam as honrarias máximas da premiação, mas, desses, só dois eram assumidos quando subiram aos palcos. Pedro Almodóvar era outro que também não falava sobre sua sexualidade quando recebeu a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, por Tudo Sobre Minha Mãe (1999), e Melhor Roteiro Original, por Fale com Ela (2002), o qual também foi indicado em Melhor Direção.
Já nas últimas duas décadas, alguns dos nomes de destaque foram Dustin Lance Black, vencedor em Melhor Roteiro Original por Milk: A Voz da Igualdade (2008), e que agradeceu o ativista do título por ser uma inspiração, em seu discurso de agradecimento; a diretora e roteirista Dee Rees, indicada em Melhor Roteiro Adaptado por Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi (2017) e assumidamente queer; e Rachel Morrison, mencionada em Melhor Fotografia pelo mesmo filme. Artistas como Sam Smith e Lady Gaga também já levaram o prêmio, em Melhor Canção Original.
Ainda mais recentemente, o cenário tem mudado e é possível perceber um número maior de artistas abraçando publicamente a própria identidade. Isso, porém, ainda tem pouco reflexo nas indicações à maior premiação do Cinema. Embora muitos filmes com temáticas LGBTQIA+ tenham ganhado destaque e reconhecimento com o troféu dourado, a maioria dos protagonistas ou realizadores não fazem parte da comunidade que inspira as histórias. Em 94 anos de categorias de atuação, por exemplo, somente 2 atores eram assumidos na época em que foram indicados.
Eram eles o veterano Ian McKellen, nomeado em Melhor Ator por Deuses e Monstros em 1999, e Melhor Ator Coadjuvante, por Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel em 2002; e Angelina Jolie, que levou Melhor Atriz em 2000 por seu papel em Garota, Interrompida, e foi a única ganhadora queer até então. Outra vencedora notável, Jodie Foster levou o careca dourado duas vezes – uma em 1989, por Acusados, e outra em 1992, por O Silêncio dos Inocentes -, mas só se revelou lésbica publicamente em 2013, durante seu discurso de agradecimento no Globo de Ouro.
Em 2022, 2 de 20 ainda é um número absurdamente pequeno. Em passos de bebê, porém, já é um recorde, ainda mais se ambas Kristen Stewart e Ariana DeBose vencerem em suas respectivas indicações. Enquanto a intérprete da Princesa Diana enfrenta uma competição acirrada na categoria de Melhor Atriz, a Anita de West Side Story desponta como uma das favoritas ao troféu em Melhor Atriz Coadjuvante. 2 ainda é pouco, mas as talentosas mulheres queer competindo em 2022 indicam que o Oscar, finalmente, pode ir para frente.