A 2ª temporada de Arcane revoluciona as animações e fecha, com chave de ouro, a história de Vi e Jinx

Jinx, uma das protagonistas da série, é uma jovem adulta com longos cabelos azuis prendidos em duas tranças que alcançam os pés. A mulher, com olheiras profundas e uma roupa surrada, segura um isqueiro  aceso com a mão direita em um ambiente completamente escuro.
Os traumas e as novas facetas de Jinx são exploradas na segunda e última temporada de Arcane (Foto: Netflix)

Por Isabela Pitta

O abandono e o luto são inerentes ao ser humano. Em períodos de guerra, a chuva cai sobre todos, o sofrimento é uníssono, porém, a maneira de lidar com a dor da perda diverge. A segunda e última temporada de Arcane, que estreou em Novembro de 2024, mergulha de cabeça na psique de cada personagem que enfrenta a desesperança coletiva de um mundo dilacerado pela cobiça terrena. As consequências de uma escolha ou de um posicionamento são tema da produção da Riot Games, em associação com o estúdio francês de animação Fortiche, desde o primeiro ano, em 2021. 

Diante da desigualdade social extrema e de uma realidade à beira de uma guerra civil, decidir entre o certo e o mais fácil é um dilema enfrentado pelo Conselho de Piltover, pelos dominadores de Noxus e pelas personalidades influentes de Zaun. A série, para além da história de Powder, Jinx, Ekko, Violet, Caitlyn, Ambessa, Viktor e tantos outros personagens pouco caricatos, é – emocional ou racionalmente – uma obra animada sobre o escarcéu da humanidade. Da negação à aceitação, o seriado completo e inovador, com base no jogo League of Legends, mostra o luto enfrentado quando se vive sem ter nada a perder.

Devastados pelo ultimato de Jinx, os piltovenses buscam se reerguer e mostrar a superioridade que acreditam ter, por meio da tecnologia, da dominação e, em muitos momentos, da ameaça, entretanto, com pouco sucesso. Com cenas frias e expressões abaladas, marcadas por grandes olheiras e olhos pouco brilhantes ou esperançosos, Piltover, o centro urbano do desenvolvimento, mergulha de forma conjunta no luto durante o primeiro ato da série. Mesmo as lúdicas e puras crianças vestem preto e não escorregam pelos corrimãos de linhas retas e geométricas de Art Deco. Chuvas e lágrimas constantes, embriaguez de personalidades por sentimentos de ira e revolta são observados dentro dos portões dourados da cidade do progresso. Para encontrar a cor novamente, apenas os inconfundíveis tons de neon da insana criminosa de cabelos azuis nas tubulações são suficientes. 

Com um céu acinzentado e tomado por nuvens, uma cidade com prédios altos e altivos  é observada, à distância,  por crianças de classes sociais mais baixas. No meio da cidade, fumaças coloridas nas cores rosa, amarelo, azul, verde, e roxo cobrem parte da paisagem assistida pelas pessoas de fora.
Piltover, a cidade do progresso, enfrenta atentados constantes durante os eventos da nova temporada da série de League of Legends (Foto: Netflix)

De forma breve e levemente corrida, o luto se torna ódio e aparecem as facetas do mundo afogado no nacionalismo e na ilusão de justiça, ‘olho por olho, dente por dente. Porém, mesmo em meio à ira profana, a cura, a união e a esperança refletem no outro lado da moeda. Enquanto uns atacam muitos para atingir poucos, outros defendem poucos e inspiram muitos. Em meio à solidão após a morte de Silco, no decorrer do caminho tortuoso até a aceitação, a filha adotiva do mafioso encontra, de forma simples e apenas pelo acaso, a humanidade enterrada pelas sombras do passado.

 Uma pequena Powder (Isha) para o que se torna uma grande e mártir Jinx. Enquanto a irmã caçula encontra um novo lar, a mais velha perde, mais uma vez, o conforto do pertencimento. O cenário é invertido: Vi afunda e Jinx ascende. Com certa ansiedade e agilidade, Arcane destrona o previsível e o fácil e entrega, para os assinantes da Netflix, uma narrativa abundante em uma linha tênue entre a saturação e a opulência. 

Isha olha para cima com expressão serena e olhos brilhantes. Nas mãos, a personagem carrega um objeto que reflete iluminação azulada em sua face. Isha é uma criança muda com os cabelos castanhos, agora tingidos de azul, e olhos amarelos.
Isha é uma personagem inédita e primordial na segunda temporada da produção da Riot Games e da Fortiche (Foto: Netflix)

Para alcançar a aceitação, o caminho é sinuoso e injusto. Aceitar a perfeição das imperfeições humanas, consentir viver em uma realidade quebrada ao desistir de um sonho, entender o abandono e a solidão, contemplar a finitude da vida e a prevalência da Morte, acolher o que chamam de “destino”. Em um mundo preto e branco, dilemas não existem, bem e mal são maniqueístas e óbvios. Porém, as cores vibrantes de Arcane afastam a simplicidade do desenvolvimento narrativo e de personagens. Da luta para a dança, a coreografia da vida de cada personalidade da série avança, volta no tempo, aprende com os erros e finaliza com proeza o intuito de ter sido criada. De Powder à Jinx, as pontas fecham perfeitamente o ciclo da realidade das duas Cidades-Estado, porém, deixa, suavemente, margem para as próximas séries da Riot Games.

Questionamentos sobre dualidades como perfeição e humanidade, sensibilidade e insanidade, loucura e brutalidade, violência e paz. Se Viktor e Jayce escrevem, em um dueto, sobre o futuro perfeito para Runeterra, a insana de tranças azuladas fomenta, involuntariamente, uma revolução à la franceses contra a injustiça terrena. Quando o mundo lhe vira as costas e o abandono assola a existência, a depressão e a desesperança arremessam o que sobra da vida no fundo do poço, como Vi passa a entender bem. Imersos na bestialidade humana e na negação da união, o militarismo Noxiano, pregado por Ambessa e Caitlyn, é Arte e, assim, Singed, que luta contra a morte a todo custo, não é insano, mas apenas um cientista mirabolante. “Tudo em nome do progresso” é a marca registrada de Piltover, porém, quando esses avanços vêm de Zaun, a cidade de baixo, devemos deixar que os gritos por liberdade de Ekko e Heimerdinger sejam abafados e perdidos nas vielas.

Uma mulher com os cabelos castanhos presos em um coque baixo mostra o rosto “quebrado” como cerâmica ao virar a cabeça. Das rachaduras da quebra, localizadas no olho esquerdo da personagem, na maçã direita do rosto e, parcialmente, na boca, saem rosas negras com aspecto morto.
O grupo Rosa Negra do jogo League of Legends é apresentado e desenvolvido durante as desavenças de Piltover e Zaun (Foto: Netflix)

Ao equilibrar ao menos três núcleos de desenvolvimento para o enredo chegar no desfecho do terceiro ato, o dinamismo deixa a mente do telespectador inquieta, os olhos deslumbrados com cada frame que carrega tanto significado e os ouvidos apurados e ansiosos para receber a próxima sonoridade épica. Do inglês para o coreano, encontrando com o francês, acenando brevemente para o espanhol e tirando lágrimas com o chinês. Imagine Dragons segue com a abertura, mas Stray Kids, Twenty One Pilots, Stromae, Woodkid e todos os inéditos artistas, convidados para trazer emoção à série pela musicalidade, dominam o compasso e o descompasso de cada risada e choro arrancado, de forma genuína, dos fãs.

Da técnica à estética, Arcane é um deslumbre visual. Para os olhos mais leigos, a composição de cores é impecável, a fluidez de movimentos é indiscutível, a expressividade das personalidades é inerente aos grandes olhos que carregam tanta história, sofrimento, e, no fundo, amor. Já para estudiosos de Arte, a miragem é ainda maior. Em uma mistura improvável de tantos estilos estéticos e artísticos, a animação se torna uma obra-prima inovadora entre as produções de seu gênero. Desde Homem-Aranha no Aranhaverso, em 2018, as apostas dos animadores recaem em uma união entre o 2D e o 3D. Para a série da Riot, isso não é diferente. Com tantas artimanhas distintas, influências pictóricas únicas muito bem definidas para a dupla de Cidades-Estado, o segundo ano traz ainda mais elementos, como, por exemplo, traços de quadrinho, aquarelas e rabiscados. 

De mãos dadas, com sorrisos genuínos e ambas com os cabelos azuis, Isha e Jinx saltam no ar, da esquerda para a direita na imagem. Isha é uma criança muda com os cabelos castanhos, agora tingidos de azul, e olhos amarelos. Jinx é uma jovem adulta com longos cabelos azuis prendidos em duas tranças que alcançam os pés.
A empresa de animação Fortiche explora novos elementos e técnicas de animação; para explorar as memórias de Jinx e de Isha, o rabiscado colorido traz unicidade para o momento retratado nas telas (Foto: Netflix)

Apesar de ‘dar a cara a tapa’ e ceder à nova onda de técnicas para ‘desenhos’, a série, produzida pela Fortiche, inova com elegância em perspectivas, paralelos, unidade e personalidade. Cada cena é singular e original na composição, na estética e na maneira como tamanha grandeza de narrativa reflete em cada detalhe ilustrado. Do primeiro episódio da primeira temporada até o último capítulo da segunda, as referências visuais são conectadas com primor e resgatadas na mente de quem assiste. Revolucionária, a história de Vi e Jinx eleva os patamares de enredo e de produção artística daquilo que muitos consideram como ‘coisa de criança’. 

Para além de uma mera história sobre desigualdade, nacionalismo, guerras, política e os males da humanidade, de forma distinta e realista, apesar de ser uma ficção fantástica, Arcane é uma história sobre: amor; relacionamentos entre irmãos, amigos, parceiros, amantes, pais e filhos; fraternidade entre humanos, pessoas completas e completamente distintas; carinho próprio; afeição mundana ou idealizada no decorrer de anos; apego sofrido, perdido e genuíno. “Por que alguém comete atos que outros julgam inaceitáveis? Por amor

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