Rafael Gomes
Harry e Sally: Feitos Um para o Outro estreou em Julho de 1989 mundialmente. No Brasil, o filme demorou mais alguns meses para ser lançado, em Dezembro de 1989. O longa abriu as portas para a Comédia romântica em Hollywood na década de 1990, voltando a cativar o grande público através de títulos de enorme sucesso como: Sintonia de Amor, Quatro Casamentos e Um Funeral, Um lugar chamado Notting Hill e O Casamento do Meu Melhor Amigo. Na contramão do gênero, Harry e Sally mostra que o amor de verdade é sempre imperfeito, sendo necessário uma boa dose de tolerância para encontrar o par ideal.
A inspiração dos personagens foi do diretor Rob Reiner, do produtor Andy Schinman e da escritora Nora Ephron. Harry e Sally representam os opostos idealizados entre homens e mulheres, produtos que ganharam forma e história. A ideia deles era outro projeto, porém, a conversas do trio derivou para relacionamentos e todos estavam rindo com as situações vistas sob óticas opostas. Reiner chegou até comentar em entrevista à CNN que o final do filme seria bastante diferente, porém, em uma reviravolta amorosa em sua vida pessoal, tivemos um final feliz.
O diretor conta que sempre quis fazer um filme sobre duas pessoas que se tornam amigas e não fazem sexo, justamente porque sabem que isso vai mudar o relacionamento deles, Só que acabam transando do mesmo jeito. Ephron, que vinha de bons roteiros (Silkwood – O Retrato de uma Coragem e A Difícil Arte de Amar), topou o desafio. A história de Harry e Sally: Feitos um para o Outro é simples: Sally e Harry se conheceram em 1977 em uma viagem para Nova York, voltando a se esbarrar após um período de 12 anos.
O roteiro de Nora Ephron surpreende pela forma que os dois protagonistas constroem as suas relações, quebrando clichês da Comédia romântica; como um romance que o destino uniu, um encontro de alma gêmea ou pessoas que combinam. Ephron nos apresentou pessoas completamente diferentes. Na sequência inicial do longa, Harry e Sally destoam completamente, a música It Had To Be You toca nos minutos iniciais para comentar a falsa incompatibilidade dos dois, a música retornaria ao final do filme com outro significado, na mensagem de que os opostos se atraem.
O título do filme no Brasil, Harry e Sally: Feitos Um para o Outro é horrível. Harry não é feito para Sally e vice-versa. No começo do longa, ambos personagens estão na casa dos 20 anos, com personalidades completamente contraditórias. Harry era considerado um cara mais astuto do que de fato é e Sally tem um senso de inocência que se opõe à prepotência do protagonista. É após dois encontros ocasionados pelo destino que ambos se aproximam.
O período de 12 anos em que se passa o filme desde o primeiro encontro dos dois, a sensação de tempo passado e intimidade no relacionamento se deve a grande direção de Rob Reiner, somado com um excelente trabalho de montagem do longa, bem dinâmica, em que temos os protagonistas passando por museus, parques e restaurantes, gerando um acumulado de experiências e tornando crível o sentimento entre o casal. Nova York é uma parte essencial de Harry e Sally, a cidade é retratada com as cores quentes, mesmo em estações mais geladas, demonstrando o sentimento de calor dos protagonistas, mas também é solitária, nos momentos íntimos dos protagonistas.
O filme conta com passagens de tempo e momentos chaves da história, em que aparecem casais de ‘velhinhos’ que contam como se conheceram e se uniram, no estilo de documentário. Esses amores de outros tempos são a constatação estruturante para o enredo, em que cada casal tem sua própria história, sendo a singularidade no amor, o diferencial de um casal do outro. Nós já sabemos que ambos irão ficar juntos, mas o que importa é a trajetória que irá conduzi-los.
O roteiro traz Harry e Sally conversando sobre temas não convencionais do romance tradicional, como trabalho, Cinema e relações passadas, reforçando a ideia de confiança mútua que um tem com o outro. A construção dessa relação culmina em um clímax em que os protagonistas percebem, depois de diversas decepções amorosas, como eles se encaixam perfeitamente, apesar das diferenças. A fala final de Sally não é o tradicional “eu te amo”, mas sim um carinhoso “eu te odeio”. Isso porque ela realmente o odeia, visto que conhece todas as facetas de Harry, assim como Harry conhece todas as manias dela, como a demora ao pedir um lanche.
É nesse amplo conhecimento de um com o outro que se permite o surgimento de amor e também a descoberta de defeitos. A relação de ambos tem o seu charme pelo sentimento de amor não surgir de paixões proibidas ou à primeira vista. O filme acredita que a base de uma grande relação está na amizade. Harry, no começo, acredita que não é possível homens e mulheres terem uma relação assim, pois a atração, em algum momento, irá atrapalhar. Esse dilema dá o desenrolar da história.
Sally representa muito o que Nora Ephron pensava como mulher, não à toa, Meg Ryan estrelou diversos outros filmes de Ephron. Rob Reiner havia o pessimismo de Harry, assim como o humor do protagonista. Durante a produção do roteiro, que começou em 1984, Reiner lançou dois filmes que fizeram enorme sucesso, o clássico da sessão da tarde Conta Comigo (1986) e o excelente A Princesa Prometida (1987). O filme poderia ser muito diferente, diversos atores recusaram os papéis de Harry, como por exemplo, Tom Hanks, Richard Dreyfuss e Michael Keaton, no final, o escolhido foi Billy Crystal. Já pelo lado de Sally, recusaram as atrizes Molly Ringwald e Elizabeth Perkins, deixando o papel para Ryan.
O filme conta com momentos que entraram para a história do Cinema, como por exemplo a cena da lanchonete, onde Harry acredita que não é possível fingir um orgasmo e Sally começa a fingir no meio da lanchonete. Essa cena é uma das mais famosas não só do gênero de comédias românticas, mas em geral. Outro momento marcante é a declaração de Harry para Sally na celebração de ano novo, em que o personagem sai correndo atrás dela, proferindo uma das falas mais clássicas: “Quando você percebe que quer passar o tempo com uma pessoa, você quer que esse tempo comece o mais rápido possível”.
Harry e Sally sempre aparece em listas dos melhores filmes já feitos. A proposta original era manter ambos como amigos, porém, decidiram ir para um resultado menos realista, colocando “felizes e neuróticos para sempre”, se tornando uma alternativa nas comédias românticas desde então. O longa foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor roteiro e abriu caminho para Nora Ephron se reinventar como diretora de Cinema, produzindo clássicos da Comédia romântica, como Sintonia de Amor (1993) e Mensagem para Você (1998).
O impacto cultural do filme pode ser sentido em diversas produções cinematográficas da década de 1990 e começo de 2000, porém, atualmente, ainda há exemplos de influência desse clássico. Um deles é a série do Apple TV+ Ted Lasso – onde há diversas referências ao Rom-Communism, principalmente no quinto episódio da segunda temporada, com diversas homenagens aos filmes de Nora Ephron –, mas também na relação entre dois personagens, Ted e Rebecca, provando que a tese de Harry está errada; homens e mulheres podem ser apenas amigos. Mesmo após 35 anos do lançamento, continua um ‘filmaço’, seu ritmo é perfeito, o humor ainda funciona e a história de ambos com todos seus encontros e desencontros dão charme ao longa, fazendo com que Harry e Sally seja lembrado e reverenciado como um dos melhores do gênero.