Bruno Mael
Desde sua estreia como cineasta em 1995, o cineasta Michael Bay tem a ação junto a uma certa dose de niilismo como grandes marcas do seu trabalho. Premiado diretor de comerciais e videoclipes, Bay funde o apelo visual e a iconografia americana de seu predecessor Tony Scott, com o niilismo e antipatia de seu sucessor Zack Snyder, em filmes de ação saturados e apelativos que pouco se importam de fato com seus personagens. Talvez seja por isso que o americano se encontrou nos robôs da franquia Transformers, literais dispositivos de ação e frases de efeito, que a cada filme tinham mais tempo de tela e davam menos valor à vida humana.
Nessa perspectiva, Ambulância – Um Dia de Crime é quase uma antítese a essas características típicas do diretor, se opondo ao auge de sua antipatia em Sem Dor, Sem Ganho (2013), mesmo que também tenha a falência do sonho americano como tema. Na trama, o veterano Will Sharp (Yahya Abdul-Mateen II), fica desesperado para pagar as contas médicas de sua esposa e pede ajuda de seu irmão adotivo, o criminoso e carismático Danny (Jake Gyllenhaal), que propõe um grande assalto a banco. Porém, quando a fuga dos irmãos dá espetacularmente errado, Will e Danny sequestram uma ambulância com um policial ferido e a paramédica Cam Thompson (Eiza González) a bordo.
A partir dessa proposta, o filme segue a fuga interminável da ambulância pelas ruas de Los Angeles, repleto de cenas filmadas com drones como a grande novidade técnica. Se antes Bay não pedia para o público empatizar com mais de 2 ou 3 personagens, enquanto matava os outros ou os fazia de piada, agora o diretor tenta fazer o espectador tomar as dores de variadas pessoas envolvidas na perseguição do longa. Parte da responsabilidade nesse âmbito é do roteirista Chris Fedak, que tem em seu histórico produções simpáticas como as séries Chuck e Lendas do Amanhã.
No trio principal, Will tem o drama de sua esposa como força motriz e ponto de empatia com o público, enquanto Danny tem sua relação com o irmão e Cam tem dificuldade em se conectar — agindo quase como um metacomentário sobre os universos do diretor. Mesmo fora da Ambulância, os policiais e autoridades de Los Angeles, apesar de alvos de algumas piadas, também tem suas vidas pessoais expostas o suficiente para o público se importar minimamente. Em uma narrativa que se inicia tentando borrar a linha entre certo e errado, Bay nos convida a se importar e sentir junto a uma grande gama de personagens, desde os protagonistas, passando pelas autoridades e chegando até mesmo ao cartel que encomenda o roubo.
A tentativa, exposta no roteiro e na dramaticidade do diretor ao introduzir os personagens, se mostra necessária agora que o filme trata menos de ação, e mais de tensão. Em entrevistas, Bay destaca a troca do foco em ação e explosões, por uma tentativa de construir e manter a tensão dos assaltos e perseguições, o que também transparece nas referências feitas ao filme Heat: Fogo Contra Fogo. Apesar de igualmente acompanhar assaltantes de banco sob pressão em Los Angeles, Ambulance acaba sendo mais inchado e exagerado do que sua contraparte de 1995, ou do que a produção dinamarquesa homônima que inspirou o roteiro do longa.
Esse inchaço aparece com clareza no terço final do filme, onde o diretor parece se cansar do thriller que construiu até então. Bay troca o possível catarse do fim da perseguição, por paradas com setpieces de tiroteios e explosões. Ironicamente, visto que Will e Danny chegam a repetir a frase “Nós não paramos” como um mantra. Ainda assim, os montadores Doug Brandt, Pietro Scalia e Calvin Wimmer trabalham arduamente para tentar manter o estresse e a inquietação do longa, contribuindo muito para o thriller de perseguição proposto.
Nesses momentos, se torna claro como os atores contribuem muito para a imersão do longa. Yahya Abdul-Mateen II traz todo o drama e seriedade necessários para levar a sério a trama, enquanto Jake Gyllenhaal carrega carisma e exageros para seu personagem instável, que, a exemplo de atores como John Turturro e Nicholas Cage, brilha ao casar perfeitamente com o mundo saturado do diretor. Toda o estresse em que esses personagens são inseridos acaba servindo para revelar arquétipos em meio a crise, tanto na vilania do instável Danny, quanto no heroísmo de Will e especialmente de Cam, que Eiza González interpreta com uma dose necessária de estoicismo, enquanto Bay a trata com a reverência e exaltação que costuma dar aos “trabalhadores braçais”.
Apesar do peso negativo das paradas no ritmo, que devem cansar o espectador, os minutos finais encerram o longa-metragem de forma tensa, dramática e catártica. Mesmo que falho em parte de sua execução, Ambulância – Um Dia de Crime ainda é o melhor filme do diretor em alguns anos, surpreendentemente também é um de seus projetos menos caros, e uma boa opção de entretenimento. Resta agora saber se o futuro de Michael Bay continuará em projetos menores fora dos blockbusters, ou de volta aos projetos explosivos, custosos e saturados.