Gabriel Oliveira F. Arruda e João Paulo de Oliveira
Mais de uma década após seu lançamento original no Xbox 360, o pesadelo cult da Remedy Entertainment toma nova forma em Alan Wake Remastered, entregando a experiência definitiva da obra idealizada por Sam Lake. Inicialmente amaldiçoado por um período de desenvolvimento caótico, uma janela de lançamento inoportuna e um grande número de versões piratas, o remaster chega como uma segunda chance para que a franquia alcance o sucesso que sempre mereceu.
Atualizada para a nova geração de consoles com a ajuda do estúdio d3t, a remasterização é fruto de uma parceria com a publisher Epic Games, descrita como o menor dentre dois projetos. Apesar de não haver mais informações sobre o segundo produto, é altamente provável que seja uma sequência de Control, título anterior da Remedy que trouxe de volta o protagonista titular de Alan Wake.
Mais do que uma segunda chance para a franquia, o Remastered é uma reintrodução de um dos títulos mais importantes da última década, responsável por introduzir preceitos visuais e narrativos que se tornaram via de regra em diversas camadas da indústria. A jornada do escritor Alan Wake por uma cidade pacata no Noroeste Pacífico lutando contra as forças sinistras da Escuridão ganha uma nova roupagem, abrindo as águas de seu profundo lago para uma nova leva de teorias e expectativas para seu futuro.
Muito antes do formato episódico de jogos ser popularizado por títulos como The Walking Dead e Life is Strange, Sam Lake e Mikko Rautalahti já experimentavam com uma ideia similar. É fácil ver como os roteiristas da Remedy se inspiraram em narrativas surrealistas, a exemplo Twin Peaks e Além da Imaginação, para criar a pitoresca cidade de Bright Falls, e como o formato episódico serviu como uma luva na hora de estruturar a história do jogo.
Desenvolvido por cerca de três anos como um jogo de sobrevivência em mundo aberto, o Alan Wake original foi completamente retrabalhado pelo estúdio entre 2008 e 2010, de modo a construir uma experiência mais fechada e tensa do que eles planejavam. Porém, detalhes como o design meticuloso da cidade e os seus arredores ainda mostram sinais das ambições de seus realizadores. Apesar de podermos apreciar a beleza rústica de Bright Falls apenas de maneira linear, a obra passa um senso de lugar bastante convincente, limitando ao máximo a quantidade de elementos não-diegéticos na tela para garantir a imersão dos jogadores. A perspectiva não-linear seria mais bem desenvolvida em Control, que coloca os jogadores dentro de um gigantesco edifício brutalista para batalhar contra forças extradimensionais.
Em Alan Wake, o terror e o sobrenatural assumem formas mais arquetípicas e reconhecíveis, mas que nos envolvem através da maneira misteriosa com que são apresentadas. Após chegarem na cidade e conhecerem alguns de seus curiosos habitantes, Alan (Matthew Porretta) e sua esposa, Alice (Brett Madden), são atacados por uma força sombria e incorpórea que parece infectar o ambiente, arrastando Alice para dentro de um lago e forçando seu marido à mergulhar atrás dela. Depois disso, Alan acorda atrás do volante de um carro na beira de um penhasco, sem memórias do que aconteceu na última semana, mas encontrando páginas de uma história que descreve os eventos que acontecem ao seu redor, aparentemente escrita por ele mesmo.
Alan Wake é certamente um conto de Terror (a introdução começa com uma citação do próprio mestre do gênero, Stephen King), colocando o jogador no papel de alguém sem preparo e com equipamentos extremamente limitados, dando ênfase na tensão de cada encontro, e construindo aos poucos um envolvente thriller de ação cinematográfico. Mas ele também é, em sua estrutura e narrativa, uma história sobre contar histórias, um metatexto sobre a própria Remedy e seu processo de reinvenção nos anos 2000.
Descrito como um escritor prolixo, Alan Wake é responsável pela saga de livros policiais estrelando o detetive Alex Casey, mas que está sofrendo com um bloqueio criativo há cerca de dois anos, desde que encerrou a série, junto com a vida de seu detetive fictício. Similarmente, a Remedy ficou famosa no início do milênio pela série de jogos de ação Max Payne, que te colocam na pele de um ex-policial obcecado por vingança. A procura de Alan por sua próxima inspiração se tornou então uma maneira do próprio estúdio lidar com seu futuro, tendo de encontrar uma nova direção para levar suas ideias.
Na transição da ação para o terror e suspense, eles trouxeram várias de suas experiências anteriores, na mesma medida que retrabalharam outras. Ao invés do infame bullet time de Max Payne, que permite que o jogador desacelere o tempo de modo a atirar em mais pessoas, Alan Wake recompensa os jogadores com uma câmera lenta ao desviar dos inimigos ou quando um golpe especialmente bem dado atinge mais de um de uma vez.
É tudo sobre timing e conservação de energia. Para lutar contra a Escuridão, Alan precisa, antes de tudo, de uma lanterna: o item mundano é um dos mais importantes e é o único que vai sendo constantemente melhorado ao longo das quase 15 horas do título. Para que suas armas tenham efeito contra os habitantes possuídos, ele precisa primeiro apontar sua lanterna contra eles e esperar que a camada sombria que os cobre se dissipe. Com essa fórmula, cada embate torna-se uma dança de desvios e pausas críticas onde cada movimento conta.
Como enfatizado pelo próprio diretor criativo da Remedy, Sam Lake, em um de seus comentários que podem ser habilitados dentro do próprio título, um “remaster” foca em melhorar graficamente um jogo, deixando sua aparência mais próxima dos jogos da geração atual, mas sem alterar aspectos da estrutura em si. Alan Wake Remastered traz diversas dessas atualizações gráficas, como a resolução 4K e a tecnologia do DLSS, acessível apenas em computadores que possuem placas de vídeo da marca Nvidia a partir da geração RTX.
O aumento da resolução é algo muito perceptível para quem possui um monitor com resolução maior que 1920×1080 pixels. Em contrapartida, esse aumento gráfico acaba fazendo com que o jogo possa apresentar travamentos em computadores menos potentes. Como forma de driblar eles, a remasterização de Alan Wake possui a tecnologia DLSS, que, de forma resumida, processa o jogo em uma resolução menor e elimina, através de inteligência artificial, o “embaçamento” que a imagem teria ao ser esticada para a resolução do seu monitor, dando um produto final muito próximo do que seria a resolução se o DLSS não estivesse ativado, mas exigindo um menor processamento do computador.
Além dessas tecnologias implementadas, ganhamos muito mais profundidade no jogo pela escolha do estúdio em refazer todas as cutscenes, dando mais expressão e vida para as personagens, visto que podemos perceber ainda mais a interpretação dos atores, criando uma atmosfera até mais envolvente que a presente no jogo original. Porém, é bem perceptível a falta do cuidado fora dessas cenas, onde a movimentação dos personagens ainda é travada, gerando um certo estranhamento ao passar rapidamente de uma das sequências para o jogo normal.
Em termos de história, ela se mantém fiel ao original, apesar da confirmação do universo compartilhado entre Alan Wake e Control mudar a perspectiva que temos sobre alguns dos acontecimentos e seus personagens. Em Control, temos uma DLC inteira fazendo referência aos eventos que acontecem em Bright Falls durante Alan Wake, mas na remasterização essa ligação é extremamente sutil e apenas perceptível para os jogadores mais atentos. Alguns QR codes, que no jogo original eram simples easter eggs, aqui são substituídos por links para alguns vídeos que mostram o próprio Alan escrevendo diretamente do “Dark Place”, local onde ele estaria preso desde o final do jogo original, dez anos atrás , reforçando os rumores de que a tão esperada sequência para o título de 2010 esteja finalmente em desenvolvimento.
Alan Wake Remastered é um pacote bastante humilde, revitalizando um dos jogos single-player mais importantes da última década e trazendo suas excelentes expansões, sem revisar a experiência, escolhendo manter ela da maneira que foi concebida. Com enfoque em atualizar seu visual para algo aceitável em consoles e computadores modernos, a remasterização está sendo vendida por um preço que reflete essa humildade, passando bem longe do valor de jogos contemporâneos.
Em 2010, o mundo talvez não estivesse preparado para tudo que Alan Wake almejava alcançar. Uma narrativa surreal e transmídia, contada não só pelo jogo, mas por HQs, webséries e até mesmo álbuns musicais, o título estava quase destinado a fracassar num primeiro momento, prosperando nas sombras conforme mais e mais pessoas descobriam o prazer dos segredos de Bright Falls e suas muitas faces, se afundando em seu oceano de teorias e conspirações.
Já em 2021, a versão Remastered oferece a experiência completa e definitiva do título, reunindo o conteúdo adicional dos episódios The Signal e The Writer, dando à velhos fãs a chance de rever o clássico com novos olhos e possibilitando que uma nova geração de jogadores se apaixone por seu Terror atmosférico e sua narrativa episódica. Por mais que ofereça poucos novos recursos além dos comentários de Sam Lake, é um pacote que mais do que justifica seu valor e insere novas baterias na lanterna do escritor mais famoso dos videogames.