Vitória Borges
Você já imaginou uma versão melhor de si? E se você soubesse que existe um produto que pode te mostrar uma parte mais jovem, bonita e perfeita? A Substância (The Substance, no original) pode te dar isso e um pouco mais. A produção, que promete revirar o estômago, é uma diversão exageradamente nojenta e bizarra sobre o espetáculo visual do Cinema e o gênero de horror corporal.
Aclamado durante o Festival de Cannes, o longa dirigido e roteirizado por Coralie Fargeat conta a história de Elizabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz ‘cinquentona’ que está prestes a perder seu ‘prazo de validade’ no mundo do showbiz e que, ao se ver nessa situação, resolve usar a substância que promete criar “uma versão melhor de si”. É, então, que sua nova personalidade, Sue (Margaret Qualley), uma bela jovem com vinte anos de idade que tem o que quer na palma de sua mão, entra em cena.
Fadada ao sucesso ao viver a vida de Sue, Elizabeth se vê na obrigação de sobreviver em cima do status da personagem de Qualley. Como uma espécie de doppelganger, as personagens dividem uma vida dupla, são sete dias para cada corpo e, caso desrespeite essa regra vital, as coisas começam a desandar e causam circunstâncias brutais. Afinal, elas são apenas uma.
A beleza de Margaret Qualley, igualada a perfeição de Moore, elevam o nível de atuação do longa. A eloquência entre as atrizes é, de certa forma, visionária. A talentosa atriz de Pobres Criaturas (2023) atua de forma fresca e legítima, já Demi Moore mantém sua relevância cumprindo um papel excepcional. Colocar a veterana para interpretar uma personagem ‘acabada’ e sem rumo, talvez, possa ter sido forçado, mas podemos concordar que esse foi, de longe, um de seus melhores papéis em anos.
Ao mesmo tempo que se preocupa em revelar e reciclar imagens de horror, ao estilo Carrie, a Estranha (1976), a trama de A Substância foca em apresentar um horror ácido que faz uma severa crítica à sociedade e à busca desenfreada pela beleza. A posição de Fargeat ao abordar a cultura ocidental hollywoodiana é sutil e perceptível; seu temor por mostrar o apelo pela ‘velhice’ no Cinema acaba se transformando em algo torturante e disfórico.
Apesar de parecer bem desenvolvido, o filme necessita de certo cuidado ao abordar o retrato de um sistema tão delicado quanto este. A linguagem do male gaze, acrescida do viés do olhar perturbador, é evidente durante todo o período do longa. A valorização pelo grotesco é como uma consequência direta da obsessão pela juventude e perfeição.
A necessidade da produção em deixar os diálogos em segundo plano mostra a falta de sagacidade para explorar temas delicados. Ao mesmo tempo, é excitante ver a forma como Coralie Fargeat reproduz ideias escandalosas com linguagens vulgares e, até mesmo, grosseiras em determinados momentos do longa. A grande metáfora da substância, que se resume a cirurgias plásticas e procedimentos estéticos, é antiquada e desagradável aos olhos femininos, sua crítica se baseia nos mesmos vícios que captam a obsessão pela juventude.
O ritmo de A Substância pode parecer, em alguns momentos, lento e repetitivo, porém, é considerável dizer que a trama funciona como uma grande bomba relógio prestes a explodir. O terror bruto é insensível, não oscila e muito menos foge de suas sequências que estão perturbadoramente interligadas. A crise de conflito interno busca despertar uma reação sensorial no espectador a cada singela cena, causando certo interesse nessa produção sangrenta.
A Substância é tudo que se pode esperar de um filme no estilo body horror. Com um toque extremamente físico e visceral, o longa promete e cumpre seu papel com uma trama feroz e intensa. A produção tem tudo para deixar o espectador desconfortável e tirá-lo de sua zona de conforto. Com seu olhar afiado para o bizarro e sede pela monstruosidade, a obra expõe o desejo pela beleza ao limite. Afinal, qual é o preço da substância que o público procura? Você pode pagar para ver.