Você pagaria o preço para ter A Substância?

Cena do filme A Substância. Na imagem vemos Elizabeth, mulher branca com cabelos pretos, falando ao telefone. Ela veste um vestido na cor preta e usa brincos de prata. Com sua mão direita, segura um telefone vermelho e sua expressão parece preocupada. Ela está sentada em uma cama com lençol rosado. Ao fundo é possível ver uma parede na cor vermelha.
Demi Moore volta às telas do Cinema após 30 anos (Foto: MUBI)

Vitória Borges

Você já imaginou uma versão melhor de si? E se você soubesse que existe um produto que pode te mostrar uma parte mais jovem, bonita e perfeita? A Substância (The Substance, no original) pode te dar isso e um pouco mais. A produção, que promete revirar o estômago, é uma diversão exageradamente nojenta e bizarra sobre o espetáculo visual do Cinema e o gênero de horror corporal.

Aclamado durante o Festival de Cannes, o longa dirigido e roteirizado por Coralie Fargeat conta a história de Elizabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz ‘cinquentona’ que está prestes a perder seu ‘prazo de validade’ no mundo do showbiz e que, ao se ver nessa situação, resolve usar a substância que promete criar “uma versão melhor de si”. É, então, que sua nova personalidade, Sue (Margaret Qualley), uma bela jovem com vinte anos de idade que tem o que quer na palma de sua mão, entra em cena. 

Fadada ao sucesso ao viver a vida de Sue, Elizabeth se vê na obrigação de sobreviver em cima do status da personagem de Qualley. Como uma espécie de doppelganger, as personagens dividem uma vida dupla, são sete dias para cada corpo e, caso desrespeite essa regra vital, as coisas começam a desandar e causam circunstâncias brutais. Afinal, elas são apenas uma.

Cena do filme A Substância. Na imagem vemos as mãos de uma pessoa branca segurando um papel branco com a frase “REMEMBER YOU ARE ONE” escrita em preto. Atrás do papel encontra-se uma caixa de papelão com uma fita transparente escrita “ACTIVATOR” em preto. O carpete do chão está na cor cinza.
A produção foi indicada à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024 (Foto: MUBI)

A beleza de Margaret Qualley, igualada a perfeição de Moore, elevam o nível de atuação do longa. A eloquência entre as atrizes é, de certa forma, visionária. A talentosa atriz de Pobres Criaturas (2023) atua de forma fresca e legítima, já Demi Moore mantém sua relevância cumprindo um papel excepcional. Colocar a veterana para interpretar uma personagem ‘acabada’ e sem rumo, talvez, possa ter sido forçado, mas podemos concordar que esse foi, de longe, um de seus melhores papéis em anos.

Ao mesmo tempo que se preocupa em revelar e reciclar imagens de horror, ao estilo Carrie, a Estranha (1976), a trama de A Substância foca em apresentar um horror ácido que faz uma severa crítica à sociedade e à busca desenfreada pela beleza. A posição de Fargeat ao abordar a cultura ocidental hollywoodiana é sutil e perceptível; seu temor por mostrar o apelo pela ‘velhice’ no Cinema acaba se transformando em algo torturante e disfórico. 

Apesar de parecer bem desenvolvido, o filme necessita de certo cuidado ao abordar o retrato de um sistema tão delicado quanto este. A linguagem do male gaze, acrescida do viés do olhar perturbador, é evidente durante todo o período do longa. A valorização pelo grotesco é como uma consequência direta da obsessão pela juventude e perfeição.

Cena do filme A Substância. Na imagem vemos Elizabeth, mulher branca de cabelos pretos, tirando sua maquiagem. Ela usa um vestido na cor vermelha e luvas pretas. Enquanto se olha no espelho, com sua mão direita Elizabeth está tirando o batom vermelho de sua boca. Ao fundo é possível ver as paredes com azulejos brancos.
Por explorar a obsessão por corpos femininos, A Substância é totalmente diferente dos demais filmes lançados em 2024 (Foto: MUBI)

A necessidade da produção em deixar os diálogos em segundo plano mostra a falta de sagacidade para explorar temas delicados. Ao mesmo tempo, é excitante ver a forma como Coralie Fargeat reproduz ideias escandalosas com linguagens vulgares e, até mesmo, grosseiras em determinados momentos do longa. A grande metáfora da substância, que se resume a cirurgias plásticas e procedimentos estéticos, é antiquada e desagradável aos olhos femininos, sua crítica se baseia nos mesmos vícios que captam a obsessão pela juventude. 

O ritmo de A Substância pode parecer, em alguns momentos, lento e repetitivo, porém, é considerável dizer que a trama funciona como uma grande bomba relógio prestes a explodir. O terror bruto é insensível, não oscila e muito menos foge de suas sequências que estão perturbadoramente interligadas. A crise de conflito interno busca despertar uma reação sensorial no espectador a cada singela cena, causando certo interesse nessa produção sangrenta.

Cena do filme A Substância. Na imagem vemos Sue, mulher branca com cabelos castanhos escuros, olhando fixamente para a frente. Ela veste um baby doll na cor rosê. Sue encontra-se deitada com seus braços abertos e sua boca e nariz estão sangrando. Ao fundo, o tapete em que está deitada é bege.
Margaret Qualley dá show de atuação no longa (Foto: MUBI)

A Substância é tudo que se pode esperar de um filme no estilo body horror. Com um toque extremamente físico e visceral, o longa promete e cumpre seu papel com uma trama feroz e intensa. A produção tem tudo para deixar o espectador desconfortável e tirá-lo de sua zona de conforto. Com seu olhar afiado para o bizarro e sede pela monstruosidade, a obra expõe o desejo pela beleza ao limite. Afinal, qual é o preço da substância que o público procura? Você pode pagar para ver.

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