Nathalia Tetzner
O cenário é o estúdio de uma clássica gravadora em Los Angeles. No ambiente, as espumas nas paredes evidenciam o cantarolar de uma voz familiar e icônica; Michael Jackson ensaia We Are The World sozinho, enquanto Lionel Richie orquestra, nos bastidores do American Music Awards, o que pode ser considerado o mais importante encontro da história da Música. Seguindo o embalo de tantas vozes que marcaram gerações, A Noite que Mudou o Pop emociona, ainda que seja um documentário tão imperfeito quanto a tentativa de unir timbres diferentes em uma só faixa e atenuar egos inflados em prol de uma causa humanitária: a fome no continente africano.
Através das lentes de Bao Nguyen – diretor veterano de documentários, como a biografia de Bruce Lee, Be Water (2020) –, o público assiste à registros e depoimentos inéditos do encontro entre as 45 maiores estrelas da década de 1980, enquanto contempla Lionel Richie se reencontrar com as memórias de uma noite inesquecível. O intérprete de Say You, Say Me age como um ‘fanfarrão’ e aproveita de sua aura de apresentador nato para tentar transformar o filme em algo apoteótico. Por vezes, a narração soa exagerada e redundante, porém, é difícil julgá-lo por isso, afinal, qualquer mero mortal também passaria uma eternidade se gabando caso fosse o responsável por tamanha façanha.
O contexto dessa missão quase impossível é explorado por The Greatest Night In Pop (no original), que faz questão de relembrar cada passo e demonstrar como ela atravessou o AMA’s, tradicional premiação da indústria musical estadunidense. Richie, que estava celebrando um ótimo ano na carreira, precisava coordenar aqueles astros sentados na plateia para o estúdio de gravação. Todos foram inicialmente convidados por Harry Belafonte, músico e ativista idealizador da iniciativa que se assemelhava ao Band Aid; união dos artistas britânicos e irlandeses. Ao seu lado, Quincy Jones é referenciado, no longa, como a peça fundamental para extrair o melhor do supergrupo USA For Africa.
Durante o documentário, o telespectador acaba se identificando com um ou outro artista e, até mesmo, se surpreendendo com a postura de outros. No campo dos que conquistam a audiência, a irreverência de Cyndi Lauper, o estilo de vocalização único de Bruce Springsteen – alerta: Born In The USA gruda mais na mente do que We Are The World –, o sorriso genuíno de Diana Ross e a timidez de Bob Dylan preenchem a tela. Por outro lado, a falta de paciência de Waylon Jennings com um Stevie Wonder muito animado, e a ausência de Prince, que venceu vários prêmios da noite em categorias que Michael Jackson também concorria, somaram-se como pontos desagradáveis de acompanhar.
Indicada em três categorias do Emmy 2024, a produção da Netflix é uma concorrente forte pela estatueta de Melhor Documentário ou Especial de Não-Ficção e Melhor Edição de Som em Reality ou Programa de Não-Ficção, assinada por Richard Gallagher. O diretor, Bao Nguyen, ainda enfrenta nomes consolidados pelo prêmio de Melhor Direção em Documentário ou Programa de Não-Ficção. A Noite que Mudou o Pop mira na nostalgia de tempos que não voltam mais e acaba, consequentemente, celebrando Lionel Richie como um dos grandes nomes da época. Embora tenha altos e baixos, exatamente como a faixa que arrecadou 60 milhões de dólares em fundos para a África, a emoção deixa a última e boa impressão.