Gabriel Gatti
Há milhões de anos, as formas de vida que habitavam a Terra eram outras. Os registros geológicos chamam de pré-cambriano a fase em que começaram a surgir os primeiros seres vivos. Com o passar do tempo, apareceram outros animais mais complexos, como os dinossauros, répteis gigantes que dominavam o planeta. Esse é o contexto histórico em que se passa a série A Família Dinossauros, criada por Jim Henson, uma sitcom que de arcaica não tem nada. O show jurássico ganhou notoriedade por apresentar de forma humorística a reconstrução do estilo de vida contemporâneo por meio de dinossauros.
Como já diz no próprio nome, a série tem como protagonistas uma família de dinossauros que levam uma vida típica de um cidadão estadunidense de classe média na cidade de Pangea, no ano de 60.000.003 a.C.. Dino da Silva Sauro (Stuart Pankin), o pai, é derrubador de árvores da Wesayso Corporation, onde é constantemente desvalorizado pelo seu chefe, Bradley P. Richfield (Sherman Hemsley). Já Fran da Silva Sauro (Jessica Walter), a mãe, é uma dona de casa que constantemente coloca juízo na cabeça do marido.
Além do casal, a família Silva Sauro também é composta por três filhos. O mais velho é Robbie (Jason Willinger), um dinossauro que vive em constante atrito com o pai por causa de seus ideais políticos e sociais. Já Charlene (Sally Struthers), a filha do meio, é vaidosa e, muitas vezes, fútil. O caçula, Baby (Kevin Clash), é um bebê esperto e mimado, que usualmente faz escândalo para que seus familiares atendam suas vontades. Outro membro da família é Ethyl (Florence Stanley), mãe de Fran, que não se dá bem com Dino.
Cada episódio de A Família Dinossauros apresenta um roteiro repleto de humor e bordões sobre a vida contemporânea interpretada por personagens pré-históricos. O icônico “querida, cheguei”, dito por Dino já na abertura da série, foi muito impactante, servindo de referência até para programas de TV futuros e memes. Outro personagem repleto de frases marcantes é Baby. O caçula tinha uma autoestima bem alta e sempre que conhecia alguém novo já dizia “tem que me amar”. Além dessa, o pequeno tinha costume de chamar seu pai de “não é a mamãe”, como uma forma sutil de os roteiristas criticarem a ausência paterna na criação dos filhos.
Os bordões e o relacionamento cômico e atrapalhado da família eram apenas uma forma de envolver o público para, a partir daí, debater pautas de relevância social, assim como a ausência dos pais na criação dos filhos. Um dos temas mais abordados em A Família Dinossauros é sobre a influência negativa da televisão sob os telespectadores. Além de tratar rotineiramente essa questão, a sitcom dedicou alguns episódios exclusivamente para essa crítica, como o Family Change, em que os personagens desaprenderam a dialogar de tanto assistir TV, e o Network Genius, em que Dino vai trabalhar na produção dos programas televisivos e percebe como a população se torna incapaz de raciocinar após assistir à nova grade.
Outra problemática amplamente discutida em toda a série é a questão dos direitos das minorias. Diversas vezes a amiga de Fran, Mônica (Suzie Plakson), foi discriminada por ser uma mulher divorciada, quadrúpede e que trabalha. O episódio What ‘Sexual Harris’ Mean, por exemplo, mostra a personagem sendo constantemente assediada no emprego, e até ser demitida por ser do sexo feminino. Já em Green Card, devido algumas crises econômicas, os estrangeiros estão sendo deportados e, por isso, Mônica precisa se casar com um dinossauro bípede para não ser expulsa de Pangea. Mas, mesmo casada, a personagem é constantemente insultada com ofensas xenofóbicas.
Além dessas questões sociais, uma pauta muito abordada em A Família Dinossauros é sobre o ambientalismo. Dino, como funcionário da Wesayso Corporation, derruba árvores para a expansão das cidades, e seu chefe, Bradley Richfield, só se importa com as questões financeiras pessoais e da empresa. Desse modo, a série discute a extinção das espécies, a falta de direitos dos povos nativos e, até mesmo, o fim dos dinossauros, como indivíduos que propiciaram a própria devastação.
Repleto de simbolismos pré-históricos, A Família Dinossauros marcou quatro temporadas repletas de críticas sociais importantes, expostas de forma leve e divertida. À primeira vista, a série se parece um programa infantil, tal qual Os Muppets e Vila Sésamo, também criados por Jim Henson, no entanto, o roteiro inteligente que questiona o American way of life torna a sitcom jurássica muito mais familiar ao público adulto. Com o costume de quebrar a quarta parede, muitas vezes os personagens integravam os telespectadores nas questões que eram retratadas, tornando a abordagem da série ainda mais singular.
A questão das críticas ao comportamento familiar contemporâneo aproxima muito A Família Dinossauros de outras séries. Os Flintstones, por exemplo, sempre trouxe o cotidiano atual retratado para a época da idade da pedra como forma de questionar a moral e os bons costumes. Outra produção semelhante é Os Simpsons, que aborda o cotidiano com piadas politicamente incorretas, com a diferença de que esta é produzida diretamente para o público adulto. Apesar de algumas diferenças, todas elas partiam de uma família aparentemente comum para seu universo e, a partir daí, desenvolveram, por meio do humor ácido, críticas ao padrão de vida norte-americano.
A abordagem adotada pela série fez com que A Família Dinossauros se tornasse um grande fenômeno de audiência. Ao longo de quatro temporadas, os Silva Sauro serviram como entretenimento em diversos lugares em todo o mundo. No Brasil, a dublagem contou com os atores José Santa Cruz, Maria Helena Pader, José Leonardo, Miriam Ficher e Marisa Leal, que interpretaram maravilhosamente os protagonistas ao cederem suas vozes. Além disso, a sitcom chegou a ser transmitida pela Globo, pelo SBT e pela Band, sendo um sucesso nas três emissoras. Atualmente, o Disney+ conta com todos os episódios do show, perpetuando o legado de Jim Henson.
O criador de A Família Dinossauros, Jim Henson, foi muito inteligente em desenvolver uma série jurássica que abordasse problemas sociais atuais. Por meio de simbolismos, os roteiristas brincam com os preconceitos, retratando-os como algo primitivo. Além disso, a obra reforça como o descaso com o meio ambiente é algo grotesco e ultrapassado. Ao derrubar todas as árvores para a expansão comercial, os dinossauros provocam sua própria extinção. Atualmente, é perceptível o mesmo erro com a devastação dos biomas brasileiros para a expansão econômica, o que já afeta a saúde humana.
Por causa da ganância, os dinossauros puseram um fim em suas vidas, mas, durante quatro temporadas, foi possível se divertir com as confusões da família Silva Sauro. Cada episódio fazia os telespectadores rirem e, ao mesmo tempo, refletirem sobre seus valores conservadores e retrógrados, que são um empecilho na sociedade. Desse modo, 30 anos depois do início dessa série icônica, A Família Dinossauros se mostra como um fenômeno atemporal do entretenimento.