Aviso: o seguinte texto discursa sobre temas que podem se tornar gatilhos para algumas pessoas que sofrem/sofreram com dependência química e abuso verbal

Livia Queiroz
“The Outer Banks, paradise on earth” (“Outer Banks, o paraíso na terra”, em tradução livre). Há cinco anos, ouvimos pela primeira vez, de muitas, a narração de John B. Routledge (Chase Stokes) pela série original da Netflix, Outer Banks. Com um total de dez episódios, ‘OBX 1’ é um projeto divertido que trata sobre um grupo de amigos que se envolvem em uma caça ao tesouro – antes iniciada pelo pai do personagem principal – enquanto vivem a vida como adolescentes. O seriado é, com certeza, um dos maiores sucessos originais da plataforma, seguindo para a 5.ª e última temporada com muita adesão do público, apesar das críticas à decadência na qualidade do roteiro e enredo ao longo de suas atualizações.
Com um aspecto de desenho animado, o seriado inicia por meio de um voice over para a introdução de seus personagens iniciais. As características e personalidades de cada um são muito bem definidas, com alguns deles representando temas polêmicos como John B, o protagonista e líder do grupo de pogues, que apresenta síndrome de herói e busca respostas pelo desaparecimento e suposta morte de seu pai, e JJ (Rudy Pankow), o popular que se dá bem com as garotas, é leal à suas amizades e apresenta ‘daddy issues’, mas procura sempre apagar esse lado com seu bom humor e carisma contagiantes, por exemplo. Apesar de serem muito bem desenvolvidos ao longo da obra, algumas personas são indicadas como menos importantes graças à falta de destaque, como Pope (Jonathan Daviss), o inteligente que procura mudar de vida por meio dos estudos, fiel aos amigos mesmo que tenha que infringir seus princípios, e Kiara (Madison Bailey), uma garota de classe média e preocupada com o meio ambiente. Portanto, são os típicos estereótipos encontrados sempre em grupos de amigos de obras norte-americanas.
Por outro lado, temos os kooks, que representam o lado rico do lugar. As principais personas dessa classe são os irmãos Cameron, Sarah (Madelyn Cline) – que posteriormente fará parte dos pogues – e Rafe (Drew Starkey), sendo o pai deles, Ward Cameron (Charles Esten), o vilão da trama. Nesse contexto, é possível extrair uma crítica à desigualdade social e a segregação socioespacial dentro da série. Tal divisão é o que move os conflitos dentro do programa e John B deixa isso muito claro mostrando seu desprezo, tirando sarro na introdução do primeiro episódio quando diz “Esse é o tipo de lugar que você tem dois empregos ou duas casas”.

Outer Banks, então, tornou-se na prática uma obra que, apesar de mostrar energia e descontração em sua essência, possui diversas críticas sociais envolvidas. Outro exemplo de convicções inseridas no roteiro é a corrupção policial. Há cinco anos, os roteiristas e produtores Dan Dworkin, Jay Beattie, Josh e Jonas Pate, Shannon Burke e Keith Josef Adkins evidenciaram em tela internacional os esquemas por trás de ambientes de forças armadas com profissionais menos fiscalizados, com o corpo policial sempre voltando a atenção aos ricos e ignorando ou até reprimindo os mais pobres (além de roubarem dinheiro em uma cena de investigação). A única personagem de escape dentro dessa armação – para esclarecer que existem policiais que prestam seus serviços de forma correta – é a xerife Peterkin.
Além disso, a série alerta sobre abusos em relacionamentos, sejam eles amorosos ou familiares. JJ e seu pai são uma clara representação de abuso parental, por exemplo, com violência física e verbal e manipulação, com a inclusão de cenas até pesadas demais para o teor que a obra do streaming pretende retratar. Tais episódios incomodam, não só pela intensidade da humilhação do pai para com seu filho, mas pela ótima atuação de ambos atores; Rudy Pankow principalmente, com suas cenas de choro que são de quebrar o coração de qualquer espectador. Além disso, o abuso verbal e gaslighting também são apresentados no relacionamento de Sarah e Topper. Esses, que mostram a realidade de que ninguém é só bom ou somente ruim, já que, por um lado, Sarah traiu seu namorado e ele viveu manipulando a adolescente, um ponto que mostra a autenticidade da obra ao humanizar todos os personagens.

Porém, a série que se popularizou na pandemia de 2020 não se trata somente de reflexões e críticas indiretas, a temporada é, com certeza, um equilíbrio quase perfeito entre leveza e tensão. Apesar da Netflix ter um evidente problema em escalar atores condizentes com a idade da qual irão interpretar, as personas foram muito bem representados, se mostrando – dentro da espontaneidade e improviso dos profissionais – com hábitos e trejeitos da juventude atual, com fantasias sobre o futuro, brincadeiras bobas, ideias inconsequentes e atos de rebeldia. Além da ótima sacada – que em próximas temporadas virá a ser um exagero – de saturar as cenas de filmagens para cores mais quentes, a fim de causar ao espectador a sensação de calor do verão.
Apesar de uma boa atuação do elenco geral, é preciso destacar Drew Starkey. Joseph Andrew Starkey conseguiu emplacar todas as atuações da série com sua transformação em um viciado em cocaína, tanto na forma de agir como falar ele mostrou-se energético (no sentido ruim da palavra), ansioso e teimoso, além de improvisar pensamentos agressivos e intrusivos que trouxeram ainda mais veracidade as filmagens, provando seu potencial como ator. Por isso, vem ganhando tanto holofote na mídia e entrando em papéis grandes como no filme Queer (2024) de Luca Guadagnino.
Cinco anos depois de seu lançamento, tudo o que os pogues pensavam ser possível e impossível aconteceu. Além de encontrarem o ouro do Royal Merchant e o perderem para Ward Cameron, Sarah torna-se oficialmente uma pogue; o grupo de adolescentes encontra uma cruz de ouro e a perdem para a família Cameron novamente; os amigos moram por um mês em uma ilha; encontram o tesouro de El Dourado; os pais de Sarah e John B morrem; a backstory de JJ é revelada, mas ele morre no final da quarta temporada pelo seu próprio pai. Em 2026, com Outer Banks encaminhando para sua última temporada, é de se esperar momentos de vingança e luto – diferentes de acordo com cada personalidade – pela morte de JJ. Dentro disso, uma mudança no objetivo do grupo, que antes era ficarem ricos por meio do ouro encontrado, agora é prender ou até mesmo matar Chandler Groff, o verdadeiro pai do pogue loiro.