Nathalia Tetzner
Receber de volta todo o amor que já foi perdido pode ser uma experiência avassaladora. Depois de ser rejeitada pela mídia com Witness (2017) e tentar recuperar seu sorriso com Smile (2020), Katy Perry retornou com a proposta mais promissora dos últimos anos de sua carreira. O antecipado 143 surgiu em meio a um rebrand, no mínimo, polêmico. Perry, no sexto álbum de estúdio, arrisca tudo novamente. Dessa vez, em nome de batimentos cardíacos aflorados, o que a induz para um portal que acaba a levando para o lugar comum.
O ‘KP6’, carinhosamente apelidado de ‘KPSex’, nasceu como um disco que Katheryn Elizabeth Hudson sempre quis fazer: completamente dance pop. Nos momentos que antecederam o lançamento, ela nunca prometeu composições completas, letras profundas ou baladas românticas como ela sabe fazer muito bem. A californiana deixou explícito que o parto de sua filha, Daisy Dove Bloom, a colocou nessa nova posição de amar a si mesma e de se sentir confortável em seu corpo como nunca antes. No entanto, o 143 não consegue expressar toda essa potência como deveria.
O amor que filhas podem despertar em suas mães têm uma capacidade transformadora, gerando bons frutos. Com a vinda de Lourdes Maria Ciccone Leon ao mundo, a rainha do pop Madonna emplacou Ray Of Light (1998), uma de suas obras mais aclamadas pela audiência e crítica. Embalada por um amor transcendental e batidas trip hop, ela se mostrou ainda mais radiante e imparável. O mesmo parecia poder acontecer com Katy Perry, que há tempos não refletia uma luz tão intensa. Porém, WOMAN’S WORLD chegou para mostrar o contrário.
O primeiro single da era tem um instrumental digno de um hino pop. Mas o preço pela qualidade foi caro e, analisando em retrospecto, nem compensou. Isso porque, Dr. Luke, produtor de longa data de Perry, retornou a trabalhar com ela após um intervalo de dois discos – justamente os mais rejeitados. Acusado de abuso sexual por outra voz da década de 2010, Kesha, ele não foi condenado, contudo, seu trabalho e índole passaram a ser questionados. Tentando passar despercebido nos créditos de artistas como Doja Cat e Kim Petras, Łukasz Sebastian Gottwald continuou lucrando nos bastidores da Música.
Assim, ao cantar sobre os prazeres de ser mulher, Katy Perry deixa escapar uma certa hipocrisia. Tal questão foi ainda agravada pelo videoclipe de WOMAN’S WORLD, que almeja uma crítica a sexualização feminina, entretanto, é mal executada, deixando margem para interpretações arbitrárias. Algo inusitado, uma vez que, tanto a vocalista quanto a diretora Charlotte Rutherford possuem um catálogo visual impecável. Parece que, durante a era 143, tudo realmente estava fadado à destruição. É incrível como uma equipe, teoricamente fortalecida, conseguiu desmanchar ainda mais a aceitação do público.
Surpreendentemente, o significado por trás do código numérico ‘143’ – alusão à ‘eu te amo’ – ajudou Katy Perry durante esse período conturbado. Em conversas com fãs na plataforma de streaming coletiva, Stationhead, a artista, sempre acessível, compartilhou que costuma encontrar os três números em momentos decisivos de sua vida. Embora, dessa vez, ela possa ter sido enganada pela matemática, a era rendeu bons momentos, como o Prêmio Michael Jackson de Vanguarda, concedido pelo Video Music Awards em homenagem às videografias mais relevantes da indústria musical.
Além da premiação, a performance no Rock In Rio, com um coro de 100 mil pessoas cantando “O mundo é das mulheres e nós apenas vivemos nele”, mostrou a relevância contínua de Katy Perry para a cultura pop como um todo. Se o público colocou em xeque o ‘cancelamento’, adentrando o disco, chega a ser atordoante encontrar tantas razões que acabam fundamentando o hate train. As parcerias com 21 Savage e Kim Petras, respectivamente, GIMME GIMME e GORGEOUS, são uma ofensa por serem terrivelmente irritantes e vazias.
O rapper, em especial, parece ter entrado no estúdio de gravação com sono; seus versos soam completamente descartáveis e ele não faz esforço nenhum nas analogias, gerando uma vergonha alheia imensurável ao comparar o seu corpo com o aplicativo de entregas da Amazon. Por outro lado, Petras consegue entregar metáforas ‘engraçadinhas’, mas não passa disso. Ambas as faixas parecem almejar por um flow a lá Dark Horse e E.T, o que é alcançado momentaneamente com ARTIFICIAL, ponto alto do disco.
Ao contrário dos outros feats, JID se encaixa perfeitamente no beat, elevando os vocais mais graves de Perry. As escolhas de palavras continuam básicas, até mesmo deixando escapar uma obsessão nada saudável com o conceito de inteligência artificial, diga-se de passagem. No entanto, são músicas como essa que ajudam os ouvintes a tragarem o 143. I’M HIS, HE’S MINE, parceria com a novata incrivelmente talentosa Doechii também eleva o disco. Terceiro single trabalhado, o ‘MV’ dirigido por Torso é criativo, um destaque maduro e sensual em meio a uma das videografias mais coloridas de todos os tempos.
Analisando o 143 apenas pela ideia original de concepção, ele também falha. O álbum é sim dance pop, contudo, não traz nada de diferente. Nos últimos anos, Beyoncé e Kylie Minogue conseguiram reinventar o gênero, desenvolvendo projetos que encheram as pistas de dança e revigoraram, com frescor, as batidas energéticas. Katy Perry não tinha necessidade de repetir esses feitos, mas, olhando para a capa do disco, é decepcionante pensar que ela entregou em um portal que acabou a levando para o mesmo lugar de sempre.
Abusando de “La-da-da-dee” ao longo das 11 faixas, Perry distribui amor enquanto conta os hits nos dedos em 143. Navegando pelas bochechas vermelhas na ‘fofinha’ CRUSH e a incerteza do futuro na estridente demais WONDER, o disco precisa ser ouvido de forma despretensiosa, nada mais. O ‘KP6’ não funciona como deveria, entretanto, demonstra mais uma vez que os ‘katycats’ – como seus fãs são chamados – vão a amar “até o final e repetir”, afinal, passar por mais uma era conturbada com certeza foi uma prova de fogo.