Woodgothic 2017: a tradição e a resistência do gótico

A entrada do festival, na Pousada das Magas
A entrada do festival, na Pousada das Magas (Crédito: João Ricardo Ribeiro)

Camila Araujo (com colaboração de João Ricardo Ribeiro)

São Thomé das Letras, cidade pacata sulminense, cercada por natureza e misticismo, é o cenário propício para abrigar o festival Woodgothic, que aconteceu nos dias 15, 16 e 17 de Junho. O festival é um dos mais importantes da música gótica e pós-punk do Brasil e, esse ano, nem mesmo problemas de organização impediram que o evento acontecesse.

O sr. Juan Uviedo e a Associação Viva Criança

O Festival Woodgothic foi idealizado pelos músicos da banda Escarlatina Obsessiva, do município de São Thomé das Letras. A ideia surgiu impulsionada por dois fatores: o desejo de realizar um show com sua banda no grande palco do Centro de Eventos e a expressiva movimentação no cenário underground nacional da época.

Baseados nisso, os organizadores procuraram, em meados de 2007, o sr. Juan Uviedo, criador da Associação Beneficente Viva Criança, de São Thomé das Letras, notório ativista social e artístico muito respeitado na comunidade, e solicitaram-lhe apoio para a realização do evento. O apoio para a primeira edição foi plenamente concedido pelo sr. Juan, que cobrou apenas uma quantidade de alimento não perecível como entrada simbólica.

Com ar mísitico, seu Juan no lar-escola alternativo, mas conhecido como "A Montanha". Crédito: cosmologiapesquisa.blogspot.com.br
Com ar místico, seu Juan no lar-escola alternativo, mas conhecido como “A Montanha” (Crédito: cosmologiapesquisa.blogspot.com.br)

Sr. Juan veio a falecer durante os preparativos da segunda edição, fato que teve significante impacto nas vidas dos organizadores que o viam como grande amigo e incentivador. Para manter um compromisso selado com o Juan, que em vida havia-lhes pedido que nunca desistissem de seus esforços, os organizadores tomaram para si a responsabilidade de não cancelarem a segunda edição, apesar das dificuldades.

No dia 3 de junho de 2008, cumprindo aquele compromisso, a primeira banda subiu aos palcos do Centro de Eventos, iniciando a segunda edição do Woodgothic, que foi realizada como “Um Tributo a Juan da Montanha”. Os organizadores continuam cumprindo aquele compromisso, e a realização das edições subsequentes continuam tendo o apoio da Associação Viva Criança.

Preconceitos

O evento contou com uma estrutura de alto porte e arranjo sonoro impecável, sobretudo por se tratar de um acontecimento independente. Todos os serviços foram contratados dos moradores locais,“o único festival do município que apoia o povo da cidade, desde a contratação do som, estrutura, portaria, bar, cozinha e segurança”, nas palavras dos organizadores.

Como todo ano, o evento estava previsto para ser realizado na Central de Shows, contudo, a falta de espaço que eventos independentes possuem em detrimento das grandes empresas de shows fez com que o festival sofresse represálias um mês antes de ser realizado. Por isso, nesta sexta edição, o Woodgothic foi obrigado a mudar de local, o que no fim acabou sendo motivo de contentamento por parte do público que já havia estado presente nas edições anteriores.

Espetáculo gótico

A caminho da roça, na Pousada das Magas, a 3 km de cidade, um cenário em que é impossível não ser um entusiasta da natureza, o Woodgothic promoveu uma extensa programação que intercalou DJs e bandas independentes. Mesmo com o frio cortante que chegou aos 7 graus, o público marcou presença com a energia de quem se mantém fiel ao evento, na espera de dois anos entre edições.

público WOODGOTHIC 2017
Público em espera entre uma banda e outra (Crédito: Camila Araujo)

Entre várias apresentações, a banda sorocabana Wry, como era esperado, fez uma grande apresentação. Os veteranos da cena mandaram um pós-punk incrementado com um new wave de muita classe. Já as veteranas do Mercenárias, expoentes do punk paulistano oitentista, também foram destaque, mesclando sons clássicos com composições mais recentes. O show emocionou os corações pós-punk e a banda capitaneada pela vocalista e baixista Sandra Coutinho transportou o público para a São Paulo dos anos 80.

"Mernecenáras" se apresentando. A banda do cenário pós-punk effoi presença garantida no Woodgothic 2017 (Crédito: Camila Araujo)
A banda pós-punk Mercenárias no Woodgothic 2017 (Crédito: Camila Araujo)
Mad Girl Singing

Já a Escarlatina Obsessiva, idealizadora e organizadora de todo o festival, sustentou uma música densa, soturna e, aliada às expressões corporais dolorosas da baixista e vocalista Karolina, manteve uma forte presença de palco. Junto de Zaf (guitarra e synths) e com um baixo marcado e melódico, o duo enriqueceu nos arranjos com timbres industriais sombrios. A voz da mad girl ainda aqueceu o público que se reuniu em contemplação do show. Ao final, um cover de “All The Young Dudes”, de David Bowie, fez o público pedir mais.

Dadaísta e minimalista

Formado por Paulo Beto – fascinado por sintetizadores analógicos -, a vocalista Bibiana Graeff e Juliana Ellen nos sintetizadores, o trio Anvil FX desenvolve um trabalho vanguardista que foge dos padrões da música produzida no Brasil. A banda fez um show ora alucinógeno ora científico e matemático, mas sempre sinestésico, com performance corporal de quem dá a pele para a arte – visto que fazia muito frio e Bibiana tirou seu agasalho e deixou as costas e os braços à mostra.

Minimalista e dadaísta, a banda emplacou “Loro”, a música em que a vocalista reproduz sons de um papagaio com sua voz. E o papagaio, por sua vez, imitando outra, a de seu dono, provavelmente. Um eletro-dadaísmo “finesse” poético.

Anvil FX no Woodgothic (Crédito: João Ricardo Ribeiro)
Anvil FX no Woodgothic (Crédito: João Ricardo Ribeiro)
Resistência

É de se notar também as peculiaridades à venda no festival. O Woodgothic contou com uma cozinha cheia de opções para vegetarianos e não vegetarianos, além de algumas mesas com artesanatos, cristais, pulseiras e discos das bandas participantes. Alguns selos de gravação independente enviaram seus representantes e o papo sobre música rolou por todo o festival.

Fogo e resistência são palavras-chave da edição de 2017 (Créditos: Camila Araujo)
Fogo e resistência na edição de 2017 (Créditos: Camila Araujo)

Até porque a palavra que descreve o sentimento  dos que passaram por ali é “resistência”. Seja na plateia, na cozinha, nos artesanatos, ou, sobretudo, na fogueira que reunia os participantes em uma roda de confraternização, havia o consenso de que a música independente vai permanecer viva por muito tempo.

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