Nilo Vieira
Lançado no último dia 1, o décimo álbum do Weezer (o quarto homônimo, apelidado de “álbum branco”) mostra o quarteto de Los Angeles voltando às origens. No intuito de transmitir ao ouvinte as ensolaradas vibrações do verão californiano, o rock com melodias pegajosas que alçou a banda ao sucesso retornou ao front, e as guitarras novamente ditam o rumo das canções. Com letras descontraídas e curta duração – 34 minutos distribuídos em 10 músicas -, o produto final é um disco simples, sólido e muito divertido.Todavia, mais interessante que o novo disco em si é observar a relação possível entre ele e o disco “negro” da banda, “Pinkerton”. Lançado há quase 20 anos atrás, o segundo registro em estúdio do Weezer mostrava um som mais cru, e as letras eram tão íntimas e confessionais a ponto de deixar o ouvinte desconfortável. Como resultado, o disco vendeu muito menos que seu antecessor, e a maioria das opiniões da crítica especializada foram negativas. A banda entraria em hiato no ano de 1997, voltando às atividades apenas quatro anos depois.
Excetuando o fator do gosto musical, a má recepção de Pinkerton pode ser explicada de diversas formas. Há de se considerar que a honestidade exposta no disco não é aquela que se encaixa no conceito vendável da indústria cultural – a que exalta o indivíduo que devolve quando recebe troco a mais, para ficar em um exemplo comum – e sim, uma honestidade visceral e obscura: Rivers Cuomo, líder do grupo, expôs seus pensamentos mais sombrios envolvendo o tão celebrado (especialmente pela própria indústria cultural) ato sexual – a falta dele, seu excesso, utopias, sentimentos conflituosos e mesmo preconceituosos com mulheres -, em uma sociedade que opta por silenciar discursos problemáticos ao invés de analisá-los.
O fato do próprio Cuomo ter renegado o disco por um tempo só confirma que as problematizações feitas pela parcela supostamente mais radical da população são pouco aprofundadas, visto que focam mais esforços nos frutos do problema do que em suas raízes. Fazer alguém reconhecer um erro é importante, já forçar alguém a se culpabilizar se revela como uma estratégia pouco efetiva – pois, de certa forma, isola a problemática e implica que ela era inevitável, bem como dificulta a possibilidade de uma real mudança de panorama individual.
Não há vangloriação ou romantização alguma em “Pinkerton”. Suas 10 faixas soam como desabafos envergonhados, vindos de um sujeito desajeitado que reconhecia sua situação como perigosa, mas não sabia como agir. E daí pode-se observar outra razão: ao se expor dessa maneira, Cuomo quebrou a imagem que a indústria havia lhe dado – a de um nerd bobo alegre. Na idade contemporânea, que adora crer na unilateralidade das pessoas, foi um movimento fatal, e o Weezer sentiu o impacto disso.
Não é de se estranhar que, após retomarem os trabalhos em 2001, tenham agarrado com unhas e dentes a fórmula clichê do “sexo, drogas e rock ‘n’ roll” (ao modo Weezer, claro), com Cuomo ostentando seu visual nerd proto-big bang theoriano de óculos de armações grossas e suéteres. Desde então, todos os álbuns da banda se resumiram a reciclar essa ideia de nerds roqueiros que fazem clipes bobos e músicas genéricas na medida para (e praticamente com o único intuito de) estourar nas rádios.
A exceção só viria com o álbum branco, onde a banda finalmente parece ter voltado a fazer o que gosta, sem mea culpa e sem medo de serem felizes (e não bobocas alegres) – e após muito apelo de fãs, inclusive críticos, da identidade sonora original do quarteto. Mas, mesmo assim, ressalvas são necessárias. Assim como em “Pinketon”, o mais recente disco do Weezer também é bastante focado na figura feminina (três músicas têm a palavra “girl” no título), mas aqui o discurso é focado no senso comum machista que a indústria adora: “obrigado a deus pelas garotas”. Talvez seja a banda tentando achar um meio termo entre o que o mercado quer e o que gostam, talvez sejam as marcas que ainda restam do tapa levado há duas décadas atrás, talvez os dois. De toda forma, já é um alívio não ter de suportar compilados de músicas sofríveis embalados em capas de mau gosto, ainda mais de uma banda cujo potencial é enorme.
Hoje, “Pinkerton” é tido como um clássico cult, ao passo em que o álbum branco é o melhor lp do Weezer em eras, sabendo dosar as duas fases da banda sem soar demasiado nostálgico. Só o que não mudou foi o poderio da indústria cultural, que ainda sabe captar as tendências, usar a seu favor e permanecer quase ilesa aos questionamentos politizados dos jovens contemporâneos. Nesse sentido, há de se aprender com a sinceridade de “Pinkerton”, mesmo não concordando com suas ideias – de outra maneira, estaremos fadados a ver mais e mais artistas demorando para retomar a forma e caindo em produções genéricas, mais ofensivas que produtos com discursos problemáticos.