Juliana Craveiro Fusco
Mais um ciclo chega ao fim, um que foi forçado a terminar antes da hora. Nós sabemos que uma hora tudo vai acabar, mas é sempre mais triste quando precisamos nos despedir mais cedo. E assim, The Owl House – A Casa da Coruja, em português – se encerra, antes da hora e deixando saudades, mas mostrando como uma animação tem capacidade de tocar profundamente seu público.
A série conta a história das aventuras de Luz Noceda (Sarah-Nicole Robles), uma garota latina e bissexual que não se encaixa nos padrões dos jovens. Ao encontrar um portal em uma casa vizinha abandonada, ela se transporta para as Ilhas Escaldadas, um mundo cheio de criaturas mágicas. Lá, a protagonista conhece Eda (Wendie Malick), King e Hooty (ambos dublados por Alex Hirsch), que mais tarde se tornam sua segunda família. Nesse novo mundo, Luz tem a oportunidade de conhecer criaturas maravilhosas, mas o mais importante: a oportunidade de conhecer a si mesma – se transformando em inspiração para crianças, adolescentes e até mesmo adultos que a acompanham.
Dentro de um só desenho, sua criadora e roteirista, Dana Terrace, desenvolve brilhantemente as questões de uma pré-adolescente: o não pertencimento na sociedade, a insegurança perante um futuro incerto, a falta de autoestima e as dúvidas sobre a própria sexualidade. É claro que algumas delas são exploradas com metáforas, mas todas são igualmente bem trabalhadas pela escritora. Cada uma com seu devido tempo, a fim de que nada pareça jogado apenas para mostrar que foi abordado.
Lembrando o personagem Steven Universe, Luz é uma menina que tende a querer olhar sempre o lado bom das pessoas, acreditando que elas podem ter salvação e precisam apenas de uma segunda chance. Para a época dos cancelamentos, essa é uma lição essencial, ainda mais para as crianças. Mas, além de ensinar a oferecer uma nova oportunidade a quem errou, A Casa da Coruja mostra que nem todos a merecem, porque alguns não possuem um lado bom.
Na trama, dois tipos de vilões são retratados por Dana: o Imperador Belos (Matthew Rhys) e O Colecionador (Fryda Wolff). O primeiro é um humano adulto caçador de bruxas, já o outro, um ser mágico muito poderoso e jovem. Com essas duas figuras em cena, a série mostra que existem vários tipos de antagonistas e alguns deles são pessoas machucadas que, por não conhecerem o amor e carinho, não conseguem expressá-los por outras pessoas e por isso, as ferem.
No entanto, existem personagens que recebem milhares de segundas chances e não mudam; mesmo com todo o carinho, amor e paciência, eles continuam iguais e realmente só querem fazer mal aos outros. Ao final da terceira temporada, com a morte do (ex) Imperador Belos, a trama não só dá fim ao verdadeiro vilão da história e proporciona um final feliz aos habitantes das Ilhas Escaldadas, mas também mostra aos telespectadores que algumas pessoas não merecem e não devem ter uma segunda chance. Para se ter um final feliz, é preciso que elas desapareçam para sempre.
Ao se apaixonar por Amity (Mae Whitman), Luz descobre que é bissexual. Assim como todas as outras representatividades carregadas pela narrativa, a paixão da personagem é retratada com a normalidade com a qual sempre deveria ser. Sabemos o quão importante é mostrar que existe uma pressão muito grande para que todas as pessoas sigam o padrão heteronormativo e o quanto a comunidade LGBTQIAPN+ sofre com os preconceitos. Por isso, entendemos que é preciso existir obras que expressem essa realidade e dor; contribuindo com o aumento da resistência a esse tipo de comportamento. Mas também é necessário que as produções tratem esse assunto com a mesma naturalidade usada para relacionamentos heteroafetivos.
Em A Casa da Coruja, o namoro da protagonista mostra como esse sentimento é confuso e o medo que o envolve, mas Dana prefere dar mais visão aos sentimentos que todos têm ao se apaixonar por alguém: a vergonha que sentimos, os brancos e as falhas. E, por mais que pareça que ela não dá espaço à luta, ela também está resistindo ao provar que uma relação homoafetiva é natural, com todos os friozinhos na barriga que um relacionamento tem.
Não é só no relacionamento das duas que essa naturalidade é mostrada. Os pais de Willow (Tati Gabrielle), uma das melhores amigas de Luz, estão dentro de um relacionamento homoafetivo e são retratados sem estigmas e em nenhum momento é questionado quem é a “mãe” ou como a Willow veio ao mundo; já que uma família não necessita de uma mulher e um homem. O personagem não-binárie Raine (Avi Roque), par romântico de Eda, tem seus pronomes usados corretamente dentro do show. Da mesma forma, o pai solo de Gus é retratado como uma pessoa plenamente capaz de cuidar de seu filho, sem que precise da figura materna.
A representatividade vai além dos personagens da história, uma vez que seus dubladores estadunidenses também são diversos. Uma mulher latina interpreta Luz, uma pessoa não-binária interpreta Raine e um homem negro interpreta Gus (Issac Ryan Brown). Isso também gera conhecimento e impacta seu público espectador. Ao dar a chance de pessoas negras e LGBTQIAPN+ ocuparem seus papéis de direito dentro da sociedade, os desenhos mostram que elas podem e devem permanecer dentro desses espaços e que todas as crianças podem sonhar em serem o que quiserem.
É uma pena que A Casa da Coruja tenha sido cancelada pela Disney, principalmente pela pluralidade que tem. Colocar uma personagem latina e bissexual como a protagonista não é pouca coisa para uma emissora homofóbica. Apesar de ser obrigada a encurtar a história e agilizá-la, Dana Terrace fez um excelente trabalho e deixou sua marca na história dos desenhos e na de quem assistiu.