Caroline Campos
Em Esquadrão Suicida (2016), Dexter Tolliver questiona o que aconteceria se o Superman resolvesse arrancar o teto da Casa Branca e levar o presidente embora. Até então, conhecendo o Homem de Aço, nós sabemos que é um cenário pouco provável, afinal, ele sempre esteve do nosso lado. Mas e se não estivesse? Como seria viver em um mundo com uma criatura tão poderosa e tão descontrolada ao mesmo tempo? A segunda temporada de The Boys, série da Amazon Prime Video, conseguiu nos dar doses cavalares dessa sensação assustadora ao amadurecer ainda mais o Capitão Pátria, uma versão insana e desequilibrada do último filho de Krypton.
Assim, continuamos a acompanhar a árdua jornada de nossos Rapazes para derrubar a Vought, corporação bilionária responsável por criar e licenciar super-humanos através do Composto V. Responsável pelos Sete, a empresa é a grande antagonista nas duas temporadas da série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis e Darick Robertson. Dessa vez, os donos da narrativa não são apenas Hughie Campbell e Billy Butcher, já que, neste ano, vemos um aprofundamento maior nos nossos coadjuvantes Frenchie, Kimiko e Mother’s Milk (Leitinho da Mamãe, para nós brasileiros). Ainda mais sangrentos, os oito novos capítulos conseguiram alavancar o status da obra, consagrando-a como um dos dramas mais interessantes entre os serviços de streaming atuais.
Kimiko (Karen Fukuhara) ganhou, devidamente, um pouco mais de história para chamar de sua. A Fêmea, que foi sequestrada e teve o Composto V injetado a força por guerrilheiros, encontra seu irmão mais novo, Kenji, que também havia sido recrutado. Com ele, descobrimos o motivo do seu silêncio, desenvolvendo ainda mais seu relacionamento com Frenchie (Tomer Kapon). Enquanto isso, conhecemos a trajetória do francês e como foi recrutado para trabalhar ao lado de Butcher e Milk (Laz Alonso), em uma cena hilária envolvendo o recém-apresentado Facho de Luz, o manipulador de fogo interpretado por Shawn Ashmore (que, ironicamente, dava vida ao Homem de Gelo, em X-Men). Um trio que se conhece há tempos e divide as mesmas cicatrizes de batalha.
No entanto, o carro-chefe de The Boys, é, definitivamente, o Capitão Pátria. Antony Starr alcança um nível absurdo, beirando a psicopatia em cada movimento e feição estampada no rosto do “protetor” dos Estados Unidos. Nessa temporada, Homelander, no original, surge ainda mais desorientado após o assassinato de Madelyn Stillwell – que, por sinal, ele mesmo cometeu – e desesperado por apego emocional com alguém, que seja o mínimo. O líder dos Sete é grotesco, sádico e instável, gerando pavor e apreensão em todos ao seu redor, incluindo seus companheiros de equipe. Sempre sorrindo para as câmeras, ele vê seu mundo oscilar quando o público se volta contra sua figura – seu fandom é a única coisa que ele possivelmente valoriza, a única coisa capaz de mantê-lo sob controle.
E essa necessidade de afeto é o que o leva voando até Ryan, o filho resultado do estupro que cometeu contra Becca (Shantel VanSanten), esposa de Billy Butcher. Se na primeira temporada acompanhamos Butcher, o Bruto, na sede de vingança contra Capitão Pátria por acreditar na morte da companheira, agora ele concentra seus esforços em encontrar o esconderijo supervisionado pela Vought, onde ela e Ryan se mantêm longe do mundo dominado pela obsessão em super-heróis. Billy ainda é um grande cão raivoso, incapaz de ocultar os demônios que coexistem dentro dele, e Karl Urban consegue manipular essa ira a seu favor enquanto dá vida ao líder dos rapazes foragidos. O anti-herói continua a enfrentar traumas do seu passado – conhecemos Lenny e seus pais, sua tia Judy e até seu buldogue Terror – e a lidar com as consequências no presente, principalmente em seu reencontro com Becca.
A nova temporada trouxe o que achávamos ser impossível: alguém tão desprezível quanto o Capitão Pátria. Tempesta, interpretada friamente por Aya Cash, era o que nossos protagonistas não precisavam para sobreviver mais um ano nas telas. Junto dela, surgiram temas que, infelizmente, não nos são estranhos. Tempesta manipula o ódio na internet, gerando ainda mais violência através da ameaça velada de super-terroristas. E a abertura excepcional do episódio 7, O Bruto, o Belo e a Estrela, mostra a consequência direta de tal manipulação. Tocando na ferida do problema estadunidense com a imigração e do reaparecimento de grupos neonazistas, The Boys foi cirúrgica ao dar à Tempesta a importância midiática que receberia fora do set, assim como sua relação disfuncional com o Capitão. “As pessoas adoram o que eu tenho a dizer. Elas acreditam nisso. Só não gostam da palavra ‘nazista’”.
Inclusive, não foi apenas esse tema que o showrunner Eric Kripke e o time de roteiristas introduziram que condiz com nossos traumas da realidade. Profundo, o assediador de mulheres interpretado por Chace Crawford, está no ápice do seu ridículo até encontrá-la: a Igreja da Coletividade. Em uma vibe meio cientologia, a Igreja promete que vai colocá-lo de volta aos Sete quando ele terminar os cursos caríssimos disponibilizados pelo messias. Assim, ele poderá encontrar a redenção que o fará ser aceito novamente pela sociedade e pela equipe, expurgando todos os seus pecados – independente de quantas vidas femininas ele destruiu. Profundo passa por uma reabilitação visual, para mostrá-lo como um homem agora mais maduro, casado e respeitoso com quem o cerca. Erguemos as mãos ao céu, pois o arrependimento chegou – parcelado em 12 vezes e a troco de sua conta bancária.
Luz-Estrela (Erin Moriarty), talvez uma das únicas heroínas de fato da série, caminhou a passos lentos, mas, finalmente, passou a ditar seu próprio jogo na Torre da Vought. Annie se vê em alerta constante cercada de inimigos no seu local de trabalho, mas as idas e vindas na relação com Hughie ajudam-na a manter os pés no chão na tentativa secreta de desmascarar Stan Edgar (Giancarlo Esposito) e seus contratantes. A garota vai criando cada vez mais rivais e faz malabarismos para passar a imagem de membro dos Sete que caminha ao lado de Deus. O amor que sente pelo Hughie de Jack Quaid é o nosso único suspiro para além da violência e das entranhas jogadas para todo lado, e, se o magricela simpático que acompanhamos desde a primeira temporada quer ser mais livre, com certeza vai dividir essa liberdade com sua estrela.
Uma coisa da qual o segundo ano da série se empanturrou foram as chantagens. A todo momento, surgia alguém com um novo vídeo proibido na ameaça de divulgar e conseguir o que queria. Rainha Maeve (Dominique McElligott) também tirou uma casquinha dessa saída contra Capitão Pátria, num confronto que queríamos ter visto há muito tempo. Depois de viver subjugada pelo líder, Maeve, que foi tirada do armário a força em rede nacional, consegue seu triunfo. Enquanto a Vought tentava vender lasanhas vegetarianas da #GayMaeve, a nossa rainha perdia a companheira Elena e se afundava na própria revolta. O que acaba levando-a a salvar a pele dos mocinhos diversas vezes e gerando a cena mais satisfatória da série: ver uma suástica virando catavento. O episódio final, em meio a um turbilhão de grandes cenas, mostrou que as garotas realmente dão conta.
Apesar de The Boys ser marcada por personagens bem trabalhados e complexos, quando se trata de Black Noir (Nathan Mitchell), a frustração é inevitável. Ainda não temos nenhum indício de quem é ele, por que faz o que faz, ou outra mísera sugestão de existência do seu arco. O único avanço na segunda temporada é que descobrimos sua alergia a nozes. Bem, nenhum personagem vive só de alergias e cenas de luta – se os produtores estão tramando seu arco, melhor se apressarem, porque já passaram do ponto. Mesmo com uma participação um pouco maior neste ano, a curiosidade de conhecermos melhor o personagem, não apenas como mais um dos super-cachorrinhos da Vought, pode até prejudicar um pouco o apego com o mascarado.
O formato desse novo ciclo também foi novidade: ao invés de liberar a temporada completa, a Amazon se arriscou e decidiu disponibilizar apenas um episódio por semana. O modelo não agradou muito aos fãs, mas, com certeza, gerou um bom suspense para a geração imediatista das redes sociais. Finais como o do episódio 7 (sim, esse episódio foi tão bom) são passíveis de cabelos arrancados, e a espera de mais uma semana deixa o espectador ainda mais ansioso. Além disso, a trilha sonora, cheia de Billy Joel e clássicos do rock como The Rolling Stones, embala as viagens de carro como uma forma de nos levar lado a lado com nossos Rapazes.
No fim das contas, a salvação vem de vários lugares. Trem-Bala, que passa os oito episódios brincando de gato e rato com a onipresente Vought, resolve dar a força necessária para enterrar Tempesta. Jessie Usher deixa o velocista mais carismático do que o roteiro talvez exija, mas, por mais rápido que ele corra, o personagem tem dificuldades em sair do lugar. Junto com Profundo, ele se vê nas entranhas da Igreja da Coletividade, só que a representatividade do marketing da Vought opta por trazê-lo de volta ao palco, mostrando como o amigo dos peixes, no melhor estilo Aquaman, era apenas mais um brinquedo sem utilidade.
Entre revoltas populares, ataques de ódio e experimentos em hospícios, a segunda temporada de The Boys amadureceu sua trama, dosando as cenas gráficas para encaixarem mais na narrativa do que chocar a audiência. Com uma terceira temporada e uma série derivada já confirmadas, Eric Kripke garantiu ao TVLine que Tempesta está viva, mesmo esturricada no chão durante sua última cena. Victoria Neuman (Claudia Doumit) e os miolos espalhados são as grandes apostas para a continuação, ao lado de um Ryan Butcher tentando não se tornar uma sombra do pai – e, com certeza, veremos ainda mais insanidade de Capitão Pátria, já que seus momentos finais não são nem um pouco tranquilizadores.
The Boys é, provavelmente, o retrato mais realista de um mundo com super-heróis. Claro que o capitalismo não ia se contentar em vender apenas bonequinhos e fantasias, mas, sim, criar uma própria empresa que monopolizasse onde e por quanto tempo esses supers dedicariam sua proteção. Fazer com que o mundo inteiro reconheça os rostos que estampam a sua marca, colocando-os no exército, na política, nas igrejas. Deixemos os bons valores para os Vingadores e a Liga da Justiça. Nossos Sete querem mesmo é ver cabeças explodindo – contanto que não percam pontos de aprovação com o público.