Leonardo Dota Zonaro e Raul Galhego
Pense em um herói de desenho animado. Você provavelmente deve ter pensado em um herói padrão, corpo sarado, íntegro, na maior parte das vezes branco de olhos azuis, que resolve tudo à base da pancadaria. Desistir? Jamais! Não sabe o que é um fracasso e, mesmo que algo dê errado, é porque era parte do plano. Assim é a esmagadora maioria das histórias de heróis, mas ultimamente temos visto alguns que não seguem esse padrão. Esse é o caso de um menino gordinho de cabelo enrolado, sensível e desastrado, o Steven, e suas amigas, as Crystal Gems!
As Crystal Gems tornam-se as mentoras de Steven depois que sua mãe abandona seu corpo físico para que ele nasça, em uma metáfora sobre a morte. Elas são alienígenas super-poderosas que não precisam comer, dormir ou descansar. São fortes, inteligentes, guerreiras e capazes de fundir-se entre si para formar seres maiores e ainda mais poderosos. Com o decorrer da série, no entanto, as personalidades delas vão sendo reveladas e aprofundadas, fazendo com que o espectador se identifique com elas. Possuem sentimentos que normalmente fingimos não ter, como ciúmes, egoísmo, saudade e tristeza, sutilmente trabalhados ao longo da saga.
Outra característica interessante sobre as Gems é que, apesar de não terem gênero, são todas dotadas de vozes e traços femininos. Isso faz com que a figura da mulher seja valorizada na série, apresentando mulheres guerreiras, governantes, pilotos, generais, etc. Dificilmente vemos a mulher sendo valorizada em outros seriados, enquanto que em Steven cada uma tem sua personalidade forte e marcada e nenhuma se submete a homem algum!
Normalmente classificamos os personagens de uma narrativa como principais, secundários e aqueles que nem se sabe o nome, tidos como figurantes. Já em Steven não temos personagens secundários! Claro que alguns tem um aprofundamento maior, mas, em geral, todos contam com uma personalidade e história bem trabalhada. Todos possuem seus dilemas pessoais e seus sonhos. Seja o prefeito que tem medo de seu eleitorado mas quer continuar no cargo, ou uma garota que é explorada pela irmã gêmea, todos possuem ao menos um episódio.
É importante ressaltar que cada episódio possui sua importância. Rebecca Sugar, a criadora do desenho (a primeira mulher a ter uma animação própria no Cartoon Network), disse que não existem fillers, todos os episódios são importantes para contar parte da trama ou para inserir alguma pista de algo que será apresentado mais tarde. É bem comum você estar assistindo e algo que foi apresentado como plano de fundo nos últimos episódios tomar um papel importante, te fazendo pensar “nossa, isso estava lá desde o começo e eu não percebi!”. Coisa que a autora ama fazer, isso abre para os fãs um grande leque para soltar a imaginação nas mais diversas teorias.
O ritmo dos episódios colabora com esse ponto. É como se fossem deixados pedaços pequenos de um quebra-cabeças até que de repente tudo se encaixa. O principal mistério do desenho envolve a mãe do protagonista, Rose Quartz, cujas informações vão sendo reveladas sempre aos poucos, de forma ambígua ou não satisfatória. Os fãs, a cada episódio, tem uma sensação de frio na barriga e uma ansiedade para saber se será revelado algo novo sobre o passado da líder das Crystal Gems.
O protagonista da série, Steven, também é desafiado a ir encaixando as peças desse puzzle enquanto acompanhamos tudo de seu ponto de vista. Ele é o personagem que mais apresenta crescimento durante a série: inicialmente uma criança que não entende direito de seus poderes e quer ingressar no mundo adulto para novas aventuras, o garoto acaba se tornando um adolescente cheio de responsabilidade e decisões que vão contra seus valores morais.
Diversas vezes o herói se depara com situações que não podem ser resolvidas com o simples diálogo, como ele realmente gostaria, e se vê obrigado a tomar decisões contrariado, o que gera nele conflitos que não consegue trabalhar imediatamente. Há também a cobrança, tanto por parte dos outros quanto dele próprio, de que deve ser tão bom quanto sua mãe foi, liderando as Crystal Gems. Em meio a esse turbilhão de sentimentos, o desenho dá uma solução milenar: a meditação!
A trilha sonora também é impecável. Cada uma das músicas tem um significado e marca algum sentimento expressado na cena, seja saudade, amor, tristeza, felicidade, amizade e muito mais, sempre com letras extremamente trabalhadas e que tocam no espectador. É impossível acompanhar a série sem ter vontade de decorar várias das canções entoadas por Steven em seu ukulele ou por seu pai em sua guitarra.
Apesar da animação parecer um desenho bobo e infantil no início, com o decorrer das temporadas podemos ver os personagens se desenvolverem, amadurecerem e a trama se tornar mais complexa. Além disso, o enredo é também capaz de tocar sutilmente em temas extremamente atuais, trazendo metáforas poderosas que podem ser trabalhadas tanto com o público infantil quanto adulto.
Temas como relacionamentos abusivos, relacionamento entre mãe e filho, adoção, morte de parentes, relacionamentos amorosos, homoafetividade, genocídio, autoritarismo, monarquia, lealdade e racismo são abordados em um tom leve e natural, de forma que o espectador se surpreende quando percebe a profundidade por trás de uma simples discussão sobre fusões de gems, por exemplo. Esse fato surpreende tanto os velhos como os novos fãs, e faz com que a série seja muito mais que um simples desenho animado, passando subliminarmente lições de moral e ensinamentos para todos que assistem!
Um comentário em “Steven Universo: um universo de sensibilidade e humanização”