Ana Marcílio
Após o imenso sucesso da primeira temporada, Sex Education tinha uma grande missão a ser cumprida: manter o mesmo nível, sem perder a essência. Ter um enredo adolescente e não ser mais do mesmo é um desafio e tanto. Apesar disso, a criação de Laurie Nunn conseguiu ser inovadora, trazendo o amadurecimento do roteiro para os seus personagens.
Com enfoque maior nas relações familiares, a série explora diversos sentimentos e relações, ao ponto que aborda alguns tabus nas entrelinhas. A segunda temporada retoma a descoberta da mãe de Otis (Asa Butterfield), Jean (Gillian Anderson), quanto às suas consultas com colegas de turma. Simultaneamente, a desinformação a respeito das ISTs cria uma histeria em massa entre os alunos de Moordale, a qual resulta na inversão de papéis entre mãe e filho, em que Jean se torna a nova terapeuta sexual da escola.
Essa sagacidade do roteiro é muito bem aproveitada no desenvolvimento da temporada. Jean e Otis apresentam personalidades contrastantes, o que reflete nas atitudes do jovem, trazendo uma nova perspectiva para o enredo. Além disso, conhecemos mais um pouco do seu pai, Remi (James Purefoy), que será a grande questão do filho durante os episódios. O adolescente tem medo de ser como ele, enquanto reproduz atitudes cada vez mais parecidas. Particularmente, acho interessante essa escolha de aprofundar o mocinho que, até então, era apenas um adolescente sem muitos conflitos, reforçando a ideia de que não existem vilões, mas sim escolhas. Outrossim, a descoberta sexual do personagem é bem explorada, tendo uma interação excepcional com a Ruby (Mimi Keene), após perder sua virgindade e ter uma conversa íntima sobre suas vidas – confesso que shippei o casal.
Ademais, a inversão de papéis reflete na relação do trio principal, composto também por Maeve Wiley (Emma Mackey) e Eric Effiong (Ncuti Gatwa). A interação entre os três dá lugar ao foco no arco de cada um, permitindo que o espectador conheça mais dos personagens. O amadurecimento é palpável, principalmente nas relações de Maeve, que encara todos os seus problemas familiares frente a frente.
A presença da mãe viciada, no momento em que ela decide mudar, dá à personagem uma amplitude nova. Sem deixar de ser a menina rebelde, Maeve permite que sua sensibilidade seja vista, possibilitando que a enxerguem de verdade. Ela é responsável por vários momentos emocionantes da temporada, desde a prisão da mãe ao apoio à amiga Aimee (Aimee Lou Wood). Sua trajetória no grupo de alunos destaque é o sincretismo perfeito da bad girl à nerd das comédias adolescentes, sem perder sua autenticidade nas situações vividas.
A outra parte do trio se encontra em meio a um triângulo amoroso. Com a chegada de Rahim (Sami Outalbali), novo aluno estrangeiro, e a volta de Adam (Connor Swindells) do colégio militar, Eric é pressionado a decidir entre ambos. Apesar de ser uma trama interessante, as relações são bem polêmicas. O novo aluno gosta do trombonista desde sua primeira aparição, sendo uma participação quase insignificante para o restante da história. Já Adam é bastante controverso, visto que praticou bullying com Effiong anteriormente. Mesmo assim, o enredo consegue explorar temas importantes, como a descoberta da bissexualidade do valentão e a religiosidade de Eric. A reviravolta final foi tema de discussões entre os fãs de Sex Education, criando o gancho perfeito para a terceira temporada.
Além de Rahim, outros dois personagens entraram nessa temporada. Viv (Chinenye Ezeudu) é uma das alunas destaque e par romântico de Jackson (Kedar Williams-Stirling). Completamente opostos, o casal se constrói nos pequenos detalhes, sendo um dos pontos fortes dos episódios. Para mais, Isaac (George Robinson) foi outra surpresa incrível. Além de trazer a representatividade que faltava na série, o personagem participa do arco de Maeve, que abre uma nova fase no relacionamento dela e Otis. Com diálogos inteligentes, revela-se uma grande chave para o terceiro ano da série.
Assim como na primeira temporada, os temas relacionados ao feminismo e à resistência feminina estão presentes. Dessa vez, a história se desenrola em torno de Aimee, que, enquanto está a caminho da escola, sofre um episódio de assédio. A atriz sabe interpretar o turbilhão de sentimentos da personagem, tornando, então, palpável ao público todo o desenrolar desse trauma. A partir disso, a narrativa apresenta as cenas com a sensibilidade necessária, principalmente ao mostrar a união das meninas para enfrentar juntas tal acontecimento, protagonizando uma cena incrível dentro do ônibus.
Além das garotas, observamos a união feminina também na esfera adulta de Sex Education. Surpreendentemente, Maureen Groff (Samantha Spiro), mãe de Adam, recebe mais tempo de tela acompanhada de Jean, que a ajudará na redescoberta da sua sexualidade. Após anos ao lado do autoritário Mr. Groff (Alistair Petrie), Mrs. Groff decide pedir o divórcio, enquanto vive um processo de autoconhecimento. A amizade entre ela e a terapeuta tem seus momentos cômicos, mas também traz algumas discussões sérias à trama, como a liberdade sexual. Um perfeito exemplo do que é Sex Education: a junção do riso ao imprescindível.
Na atualização, os personagens secundários ganham ainda mais notoriedade. Entre Otis e Maeve, Ola (Patricia Allison) era força e autocontrole. Porém, sua postura de indomável é colocada em cheque em meio ao triângulo da primeira temporada. Como alguém imperfeito, Ola precisa reconhecer suas próprias inseguranças e isso resulta na análise do relacionamento com o pseudoterapeuta sexual. Frente ao término, o público é abraçado por um desenvolvimento novo. Agora, sua amizade com Lily (Tanya Reynolds) toma rumos diferentes assim que percebe ter sentimentos pela amiga. As duas são responsáveis por um dos beijos mais fofos da temporada, revelando muita compreensão e verdadeira troca no relacionamento.
Já no último episódio, ambas reescrevem e produzem a peça de William Shakespeare, Romeu e Julieta, com toques da imaginação de Lily. Em meio a tentáculos, figurinos exuberantes e genitálias, encerra-se uma temporada forte e, verdadeiramente, única. Sex Education cumpre sua missão de forma brilhante, com a atenção do espectador em todos os momentos.
Por meio de novos enredos, Laurie nos mostra que é preciso amadurecer e encarar, até mesmo, seus maiores fantasmas. Apesar disso, a sua essência sempre estará com você. É preciso se entregar para viver e sonhar com outras pessoas, mas crescer para viver e sonhar sozinho.