Anna Clara Leandro Candido
Não, a Disney não comprou os direitos de Avatar e fez um filme da Korra. Mesmo compartilhando muitas características com a personagem da Nickelodeon, Raya é, na verdade, a protagonista do mais novo filme da Disney+. Lançado simultaneamente nos cinemas e na plataforma de streaming no dia 05 de março, o filme já conquistou o coração de muitos fãs e boas críticas. Raya e o Último Dragão traz novos horizontes para o conceito de histórias de princesas que tanto conhecemos, assim como dá um show de representatividade e animação.
A história se passa no vasto reino de Kumandra, uma civilização ancestral formada por povos de diferentes culturas que compartilham a proteção e admiração pelos dragões. Um dia, o mundo foi atacado por sombrias e assustadoras criaturas chamadas Druums, que travaram uma árdua guerra contra os dragões. A batalha parecia perdida até que Sisu, o Último Dragão, utilizou uma pedra mágica para aprisionar os monstros e desapareceu. A cobiça pelo último resquício de poder dos dragões, a pedra mágica, fez com que a população de Kumandra se dividisse e lutassem entre si. 500 anos depois, um acidente faz com que os Druums sejam libertos e Raya decidi ir em busca do último dragão para salvar sua família.
Raya e Último Dragão já começa apresentando o que será um dos pontos altos da trama: a diversidade. Kumandra é um espelho do sudeste asiático e os personagens são claros reflexos de cada região que compõe o vasto território. Seja pelos traços físicos ou personalidade de cada um, o filme consegue apresentar cada detalhe naturalmente, tanto no roteiro e trilha sonora, quanto na história e animação.
E não é só dentro da narrativa que essa diversidade se faz presente, fora dela também. Com o roteiro escrito por Qui Nguyen (The Society) e Adele Lim (Podres de Ricos) e o time de dubladores composto por Kelly Marie Tran (Raya), Awkwafina (dragão Sisu) e Gemma Chan (Namaari), o filme conta sua história com propriedade. Infelizmente, a dublagem brasileira não segue a representatividade da original, tendo Lina Mendes como Raya e Priscila Concepcion como Sisu. Ainda assim, o time nacional não perde na hora de entregar um trabalho de qualidade e igualmente engraçado. Com sua dublagem, Priscila traz vida e muitas risadas ao último dragão de Kumandra, Sisu.
Logo no começo, a vastidão e diversidade de Kumandra enchem os olhos do espectador, mas ela de nada seria sem o trabalho maravilhoso do time de animadores. Por mais que tenha investido em diferentes gêneros e tipos de filmes nos últimos anos, a Disney é, e sempre foi, a casa das animações e Raya e o Último Dragão é a prova disso. É lindo ver os detalhes da água que cortam os rios do mundo de Raya, ou mesmo a bela animação das cenas de lutas entre os personagens. Sem falar na dedicação colocada ao produzir os movimentos e fotografias dessas batalhas.
A impressionante parte técnica do filme proporciona uma base firme para a apresentação e desenvolvimentos dos personagens, principalmente o de Raya. A mais nova princesa da Disney chegou sem uma coroa na cabeça, mas com uma espada na mão e um grande espírito de luta. Desde a primeira cena, o espectador não duvida em nenhum momento que ela é uma guerreira forte e destemida que faria de tudo por aqueles que ama e pelo que acredita. Essa representatividade feminina não é apresentada com diálogos, mas sim com ações, posicionamentos e brilho no olhar. Praticando o famoso “uma ação vale mais do que mil palavras” e, mais uma vez, demonstrando como uma representação dentro do audiovisual deve ser feita: naturalmente.
Diferente da maioria das princesas Disney, Raya inicia sua aventura não por um sonho ou desejo de unificar sua terra – que está dividida a muito tempo pelo remorso, ganância e traição -, mas sim pela esperança de salvar seu pai. A personagem constantemente alerta Sisu para não confiar em ninguém, é uma guerreira solitária, prática e com com fortes objetivos. Ela demonstra que nem toda ação heróica tem como origem um ato altruísta, que, no fim, o importante é aprender com sua jornada e fazer a melhor escolha, mesmo não sabendo se é a certa. Raya é para essa nova geração de meninas o que Mulan foi em sua época, uma revolução para o futuro das princesas.
O desfecho da jornada de Raya e seu desenvolvimento não seria possível sem os personagens secundários que caminharam ao seu lado. Faz muito tempo que a Disney acerta na hora de criar os coadjuvantes de seus filmes, desde dos hilários e despreocupados Timão e Pumba ao fã de abraços quentinhos Olaf. É, então, em seu mais novo filme que ela apresenta o adorável Tuk Tuk, parceiro de Raya; Boun, o garçom mais divertido; Noi, a bebê golpista e sua trupe de macacos; e Tong, o grandalhão mais sensível que você vai conhecer. Todos eles cumprem seu papel na trama e acrescentam apenas o que é pedido, cada um em seu momento.
No fim, não se pode falar do filme sem mencionar Namaari, a oponente de Raya e, claro, Sisu, o Último Dragão. A trajetória da princesa do reino de Presa é tão emocionante quanto a da protagonista. Ela é o reflexo puro do que Kumandra se tornou após a derrota dos dragões. Alguém machucada e desesperançosa pela situação em que seu povo se encontra e que toma decisões drásticas e egoístas para poder sobreviver.
Até mesmo a personagem principal, Raya, compartilha de muitas semelhanças com sua adversária. Ambas são mulheres fortes e princesas guerreiras que fariam de tudo para defender seu povo. A diferença é que a protagonista teve a visão e sonho de seu pai passados a ela. No fundo, tudo que Namaari e o povo de Kumandra precisavam era de um pouco de esperança e é isso que Sisu traz. Essas semelhanças e contrapontos entre as duas fazem da princesa de Presa uma rival ideal para a narrativa da obra e peça fundamental para a moral da história.
E o que dizer de Sisu? O poderoso e hilário Último Dragão é, definitivamente, uma das principais fontes de risadas no filme. Por mais que seu design seja um pouco estranho e uma tentativa forçada de humanização exagerada, Sisu não deixa de ser um ponto alto da trama. A todo momento sua personalidade alegre e despreocupada passa uma impressão imatura, mas é ela quem carrega a mensagem mais importante da obra. É a caçula dos dragões que ensina Raya, Namaari e o povo de Kumandra o que a humanidade havia perdido 500 anos atrás: confiança e esperança uns nos outros. Um verdadeiro dragão treinando seus humanos.
Por fim, a mensagem que Raya e o Último Dragão passa é uma das mais maduras de todos os filmes da Disney. Ele deixa o musical e contos de fadas de lado para apresentar uma narrativa política e recheada de questões morais. Um filme para crianças que fala sobre guerra, luto, traição e egoísmo humano de maneira suave mas impactante. Raya é um compilado de Mulan misturado à Moana, que pode facilmente tornar-se um marco para uma nova leva de histórias dentro da Casa do Mickey Mouse.
Amei a importância que o texto da pra nova perspetiva de “princesa” a disney vem criando