O Rastro: Caminhando para o Terror Brasileiro

Divulgação/Imagem Filmes
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Matheus Dias

Em um cenário de pouca produção para o gênero de terror, o cinema brasileiro tenta ocupar um espaço pouco explorado. A última produção nacional desse gênero foi em 2014 com Isolados, um filme que usa a receita de bolo hollywoodiana para  garantir sustos e que acabou não obtendo grandes resultados. O Rastro lança-se em rumo a mesma fórmula, porém de um jeito moderno, dando enfoque na corrupção e na crise da saúde pública no país.

O longa foi dirigido por João Caetano Feyer e conta com atores de renome da televisão brasileira como Claudia Abreu, Felipe Camargo e Domingos Montagner – este último, morto ano passado devido a um acidente de gravação; tendo a obra  dedicada à memória de seu trabalho.

A história gira em torno de um hospital que está prestes a ser fechado devido a condições precárias de funcionamento. João (Rafael Cardoso) cuida da realocação dos pacientes, até que Júlia (Natália Maciel Guedes), paciente misteriosa, é internada sem o consentimento do médico. Diante de protestos, os pacientes são transferidos para os hospitais da cidade e, no meio dessa confusão, Júlia some sem deixar nenhum rastro. A partir desse ponto a história se desenrola.

A narrativa começa de forma previsível e se mantém desse modo por um tempo considerável, até que, na metade do caminho, se transforma ao começar a focar em outros aspectos da história antes não abordados. Um exemplo disso é que Leila (Leandra Leal), esposa de João, que parecia não ter relevância, passa a ganhar destaque, inclusive protagonizando grande parte das cenas.

Filme Isolados, de Tomás Portella. Divulgação
Filme Isolados, de Tomás Portella. Divulgação

O longa vai do terror ao suspense e essa transição enriquece o roteiro. Contudo, tal abordagem não é utilizada de modo coerente na narrativa como um todo. Esses aspectos vêm de uma fórmula onde você confunde o espectador com alguns espaços soltos na narrativa, de modo que ele tenha que juntar as peças da história na sua cabeça. Mas quando as lacunas deixadas passam a não fazer sentido e ficam simplesmente jogadas, isso se torna um problema.

Como consequência a história é contada de maneira devagar, com alguns cortes de linearidade que distanciam a conexão do público com os personagens. Em um instante, João está são e na cena seguinte já aparece completamente louco, sem muitos momentos de transição.

Isto diminui a experiência sensorial do suspense. Visto que em um momento o personagem que protagoniza um evento importante some e simplesmente a conexão que o longa vem reforçando com o espectador é cortada.

Divulgação/Imagem Filmes
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Já a trilha sonora, pesada e constante, reforça o desconforto do João com o sumiço de Júlia e como isso gradativamente vai o afetando. Mas em cenas como uma conversa cotidiana de escritório ou um parque iluminado e arborizado, começa a perder o sentido e soa apenas gratuita.

Ainda que alguns aspectos não foram reproduzidos com maestria, a montagem e fotografia são surpreendentes, dando destaque às cenas no hospital. No longa como um todo, a câmera foca no rosto do personagem enquanto desfoca o fundo, para enfatizar expressão facial dos atores. Ao mesmo tempo em que encurta a visão total do espectador, limita a noção de espaço e deixa o clima propício ao terror. Com a predominância de cores foscas e frias, reforça a iluminação nas partes em que as memórias felizes dos protagonistas são apresentadas.

A obra é acomoda o espectador com clichês, para então surpreender ao quebrá-los. O início é previsível e seu ápice é memorável, já o final deixa algumas lacunas na história que, mesmo sendo características do suspense, deixam o espectador em um plano vazio de sentido. Dessa forma, se um personagem morre o motivo não é explicado e tampouco são dadas ferramentas para que haja uma reflexão sobre o que possa ter acontecido.

O Rastro usa de uma receita de sucesso, dando voz à crise da saúde pública brasileira, abordando o tema e mostrando cenas reais de hospitais públicos do país. Além disso serve como um passo considerável a realidade de filmes brasileiros em âmbito nacional, ocupando espaço em um lugar pouco comum. O longa se torna uma boa tentativa ao gênero de terror, ainda que não chegue, de fato, a assustar.

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