O Lar das Crianças Peculiares: quando as mudanças resvalam na superficialidade

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Guilherme Hansen

Tim Burton é um dos diretores mais famosos do cinema atual. Por consequência, todos os seus novos filmes sempre são cercados de grandes expectativas por parte do público. E não seria diferente com o seu mais último trabalho de direção, o longa O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children, baseado no livro homônimo de Ransom Riggs), lançado no dia 29 de setembro aqui no Brasil.

O filme traz várias das características comuns da filmografia de Burton, como a estética gótica, o conflito explícito entre o bem e o mal e o destaque para personagens fora dos padrões convencionalmente impostos pela sociedade. No entanto, o resultado fica muito aquém do esperado – apesar da qualidade visual incontestável, o filme peca quanto à qualidade do enredo, sobretudo se comparado ao conteúdo presente no livro.

Jake (Asa Butterfield) é um adolescente tímido e inseguro vítima de bullying dos colegas. Um dos motivos para essa perseguição vem do fato de ele contar histórias de seu avô, Abe (Terrence Stamp), sobre criaturas mágicas, nas quais ele acredita piamente como se fossem verdadeiras.

Ao ver o avô morto por monstros desconhecidos, Jake decide ir em busca do novo mundo no qual sempre ouviu falar. Com isso, ele chega no lar que dá título ao filme, cujas crianças são mentoreadas pela Srta. Peregrine (Eva Green). Chegando lá, ele descobre que a casa se trata de uma mansão em ruínas, atacada durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo, graças a uma fenda temporal controlada por Miss Peregrine, é possível fazer com que o mesmo dia sempre se repita e acabe antes do míssil atingir o casarão.

A princípio, o protagonista sente-se deslocado. No entanto, acaba se familiarizando com essa realidade alternativa e se torna peça fundamental na luta das crianças contra os etéreos – monstros que matam peculiares e que só podem ser vistos por si mesmo.

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Crianças peculiares – prejudicadas por um desenvolvimento narrativo raso

É compreensível que, em um filme adaptado de uma obra literária e com o intuito de atingir sobretudo o público infanto-juvenil, haja modificações para adequar a obra à sua faixa etária e algumas delas agregam à narrativa. Enquanto no livro os etéreos se alimentam de todo o corpo dos peculiares, no filme eles só se alimentam de seus olhos, o que provoca menos impacto no espectador. Aliás, essa é uma marca registrada de Tim Burton, que sempre coloca algo relacionado a olhos em seus filmes, seja de forma direta ou pela ênfase na maquiagem ocular. Certamente, os fãs mais ardorosos do diretor se sentirão inseridos no universo “burtonesco”.

Ademais, no enredo do livro, a princípio, os etéreos não conseguem entrar na fenda criada pela Srta. Peregrine. No longa, isso foi alterado para dar mais emoção às cenas de ação, segundo o próprio diretor. No entanto, há algumas mudanças no enredo que não trazem resultados positivos ao longa.

A principal mudança negativa na obra é a superficialidade quanto ao desenvolvimento dos conflitos dos principais personagens. O avô de Jake, embora integrante do casarão nos anos 1940, tem sua trajetória pouco explorada no enredo, apesar de aparecer no final do filme sem maiores explicações e de maneira confusa. Além disso, a relação conflituosa do protagonista com seus pais, que não entendem sua fixação pela história dos peculiares, fica em segundo plano depois que ele adentra nesse mundo paralelo.

Outra personagem pouco aprofundada é Emma. Apesar de possuir uma sabedoria de 80 anos no corpo de uma jovem de 16 anos e de ter tido um relacionamento com Abe em 1943, o longa prefere focar em um romance entre ela e Jake, que provoca pouca empatia no espectador, já que o desenrolar acontece de forma morna e previsível. Consequentemente, a personagem se aproxima mais do arquétipo da “heroína romântica”, em detrimento ao seu potencial narrativo.

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Emma e Olive: poderes trocados, público contrariado

Devido a tudo isso, uma das modificações mais criticadas por aqueles que leram o livro foi a mudança das peculiaridades das crianças. No romance, Emma soltava fogo pelas mãos, enquanto Olive tinha o poder de flutuar, o que no longa é invertido. Burton disse que isso serviu para deixar Emma “mais poética”. Todavia, pelos motivos explicados acima, essa troca surtiu pouco efeito narrativo, já que o poder de flutuar da personagem serve muito mais como contribuição ao pretenso romance entre ela e Jake.

Uma das possíveis explicações para essas modificações é a priorização do tratamento visual em detrimento ao tratamento psicológico das personagens. Tim Burton, que já é conhecido por um refinado tratamento visual em seus filmes, junto com a roteirista Jane Goldman, responsável por filmes como Kick-Ass – Quebrando tudo e X-Men – Primeira Classe, optam por deixar as personagens no realismo fantástico – as crianças realmente lembram mutantes da saga X-Men. Só é uma pena que, apesar delas serem apresentadas com seus dons, estes são pouco explorados de forma que colabore ao enredo e quando isso acontece, é de uma maneira um tanto quanto frenética, dando uma certa impressão de que “o filme precisa acabar logo” ao espectador, o que prejudica a coesão narrativa do longa.

Apesar disso, O lar das crianças peculiares é um longa que vale ser assistido, muito mais pela qualidade estética, é verdade, mas também por boas atuações – com destaque para Asa Butterfield e Eva Green, que imprime sensibilidade à Srta. Peregrine. Os leitores mais fiéis possivelmente ficarão descontentes com o resultado final, mas para quem não leu o livro, com certeza ficará fascinado pelo excelente jogo visual proposto por Tim Burton, que após alguns longas não tão bem sucedidos, prova mais uma vez porque é um dos diretores mais aclamados da atualidade.

 

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