Adriano Arrigo, Gabriel Leite Ferreira, Matheus Fernandes e Nilo Vieira
Férias? Praia? Que nada! Nossa incansável curadoria passou esses 31 dias escavando a interwerbs, a fim de trazer os destaques mensais da música para você.
O ano ainda não começou a engrenar, mas isso não significa que faltaram bons sons em janeiro – os nossos favoritos você pode conferir abaixo:
Bedwetter – 1. Flick Your Tongue Against Your Teeth and Describe the Present
hip hop experimental
Um dos maiores outsiders da música underground nesta década, Travis Miller havia proclamado a morte de seu alter ego rapper, Lil Ugly Mane, em 2015 com o ótimo Oblivion Access. Todavia, imprevisível como só, ressurgiu das sombras no último dia 29, mas com outro pseudônimo: Bedwetter.
Apesar do novo nome, o som segue os mesmos parâmetros de seu trabalho como Ugly Mane: bases claustrofóbicas – aqui, com vários períodos ambientais – servindo de pano de fundo para rimas bizarras, com flow sempre agressivo. Embora não apresente novidades na carreira de Miller, o trabalho é conciso e se destaca por sua intensidade – além da música, vale a pena conferir o ensaio sobre insanidade mental cunhado pelo artista, ambos disponíveis em seu Bandcamp. (NV)
Brian Eno – Reflection
música ambiente eletrônica e experimental
Os mais impacientes terão coceiras pelo corpo ao se depararem com o novo álbum do provedor da música ambiente, o senhor Brian Eno. Mas que ótimo que seja assim. Reflection é uma excursão sem parada com duração de 54 minutos que se contradiz positivamente. Embora a ambient music seja feita propositalmente para ser plano de fundo para multitarefas diárias, o álbum também é um convite para uma discreta introspecção que, em sua imperceptível duração, dá cor e sustentação para a autodescoberta do ouvinte.
E independente do lado que o ouvinte escolher, Reflection é, de qualquer forma, mais uma bela peça a se somar a consagrada carreira de Eno. Embora nada inovador, o take único é consistente, calmo, relaxante e fluido – mesmo que em alguns momentos existam picos de explosões que surfam sobre o plano principal, mas nunca o suficiente para serem o ator principal da trilha. Dessa forma, Brian Eno propõe um solo meio onírico que permite que o ouvinte possa escolher lidar com seu caos, seja ele interno ou externo. (AA)
David Bowie – No Plan
art rock
Blackstar foi um dos álbuns mais aclamados de 2016 – inclusive aqui, onde levou a medalha de prata -, muito por ser considerado uma esplêndida despedida de um músico excepcional. Mas foi só virar o ano que veio o choque: não, Bowie não tinha a ciência de que era seu último trabalho.
Lançado na data onde o camaleão completaria 70 anos, este EP de 4 faixas (sendo uma delas “Lazarus”, single de Blackstar) nos lembra de duas coisas importantes. A primeira é que, conceitual ou não, o último truque de David funcionou também graças à sua musicalidade orgânica e diversificada (aspecto intensificado nas 3 outras canções de No Plan), ensaiada há décadas por ele e enfim colocada em prática com força total. O que nos leva ao segundo item: dane-se a romantização sobre a morte, o que devemos celebrar é a vivacidade excepcional de sua obra. (NV)
Neil Cicierega – Mouth Moods
mash up, memes
Se já não temos problema em reconhecer memes como substância cultural, por que não admiti-los como produto artístico? Neil Cicierega, prolífico especialista no assunto, mostra em seu mais recente trabalho que essa barreira conceitual não apenas pode ser rompida, como também rende projetos bastante sólidos.
Mouth Moods é composto inteiramente por mash ups de hits, e coloca Oasis, Vanessa Carlton, trilhas de filmes, AC/DC, Smash Mouth e o subestimado nu metal (dentre várias outras referências) em um mesmo caldeirão. O ouvinte menos familiarizado pode não achar graça em todas as propostas e se cansar com a longa duração, mas é impossível negar o esmero colocado no disco. Sim, memes são estúpidos, efêmeros e, acima de tudo, arte. Celebremos, amigos, pois Somebody once told me the world is gonna roll me, I ain’t the sharpest tool in the shed… (NV)
Priests – Nothing Feels Natural
post-punk
Em momento de convulsão política global, “Nothing Feels Natural” evoca a rebelião existencialista do pós-punk dos anos 70, em uma série de letras sobre consumismo, alienação e o corporativismo americano.
As linhas de baixo remetem à Gang of Four e a percussão é acelerada, mas a banda vai além, com toques de surf rock e jazz, usando inclusive aquele que é indiscutivelmente o instrumento mais punk de todos, o saxofone, em duas de suas faixas.
Presos na capital de todos os problemas, Washington, DC., Priests compõe uma energética trilha para enfrentar os próximos quatro anos, em um dos grandes discos pós-punk da década. (MF)
The XX – I See You
indie pop
Em seu terceiro disco, o primeiro em cinco anos, os britânicos do XX tentam expandir sua sonoridade para além do indie pop minimalista responsável pelo sucesso de “Intro”, “Crystalized” e “Islands”. Os vocais conflitantes de Romy Madley Croft e Oliver Sim e as letras intimistas continuam, mas as linhas de baixo extraídas do pós-punk perdem protagonismo, dando lugar a experimentos interessantes, como os metais de “Dangerous”, que abre o disco.
O responsável principal por essas mudanças é Jamie XX, incorporando influências antes restritas à sua carreira solo, que levam “I See You” em direção a dance music. Os samples, base de “In Colour”, tem papel importante na obra, como em “On Hold”, que interpola Hall & Oates e “Lips”, construída a partir do score do filme Youth, dois dos pontos altos do disco, mostrando a importância do trabalho do produtor. (MF)
Ty Segall – Ty Segall
garage rock
Principal expoente de uma cena garage rock aclamada pelos blogs indies (junto de Oh Sees, Mikal Cronin, etc), Ty Segall faz de seu segundo Self-Titled (e 16º disco em 10 anos) uma mistura coerente de todos seus pontos fortes. O disco caminha entre o psicodélico, o garage e o power pop, em 37 minutos de guitarras barulhentas e refrãos animados, funcionando como ponto de partida perfeito para quem ainda não acompanha a carreira do músico, um dos faróis do rock, contrariando o comercialismo e a nostalgia que dominam o decadente gênero. (MF)
Uniform – Wake In Fright
industrial
Diretamente dos porões da Sacred Bones Records sai o segundo disco do Uniform, Wake in Fright, uma obra extremamente violenta e abrasiva, que invoca pesadelos e guerras, clima condizente com a atual situação norte-americana. Destaque do mês para os fãs de industrial, noise, power electronics e para quem se aventurar além dos enjoos e da dor de cabeça. (MF)
William Basinski – A Shadow in Time
ambient, tape music, drone
William Basinski ganhou fama no circuito da música experimental com The Disintegration Loops, uma série de cinco álbuns construídos a partir de loops de fitas deterioradas. As gravações aconteceram na época do atentado às Torre Gêmeas em Nova York, o que conferiu uma simbologia trágica aos trabalhos.
A Shadow in Time, novo disco do compositor norte-americano, segue a fórmula que o consagrou, ou seja, loops em cima de loops produzindo uma sonoridade difícil de descrever. Também há uma simbologia: a morte de David Bowie, homenageado na primeira faixa, intitulada “For David Robert Jones”. O título é a única indicação do tributo, o que revela um aspecto essencial para se apreciar Basinski, a subjetividade. A atmosfera onírica de A Shadow in Time é um convite à abstração, uma montanha de sons combinados que pode despertar sensações inesperadas. Vale a conferida. (GL)