Vitor Evangelista
O segundo capítulo da saga do Homem-Aranha veio cedo demais. Menos de três meses depois da avalanche Vingadores: Ultimato, a Marvel trazer de volta o Cabeça de Teia é uma jogada arriscada. Sim, podemos combinar que não dependia só deles, a parceria com a Sony exigia um filme do Teioso no catálogo neste verão americano.
É amargo o gosto que fica na boca depois de assistir o épico contra Thanos e absorver suas consequências para a franquia, lembrando que logo menos Peter Parker e cia iam voltar a se balançar por teias na Europa. Com isso estabelecido, Longe de Casa aceita a posição de epílogo da Saga do Infinito e semeia pistas para as futuras estações da Marvel nos cinemas.
Assim como no quarto capítulo dos Vingadores, a trama de Longe de Casa é melhor aproveitada se mantida em segredo. Quaisquer pontos de viradas e aparições surpresas enchem os olhos e enriquecem ainda mais essa mitologia tão vasta e frutífera que a Marvel constrói desde seu Homem de Ferro, que completou onze anos de lançamento.
Peter Parker precisa lidar com a morte de Tony Stark e com a volta dos que morreram no estalo de Guerra Infinita ao mesmo tempo que a classe decide viajar à Europa para um projeto de ciências. Em meio a isso, Peter (Tom Holland, que ainda convence como um adolescente) maquina maneiras de declarar seu amor para sua paixonite, a misteriosa MJ (Zendaya, sem palavras, assistam Euphoria da HBO).
A dinâmica dos atores interpretando jovens de dezesseis anos se sustenta. Embalados pelo não-casal principal, a sagacidade de Ned (Jacob Batalon), mesmo que por vezes fora de tom, cria sorrisos no canto da bochecha de quem acompanha as mais de duas horas de filme. O motorista Happy (Jon Favreau) também atua como ponte de humor junto ao seu interesse na, agora empresária do sobrinho, Tia May (Marisa Tomei).
Do lado dos veteranos, retorna Nick Fury (Samuel L. Jackson), personagem agridoce, que parece meio arisco ao restante da trama, mas o filme se encarrega de pingar todos seus is. Ao lado do ex-chefe da SHIELD, volta também a agente Maria Hill (Cobie Smulders), que não tem muito com o que trabalhar aqui. A personagem ameaça chamar atenção mas todos os holofotes se apagam quando Mystério surge. O aliado do Homem-Aranha é interpretado pelo talentoso Jake Gyllhenhaal.
O personagem imprime diversas facetas. Originalmente um vilão dos quadrinhos, a nova encarnação de Quentin Beck é dúbia, charmosa e, o mais importante, incômoda. Não se assiste tranquilo longas sequências de interação entre Mystério e Aranha sem a pulga atrás da orelha começar a coçar. A inocência de Tom Holland ao interpretar Parker transporta o público para dentro da ação, ninguém quer ver o garoto quebrando a cara.
Uma figura como Mystério instiga aqueles já confortáveis com as previsíveis viradas em filmes de herói. Muito disso se deve ao brilhante trabalho de Gyllenhaal. O ator equaciona a megalomania necessária para viver um personagem que solta raios verdes e usa um aquário vazio como capacete. O visual de Beck ao lado de uma sequência de mirabolantes ilusões já fazem valer o filme.
A direção ainda é de Jon Watts, que conseguiu revitalizar uma franquia já explorada com o primeiro Homem-Aranha, De Volta ao Lar. O diretor ilumina muito bem suas locações europeias e viabiliza a criação de um espetáculo à parte. Adendo a fotografia, os efeitos espaciais para a criação dos vilões Elementais enchem a tela e os olhos e firmam Longe de Casa como um dos filmes mais vistosos (e bregas, no melhor sentido colagem de gibi) do Universo Cinematográfico da Marvel.
O roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers ainda encontra espaço para discutir a modernidade, a pós-verdade dos jornais e o papel da opinião pública. Essa nova safra de longas do Aranha se mostra necessária num tempo em que filmes de herói não costumam debater tão diretamente temas humanos e inerentes a nós. Aqui, as metáforas intergalácticas e raças alienígenas descansam, para que as problemáticas do mundo na Terra sejam estudadas
Homem-Aranha: Longe de Casa pode ser visto como um reflexo de si mesmo. Assim como na trama de viagem de verão, o filme serve como uma ida as férias da Marvel. A leveza com que Parker enxerga o mundo propicia um refrescante estado de latência dos grandes vilões e sagas da Casa de Ideias. Por mais que grandes problemas baterão à porta logo logo, não tem nada de errado em se divertir após o fim desse grande ciclo. E suas duas cenas pós-créditos transmitem muito bem o baque do futuro.