A banda japonesa completa 25 anos, com quatro discos experimentais sem nenhuma necessidade de coerência lírica. No lugar desta, entra a transcendência com instrumentais exóticos e divertidos, como conta o tecladista da banda exclusivamente para o Persona.
Adriano Arrigo
Eu sei, eu sei. Ninguém conhece Koenjihyakkei, o estanho grupo japonês que toca estranhas músicas. Como poderiam conhecer? Nos confins da Internet, em um grupo de experimental e rock progressivo, eu os conheci. Estava lá, escrito: Koenjihyakkei. Parecia feitiço. E uma imagem com muitos seres pequenos construindo uma ponte. Músicas com títulos ainda mais bizarros. “Molavena”, “Avedumma”, “Zoltan”. Todas pertencentes a um estilo musical ainda mais enigmático, o Zeuhl.
“O Koenji tem muitos fãs espalhados pelo mundo e eu acho que nós podemos mostrar a eles a interpretação japonesa da música Zeuhl, tal qual fez o Magma”, explica Taku Yabuki ao Persona, um dos últimos tecladistas a passar pela banda. O Magma, do qual Taku comenta, é a banda francesa que, na década de 70, apresentou o Zeuhl para o mundo. Um tipo de música experimental, sem amarras; é pegar os instrumentos e ir compondo até achar uma harmonia. Ou não – o caos faz parte. “Eu aprendi que a coisa mais importante em tocar música é apenas expressar seu coração com seus instrumentos, é como falar para alguém”, comenta.
Mas o que o Koenjihyakkei tem a falar? Dentro do universo das palavras entendíveis, não muito. “O senhor Yoshida criou sua própria língua e, embora suas letras sejam sem sentido, a plateia pode sentir com seu coração”, conta Taku. A última formação do grupo, composta por cinco membros, possuía Yoshida Tatsuya (único integrante original e ex-Ruins) como vocalista, se é assim que podemos dizer. Não só ele, mas os outros integrantes, especialmente as mulheres, também possuíam força em criar sons com as vozes que ultrapassam o universo semântico.
Aliás, o universo do Koenji é bastante pequeno, mas muito consistente e complexo. Com apenas quatro discos em 25 anos de carreira completados ano passado, a banda está em hiato desde 2010. O primeiro disco da banda é um apanhado grande desse complexo sistema do grupo. Com pulsação acelerada, possui vocais estridentes e épicos, com coros e instrumentos que acompanham um mundo rítmico e, ao mesmo tempo, caótico.
Nessa estreia, é muito interessante como os vocais desordenados e repetitivos usam frases sem sentido algum criando alto impacto nas composições. Vemos isso em “Molavena” que destrói completamente a confluências entre as outras músicas. Embora não se saiba exatamente o que está sendo dito (Molavena Viellen Fonnai! / Molavena Viellen Fonnai!), há uma expressividade peculiar em toda a harmonia musical, que demonstra muito paixão e súplica encontrada na doce voz de Kubota Aki, uma das vocalistas da banda.
Na música que encerra o disco, “Sunna Zarioki”, há um ritmo que constantemente é interrompido por entradas de outros instrumentos e vocais, que lhe conferem uma linha despretensiosa e pitoresca. Koenjihyakkei pode parecer música cabeçuda aos primeiros toques, mas para Taku “ninguém liga se elas forem divertidas”. E realmente são. Diferente de outras bandas do estilo, Koenjihyakkei parece ter como única pretensão divertir quem lhe concede a chance.
E é claro que isso não diminui a engenhosidade de suas músicas. O segundo disco da banda, Viva Koeji! – que completa 20 anos em 2017 – dá continuidade eximia ao antecessor, afundando-se ainda mais nas experimentações e, dessa forma, se aproximando muito mais ao estilo original do Zeuhl. Aqui parece que as vocalistas parecem ter encontrado um palco seguro para entonar cantos líricos em companhia da voz de Yoshido. O free jazz dá as caras em “Brahggo”, somada as guitarras rápidas que carimbam o Zeuhl. Em “Quidom”, novamente temos vozes líricas, mas desta vez contrastando com uma atmosfera sombria, que flerta com timbres do pós-metal.
Em Nivraym, o terceiro disco do grupo lançado em 2001, há uma maior autoria nas composições que marcam seu estilo único de juntar vários tipos de instrumentos e fluir entre os gêneros musicais. A sinfonia do álbum é, a todo tempo, bastante improvisada e divertida. Peças como as debochadas “Becttem Pollt” e “Vissqauell” são bastante marcantes, tanto pela sua (des)construção quanto pelo uso dos sintetizadores e teclados.
Nesse disco, as texturas dos sintetizadores são suficientes para proporcionarem um ambiente regional que não cabe dentro do Japão, mas somente na mente frenética e caótica do “senhor” Yoshida. “Mederro Passquirr” é extremante dançante como um frevo, a dança típica de Pernambuco, mas adicionamos aqui riffs, teclados e vocais excêntricos.
A introdução épica do último disco do grupo até o momento, Anherr Shisspa, parece ser uma compilação do que eles fizeram até o ano de 2005. Em “Tziidall Raszhisst”, temos menos experimentações e um ritmo mais sólido. O álbum remete muito ao primeiro disco homônimo dos quatro japoneses, e alcança quase um destaque pop entre os quatro discos da banda.
Há o destaque para músicas estritamente instrumentais que colocam os vocais em segunda plano em forma de sussurros e risos. “Mibingvahre”, então, é o convite definitivo do Koenjihyakkei para participar de uma estranha festa onde mulheres cantam operetas pelos cantos.
Muitos termos podem traduzir em etiquetas os ritmos presentes em Anherr Shisspa e nos outros três discos da banda. Zeuhl é um termo que é precisamente usado pelo próprio idealizador da banda que tenta até modestamente defini-los, mas não consegue remeter a riqueza que é as estranhas composições da banda.
Esses fatores podem passar a impressão que Koenjihyakkei é um grupo para poucos, infelizmente restritos a um pequeno mundo. “Polirrítmicos” como Taku tenta traduzir, ou, ainda, serem um quinteto para ser ouvida matematicamente por pessoas seletas. “Eu não sei como os outros membros da banda se sentem, mas eu não sinto ou toco nossa música de forma difícil… apenas escutamos um aos outros, tocamos para a plateia, nos divertimos.”
Nós também, Taku, nós também.