Nathalia Tetzner e Thuani Barbosa
“Se você fracassar em planejar, planeje-se para o fracasso”. Richard Williams começou o planejamento do sucesso para suas filhas dois anos antes delas nascerem, e se fosse necessário resumi-lo em uma palavra, seria “determinação”. King Richard: Criando Campeãs foi produzido pela Warner Bros. Pictures, e chegou às salas de cinema e ao HBO Max no final de 2021. O filme biográfico sobre o pai de Venus e Serena Williams, grandes sucessos do tênis, proporciona ao público a chance de entender como uma família do subúrbio de Compton conseguiu produzir duas das maiores jogadoras de um esporte ainda tão elitista. De olho no Oscar 2022, a obra garantiu indicações nas principais categorias, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator.
Treinos debaixo de chuva, incansáveis entrevistas para a imprensa e controle total sob as carreiras de suas duas filhas. O drama joga luz sobre o verdadeiro Richard Williams, o pai humano e complexo de Venus e Serena, não apenas um herói ou vilão, e expõe ao telespectador o belo e o feio da trajetória do personagem principal para criar campeãs. É quase impossível não pensar em outras figuras paternas que fizeram de tudo para os filhos alcançarem o estrelato, e exemplos como os de Michael Jackson, Britney Spears e Beyoncé mostram quanto a relação pai/empresário pode ser conturbada.
Para quem nunca acompanhou uma partida de tênis, o filme faz um ótimo trabalho em não tentar explicar as regras e, talvez por isso, acaba despertando o interesse pelo esporte. O vai e vem das bolas verdes batendo nas raquetes prende a atenção e traz um pouco de ritmo para a tela. Quem assiste não tem a menor dificuldade em torcer pelas meninas quando elas estão competindo, mesmo sem ter a mínima ideia do que está acontecendo. Ao contrário do extremamente técnico Rick Macci, que ganha vida com a atuação de Jon Bernthal, aqui a forma caricata faz justiça à persona excêntrica do treinador que levou a família Williams para a Flórida.
Como o ator consagrado que se tornou, Will Smith transita com fluidez pela esfericidade do seu personagem. Seja em um momento de bravura, ao impor o seu plano de 78 páginas, seja em sua fraqueza, ao tentar defender as filhas da violência urbana, o ator representa com fidelidade a figura que Richard Williams foi para o esporte. É certo afirmar que Smith se jogou de cabeça no projeto, afinal, além de ganhar peso, ele também se comprometeu em usar um shorts relativamente pequeno para a sua estatura.
É incrível ver, nas cenas reais que compõem os créditos, como Smith conseguiu, em essência, se transformar em Richard, através da maneira de andar, dos trejeitos e das expressões faciais, mas essa não é a única cópia perfeita. A atenção aos detalhes, presente na ambientação, como a Kombi da família e os vídeos que Richard gravou, deve-se ao diretor Reinaldo Marcus Green e Isha Prince, produtora e irmã de Serena e Venus Williams. Em entrevista para a Warner Channel Brasil, Green disse: “conseguimos essa riqueza porque Isha estava ao meu lado”. Independentemente de ser uma grande produção, a família Williams esteve presente em todos os momentos, dando acesso livre para o elenco conhecê-los melhor, o que fez total diferença.
Na pele de Venus, Saniyya Sidney, indicada ao Critics Choice Awards como Melhor Revelação, atrai os olhares para ascensão de uma jovem tenista, com destaque para o nervosismo do primeiro torneio de sua carreira, em uma disputa contra a segunda melhor tenista do mundo na época. Já Demi Singleton, quando entra em cena, capta o fogo no olhar de Serena, que desde a infância almejava o topo do mundo no tênis. A trama tem a irmã mais velha como foco, porém, em uma das cenas finais, Richard Williams fala abertamente para a filha mais nova que Venus será a número um, enquanto ela será a melhor de todos os tempos.
Os Estados Unidos são um dos países mais violentos contra a população negra no mundo, em decorrência do racismo enraizado no país, e isso também afeta os esportes. No longa, é possível ver a maneira com que agentes e outros pais desacreditam do talento das jovens tenistas, tendo em vista que esse é um esporte majoritariamente branco, o que deixa Richard e as meninas desconfortáveis. Na vida real, durante os protestos antirracistas em 2020, Venus se solidarizou e compartilhou, em suas redes sociais, um texto sobre como o ideal racista afetou negativamente a vida no mundo esportivo.
Richard e Oracene (Aunjanue Ellis) chegaram a enfrentar problemas com o conselho tutelar por sua rigidez e exigência com as filhas, mas o desejo de criar pessoas bem sucedidas e respeitadas, como eles nunca puderam ser, é admirável, uma vez que é um sentimento muito comum em pais que sofreram com as dificuldades da vida quando jovens, criando uma sensação de pertencimento do espectador com a história da família Williams. Assim, o longa trilha um caminho de dificuldades e inseguranças junto com Richard e sua família, e isso deixa os momentos de vitórias ainda mais significativos, criando a atmosfera de amor fraternal e presenteando o público com o sabor do sucesso.
Na rota das premiações, o longa provou o seu sucesso com a Academia ao garantir 6 indicações ao Oscar. King Richard: Criando Campeãs arrebatou vagas desde as categorias mais técnicas como Melhor Roteiro Original, para Zach Baylin e Melhor Montagem, para Pamela Martin, até a mais reverenciada de Melhor Filme (com créditos de produção para Tim White, Trevor White e Will Smith). Aunjanue Ellis, indicada ao Emmy 2021 pela sua atuação essencial em Lovecraft Country, é forte concorrente ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante. Amiga de Serena Williams, a cantora Beyoncé participa da trilha sonora do filme com a faixa Be Alive e pode levar a estatueta dourada de Melhor Canção Original para casa ao lado do compositor Dixson.
Dono de um Globo de Ouro e de um SAG Awards pela sua interpretação de Richard Williams, resta-nos esperar pelo tão ansiado Oscar de Melhor Ator para Will Smith. Afinal, ao levar os principais prêmios da temporada, ele vem forte para a competição pela terceira vez em sua carreira. Ele já havia sido indicado na categoria por incorporar o boxeador Muhammad Ali no filme Ali (2002) e pela sua entrega na pele do empresário Christopher Gardner em À Procura da Felicidade (2007). Interessante notar que os três filmes tratam de personalidades da vida real e Smith disputa o prêmio ao lado de Denzel Washington pela segunda vez.
O personagem principal do filme biográfico está vivo e não é segredo que o projeto contou com a curadoria de sua família, ou parte dela: Sabrina Williams, filha abandonada por ele, afirmou que o retrato nas telas do cinema é uma idealização de Richard Williams. Se esquivando de polêmicas ou não, a narrativa de um pai sonhador, uma mãe guerreira e quatro pequenas leoas que vivem a vida com êxito espalha um rastro de esperança para os que já a perderam. King Richard: Criando Campeãs deixa o recado de que planejamento nunca é demais quando se quer vencer.