João Pedro Fávero
A reunião mais esperada dos últimos vinte anos chegou ao Brasil. Em sua sétima passagem pelo país, o Guns N’ Roses trouxe a nostalgia do hard rock do começo dos anos 90 e lotou o Allianz Parque que esperava para ver Axl Rose, Slash e Duff McKagan lado a lado na Not In This Lifetime Tour.
Slash e Duff McKagan deixaram o Guns N’ Roses em 1995 devido à diferenças criativas e, principalmente, pelo valor da marca da banda. Os outros membros da formação original já haviam saído antes: o baterista Steven Adler foi despedido em 1991, devido ao abuso de drogas (hipocrisia ao estilo Black Sabbath), e o guitarrista que formou a banda ao lado de Axl, Izzy Stradlin, decidiu abandonar as extravagâncias da banda em novembro de 1991. A partir de então, Axl Rose entrou em uma cruzada para reformar a banda que contava apenas com ele da formação original. Nesse período, a banda teve varias formacoes sendo que todos os onze membros que passaram pela banda contribuiram para o album que viria a ser o decepcionante Chinese Democracy, lancado em 2008.
Já Slash e Duff McKagan cruzaram caminhos no Velvet Revolver, grupo formado com outro ex-membro do Guns N’ Roses, o baterista Matt Sorum, e o falecido vocalista do Stone Temple Pilots Scott Weilland. A banda lançou dois álbuns antes de entrar em hiato, em 2008. Desde então, Slash embarcou em uma carreira solo bem-sucedida, enquanto Duff seguiu com sua banda de longa data, o Loaded, além de se juntar com Mike McCready (Pearl Jam) para formar o Walking Papers.
O público implorava aos ex-membros por uma reunião, sempre negada veementemente por Axl Rose, que tinha uma birra enorme com a figura do guitarrista da cartola, chegando a exigir que a equipe de segurança dos shows realizados pelo Guns N’ Roses barrassem qualquer produto que estampasse a figura de Slash. Quando abordado pelo site de fofocas TMZ sobre a possibilidade de uma reunião, Rose disse “não nesta vida”, título da atual turnê. Quanto aos outros membros, Axl voltou a falar com Izzy Stradlin’ e chegou a se reunir no palco com o guitarrista inúmeras vezes, mas este nunca ensaiou um retorno completo. Duff McKagan também chegou a tocar com a banda em 2013 e inclusive fez uma turnê pelo Brasil com a banda, em 2014. Steven Adler nunca mais voltou a aparecer ao lado do vocalista após ser demitido, mesmo sendo o membro que mendigava em todas as mídias por um reunião da banda.
Os fãs já podiam dizer que algo estava estranho com a banda quando alguns membros da formação que acompanha Axl há 5 anos foram anunciando suas saídas. Tommy Stinson, baixista, embarcou em uma turnê de reunião com sua antiga banda The Replacements; o guitarrista Ron “Bumblefoot” Thal formou o Art Of Anarchy, além de se dedicar a sua carreira solo, e DJ Ashba se voltou inteiramente ao Sixx: A.M.
Em entrevista ao programa Fantástico da Rede Globo, Axl Rose disse que grande parte do processo de reunião da banda partiu primeiramente dos organizadores do festival Coachella, cerca de um ano antes do show da banda no festival acontecer, e que a priori, a intenção era sim ter uma reunião da era Appetite for Destruction completa. Segundo Axl, Steven Adler não pode se apresentar devido a uma cirurgia na coluna que este havia feito, porém não esclareceu o motivo de Izzy Stradlin’ não participar da turnê. Izzy logo em seguida postou no seu twitter que o motivo era simples: Axl e Duff não queriam dividir o dinheiro. No final das contas, membros da formação que já acompanhava o Guns N’ Roses ficaram para completar a banda: o baterista Frank Ferrer e o guitarrista Richard Fortus, além de Dizzy Reed que está nos teclados do grupo desde 1991. Melissa Reese completa a banda, também assumindo os teclados.
O Guns N’ Roses fez um show de aquecimento no Troubadour, famosa casa de show em Los Angeles onde várias bandas da cena oitentista da cidade fizeram shows no começo de suas carreiras. Durante a segunda música, Axl Rose quebrou o pé e durante uma boa parte da turnê ficou sentado durante a performance da banda. O trono utilizado por Axl nesses shows foi emprestado por Dave Grohl do Foo Fighters, que este utilizou também quando quebrou o pé durante um show, mostrando que as desavenças entre Axl e os membros vivos do Nirvana são passado.
Após uma turnê pelos Estados Unidos, interrompida algumas vezes para que Axl assumisse o posto de vocalista temporário do AC/DC, a banda chegou à América do Sul, passando por Peru, Chile, Argentina, Colombia, Costa Rica e Brasil.
O primeiro show em São Paulo aconteceu na sexta-feira, dia 11 de novembro. O público que chegava para encher a pista premium se apertava contra a grade mesmo antes de o show principal começar, enquanto o pessoal da pista comum e arquibancadas aproveitaram o tempo de sobra para beber cerveja e gastar um dinheiro com o merchandising oficial da banda, além dos oferecidos pelos patrocinadores do show e do próprio estádio.
A abertura ficou por conta da Plebe Rude, com seu pós-punk de Brasília. Show decente, com Clemente Nascimento e Philippe Seabra tentando agitar o público, que só se ergueu durante a última música “Até Quando Esperar”, a mais conhecida do grupo.
O Guns N’ Roses entrou com meia hora de atraso, às 21h30. Algo perdoável perto de uma banda que chegava a atrasar quase quatro horas, como no desastroso Rock In Rio 2011. Ao final do tema dos Looney Tunes, o Allianz veio abaixo quando o baixo de Duff McKagan iniciou o show com “It’s So Easy” e Frank Ferrer emendou com Mr. Brownstone. O público cantou uníssono as duas músicas, clássicos do álbum Appetite for Destruction. Aliás, esse foi o padrão durante todas as músicas da fase clássica da banda. Durante as músicas de Chinese Democracy, boa parte do da platéia ficava em silêncio, apenas batendo palmas ao final das canções. Axl disse que a performance dessas músicas, que não foram originalmente gravadas por Slash e Duff, foram iniciativa desses dois integrantes. Slash modificava os solos, ajeitando mais ao seu estilo, porém deixava boa parte dos trechos mais técnicos nas mãos de Richard Fortus. Assim foi em “Chinese Democracy”, “Better” e “This I Love”.
O público foi a loucura com as primeiras notas de “Welcome to the Jungle”, e durante os quase 10 minutos de duração de “Estranged”. A banda parece estar empolgada com a atual turnê, já que eles tocam músicas de grande extensão, como “Civil War”, “November Rain”, a já citada “Estranged” e “Coma”, a música mais longa gravada pelo Guns e que raramente foi tocada ao vivo até ao atual giro.
Durante “Double Talkin’ Jive”, já deu pra notar que haviam algum problema com a guitarra de Slash, que ecoava e não chegava em algumas partes mais afastadas do palco. Talvez a culpa seja da chuva que começou durante a música e continuou por boa parte do show, porém o problema só foi resolvido durante o bis. Quanto à performance de Axl Rose: o vocalista até chegou a surpreender com alguns gritos que lembravam uma época melhor da sua voz, porém cansava rapidamente, culminando na desgraça que foi “Knockin’ On Heaven’s Door”, onde ele não aguentava sequer cantar o refrão no seu tom original. A interação do vocalista com a plateia também foi nula, se resumindo a somente alguns acenos enquanto ele cantava.
Houve até um momento lembrando a Illusion Tour, com Slash usando o voice-box durante o solo estendido de “Rocket Queen“, Duff McKagan assumindo os vocais em Attitude, cover dos Misfits registrado no álbum de covers The Spaghetti Incident?, de 1993, e o solo de Slash com o tema do filme O Poderoso Chefão desaguando em “Sweet Child O’ Mine”.
A parte final do show contou com a balada “Don’t Cry”, “The Seeker”, clássico do The Who e o final óbvio com “Paradise City”, com pirotecnia e chuva de papel picado. O agradecimento da banda contou com uma homenagem no telão e nas caixas de som à Leonard Cohen, falecido no último dia 7.
Em duas horas e meia de performance, o Guns N’ Roses proporcionou a nostalgia que seus fãs tanto queriam, mesmo que não sendo completa. A falta de carisma dos membros mais recentes continua, ainda que eles cubram perfeitamente a parte técnica, lembrando como a figura de Izzy Stradlin’ ainda faz falta. Axl Rose não cantava como antes em 2011 e também não canta agora, mas pelo menos mostra uma empolgação que não era vista há muito tempo. Agora é esperar até quando e quanto os membros originais se aturam, e que mostrem tudo o que aprenderam nos anos afastados em um álbum de inéditas.