Estante do Persona – Maio de 2023

 

Nas profundezas de um intimismo visceral, Sobre a terra somos belos por um instante foi a leitura do Clube do Livro de Maio (Foto: Rocco/ Arte: / Texto de abertura: Jamily Rigonatto)

Depois de apreciar a vida da gente fina Rita Lee, em Rita Lee: uma autobiografia, o Clube do Livro do Persona alçou voo para trajetos marcados por cicatrizes profundas. Em Maio de 2023, nossos leitores tiveram a oportunidade de conhecer os relatos melancólicos do primeiro Romance do poeta Ocean Vuong, Sobre a terra somos belos por um instante

Carregando uma carga emocional de proporções ímpares, o texto chegou ao Brasil em 2021 pela editora Rocco, e conta com tradução de Rogério Galindo. Na trama, narrada melodicamente pelo protagonista Cachorrinho, somos apresentados a uma história sobre lembranças familiares, amores silenciados e revelações angustiadas que por muito tempo estiveram em cativeiro. 

O livro apresenta uma linguagem bastante singular e caminha por um espaço fluido entre a convencionalidade dos romances e a indefinição literária. Através de termos rítmicos e bastante poetizados, a sensação é de fazer parte de um espaço tão consciente quanto imprevisto. As 224 páginas não podem se classificar diretamente como poesia, mas absolutamente repousam sobre os limites de uma vulnerabilidade encantadora. 

A obra ainda reflete espectros sociais, econômicos e raciais, já que trata sobre os laços familiares de imigrantes vietnamitas vivendo nos Estados Unidos. Os tons das discussões relacionadas a papéis de gênero e sexualidade também ganham grandes doses de protagonismo, lembrando que a sinceridade de ser e sentir é bela por muito mais que um instante. 

E enquanto o tempo continua seu trabalho marcando as vidas no eterno mistério dos momentos, as palavras continuam compondo a emoção daqueles que as apreciam. Por isso, o Estante do Persona de Maio de 2023 segue com suas dicas e opiniões sobre os mais variados temas abordados pela Literatura

Livro do Mês

A leitura do Clube do Livro do Persona é a estreia do premiado autor, por seus livros de poesia, no romance (Foto: Rocco)

Ocean Vuong — Sobre a terra somos belos por um instante (224 páginas, Rocco)

As leituras do Persona já transitaram em vários dos temas que abatem a prosa poética de Ocean Vuong em Sobre a terra somos belos por um instante. Em sua instância epistolar, Vuong preenche os vazios emocionais e sociais que o separa e, complexamente, o une a sua mãe — uma mulher vietnamita analfabeta, a quem escreve  —; não muito diferente do que Annie Ernaux faz do retrato paterno em O lugar, ou à brutal ficcionalização de si em Marguerite Duras. No entanto, mesmo que os feitos do jovem poeta ressoem a uma memória quase corporal de textos sobre a maternidade e que almejam alcançar o sentido entre o sentimento, ancestralidade e de remorso de relações problemáticas, como os poemas de Allen Ginsberg e Louise Gluck, Vuong aprimora o gênero a partir de uma literatura em que a ternura é dimensionada a partir da violência.

A partir de uma maestria na construção de imagens poéticas intrincadas, o narrador se utiliza de metáforas como pedras, que afogam o leitor em seu fluxo de rememoração e conciliação com sua história pessoal e sua história política: um estudo do ato de ser estrangeiro nos terrenos da masculinidade e da branquitude estadunidense. Em seu tom evocativo, Sobre a terra faz suas páginas como um arcabouço de memórias, um espaço onde os traumas de uma guerra, os mitos de uma nação e as fragilidades individuais se convergem na habilidade única desse sistema: de sentir tudo ao redor de si. E, nisso, de maneira extremamente sensorial, Ocean Vuong faz de sua escrita um próprio corpo.


Dicas do Mês

Capa de O Mundo Perdido. Na imagem há centralizado o título em letras maiúsculas vermelhas contornadas de branco que vão até a metade da capa onde encontram uma ilustração de um fóssil de dinossauro da espécie Velociraptor mongoliensis em uma versão de esboço, abaixo do desenho há nome do autor e o logo da editora, os elementos estão dispostos sobre um fundo vermelho vivo
O Mundo perdido é a única continuação de um romance escrito por Michael Crichton (Foto: Aleph)

Michael Crichton –  O Mundo Perdido (488 páginas, Editora Aleph)

Na continuação de seu romance mais famoso, Jurassic Park, Michael Crichton, a pedido do próprio Steven Spielberg, que almejava a sequência do filme homônimo, escreveu O Mundo Perdido – nome inspirado na obra de Arthur Conan Doyle. Trazendo de volta o então coadjuvante do livro anterior, Ian Malcom, como protagonista, que após descobrir que não havia apenas uma ilha com dinossauros “ressuscitados” via engenharia genética, tem que organizar uma expedição de resgate a um colega que descobriu a localização dessas terríveis criaturas pré-históricas do pior modo possível.

O Mundo Perdido tem tons muito mais assustadores que seu predecessor, com passagens brutais, uma ambientação mais sombria e misteriosa, além de um ritmo de ação ainda mais instigante. O romance apresenta novos personagens muito bem desenvolvidos, como Sarah Harding, especialista em comportamento animal que encontra hábitos curiosos e até macabros nos seres da ilha. Crichton mais uma vez mergulha no universo da bioética e explora conceitos inovadores para a época. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro Sobre os ossos dos mortos. Há uma ilustração ambientada em uma floresta no inverno, coberta de neve e com várias árvores de tons variados com galhos secos, o céu é preto. No fundo da foto há uma pequena cabana de madeira. Na frente, cobrindo grande parte da capa, há vários animais entre as árvores, o primeiro, da esquerda para a direita, é um lobo marrom, que está sobre as duas patas e segura uma corda amarela. Ao seu lado direito, há um pássaro azul sentado, segurando seus joelhos, abaixo dos dois há alguns ossos no sobre a neve. No centro da capa há um crânio de um cervo, e mais acima e a direita, uma cabeça de coelho rosa escorrendo sangue. Em branco, no canto superior esquerdo, há o nome do livro, Sobre os ossos dos mortos, e, acima, em azul claro, há o nome da autora, Olga Tokarczuk.
“Não há dúvida de que toda a sabedoria deriva da ira, pois a ira é capaz de ultrapassar quaisquer limites” (Foto: Editora Todavia)

Olga Tokarczuk – Sobre os ossos dos mortos (256, Todavia)

Em Sobre os ossos dos mortos, Janina Dusheiko enfrenta o dia-a-dia no interior polonês como uma excêntrica professora de inglês. Um de seus traços mais marcantes se deve a sua singular preferência pela companhia de animais a seres humanos, combinada com sua crença intocável no estudo de astros e negação a se referir aos seus vizinhos pelos próprios nomes. Assim, seu caráter imutável é formado.

A rotina na pacata vila polonesa passa por algumas mudanças a partir do momento em que mortes tomam conta do cenário frio e a temática principal do livro passa a girar em torno do existencialismo humano e da convivência com o natural. Na obra, a ganhadora do Nobel de 2018, Olga Tokarczuk parece compreender e exemplificar com excelência o ditado popular: “a caça se virou contra o caçador”.  – Amabile Zioli


A capa do livro de Malibu Renasce é uma fotografia da costa da cidade de Malibu, na Califórnia. A foto tem tons rosados e possui uma angulação bem aberta, dando destaque à paisagem e, principalmente, ao céu. O título “Malibu” tem destaque, está na cor branca e em letra cursiva, enquanto “Renasce” é em um tom marrom com detalhes em verde água, fonte sem serifa e em caixa alta. Quase centralizado, temos o nome da autora “Taylor Jenkins Reid” em caixa alta, e “Autora do best-seller Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” seguindo logo abaixo em menor tamanho. A parte inferior da capa é a praia e a costa de Malibu, que possui carros, palmeiras, casas e montanhas.
“Nossas histórias familiares são simplesmente histórias. São mitos que criamos sobre as pessoas que vieram antes de nós, a fim de dar sentido a nós mesmos.” (Foto: Editora Paralela)

Taylor Jenkins Reid – Malibu Renasce (360 páginas, Editora Paralela)

Malibu, além de ser famosa por suas mansões, incêndios e pela canção da Miley Cyrus, é casa de mais um dos livros de Taylor Jenkins Reid. Em uma narrativa cheia de mar, surf e ondas, os irmãos Riva mostram como tudo pode mudar em apenas uma noite. Apesar de se diferenciar dos outros livros da autora pela narrativa mais vagarosa, a profundidade e carisma de Nina, Jud, Jay e Kit nos cativa até a última página. 

Abordando temas como abandono parental, alcoolismo e traição, a história do quarteto passa longe de ser sobre a busca pelo romance de verão e foca nos laços de família – que, apesar dos nós, possuem a força para resistirem ao fogo e a beleza de renascer a cada incêndio. – Clara Sganzerla


Capa do livro A cabeça do santo, de Socorro Acioli, publicado pela editora Companhia das Letras. A capa é inteiramente composta por um amarelo vibrante. No centro, há o perfil de uma cabeça preta, parecida com a de um manequim, e ela aparenta estar “apoiada” no chão. Acima dela está o título, centralizado, escrito em letras maiúsculas; cada palavra está em uma linha. Abaixo dela está o nome da autora, que segue a mesma diagramação que o título. Também centralizado, na parte inferior da capa, está o logo da editora.
“Era tudo tão lindo que nem coube nos seus pequenos sonhos. Ela precisou aprender a sonhar mais” (Foto: Companhia das Letras)

Socorro Acioli – A cabeça do santo (176 páginas, Companhia das Letras)

Após vinte dias de caminhada, Samuel chega em Candeia, cidade nordestina quase fantasma para realizar o último pedido de sua mãe: encontrar a avó e o pai que nunca conheceu. Ao chegar, se depara com uma gigantesca cabeça oca, que pertence a estátua inacabada de Santo Antônio e passa a ser seu abrigo por algumas semanas. O protagonista de A cabeça do santo descobre o dom de escutar as preces feitas ao santo e se une a Francisco, um jovem da cidade, para explorar comercialmente esse dom e trazer vida para aquele lugar.

Entre gargalhadas e revelações icônicas, Socorro Acioli é capaz de enunciar crenças nordestinas, superstições e exploração da fé alheia. Sempre com um toque de absurdo, ela recorre ao amado realismo mágico que se mescla com sentimentos e conflitos inerentes ao ser humano, representados nas várias situações que Samuel e os outros personagens vivem. Além de carregar um tom regional e cultural brasileiríssimo, a obra dialoga, também, com o resto da América Latina, por sua forte referência a outros autores, escritas e obras dessa rica literatura – um exemplo é Gabriel García Márquez, que admirou e aprovou a criação da autora.

O livro se destaca por garantir uma experiência emocionante, de um drama simples e sutil que, ainda assim, tem o poder de reverberar no leitor por muito tempo. As revelações dos mistérios, causas e segredos são bem trabalhadas e objetivas; aqui, a autora prova que menos é mais. Poucas palavras foram o suficiente para Socorro construir uma história emblemática marcada pela relação entre fé e maldição no sertão cearense. – Raquel Freire


No centro da capa, temos o título Como Matei Minha Querida Família, com o eixo centralizado à esquerda, em letras garrafais na cor preta. A frente da palavra “querida”, temos a frase “bizarra, adorável, tóxica”, escrita em letra de mão na cor branca. À direita da palavra “minha”, temos o nome da autora, Bella Mackie, em letras garrafais menores que o título na cor branca. Na parte superior direita, temos um escrito amarelo com letras de mão na cor azul, dizendo “Este livro me trouxe o prazer da leitura depois da pandemia- Jojo Moyes”. Na parte inferior direita, temos o desenho de uma mulher em preto e branco. Ela segura uma pá frente ao que parece ser uma estrutura quebradiça. Ela veste um top e uma calça jeans brancos e sapatos pretos. No centro inferior, encontramos o nome da editora, Darkside, em letras pequenas e brancas. O fundo da capa é rosa.
A sinopse do livro descreve a narrativa como uma mistura de Kill Bill com Killing Eve (Foto: Darkside)

Bella Mackie – Como Matei Minha Querida Família (256 páginas, Darkside)

Em Como Matei Minha Querida Família, a autora Bella Mackie descreve a protagonista Grace Bernard como uma anti-heroína. Nas palavras de Bella, Grace é até mesmo capaz de “superar anti-heróis como Patrick Bateman, o Psicopata Americano”. A história do livro não deixa dúvidas disso, pois, o que acompanhamos ao longo das mais de 200 páginas, é uma tórrida jornada de vingança da jovem contra a família que nunca a acolheu, especialmente o pai.

Nesse sentido, o livro impressiona pelas interessantes reviravoltas e um humor ácido. Além disso, a obra concretiza seu espaço no hall de sátiras atuais da burguesia, uma tendência narrativa que vem sendo chamada de eat the rich (devore os ricos, na tradução para o português). Inclusive, conforme o decorrer dos acontecimentos, percebemos que Grace toma o nome da tendência como uma ordem e a cumpre sem pestanejar. – Nathan Nunes


Capa do livro A Vagabunda. Na imagem há a ilustração de uma mulher se olhando no espelho. Ela aparece sombreada, mas no reflexo é possível ver seu rosto completo com feições sérias e marcadas. Em sua penteadeira há um perfume e uma escova de cabelo antigos. O fundo tem tom de rosa salmão. O título está na parte superior grafado em letras pretas. O nome da autora aparece na porção inferior em letras amarelas.
Por baixo dos frangalhos da leitura social de uma mulher, A Vagabunda estraçalha os papéis de gênero (Foto:Imã Editorial)

Sidonie Gabrielle Colette –  A Vagabunda (286 páginas, Imã Editorial)

Protagonizado e narrado pela personagem Renée Néré, A Vagabunda explora a história de uma autora que teve seus livros roubados pelo próprio marido. Sem perspectivas ou recursos financeiros, ela parte para o mundo artístico e passa a se apresentar em palcos do bas-fond parisiense. Chamar atenção como personalidade dos holofotes culmina em reprovação masculina e, a partir disso, Vagabunda se torna quase um codinome. O texto foi publicado pela primeira vez em 1910 sob o nome de The Vagabond, mas só chegou ao Brasil em 2019, com tradução de Julio Silveira.

Entre testemunhos extremamente vívidos e a complexidade das escolhas lexicais, a obra se apoia em pensamentos e reflexões muito a frente do tempo que marca sua estreia, e prova que, para as mulheres, o contexto social nunca optou por demonstrar o mínimo de contentamento. Ao expor a violência do patriarcado com tamanho detalhismo, Colette marcou as discussões do movimento feminista com uma destreza inigualável. Em um mundo comandado por gravatas pomposas e discursos vazios, ser vagabunda é um ato de resistência. – Jamily Rigonatto

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