A cortesia de Emma. à Jane Austen e à nossa sensibilidade

Três personagens, Emma no centro, Knightley a esquerda e Churchill a direita. E o nome do filme a frente.
“Prometo não planejar nenhum [casamento] para mim mesma, papai. Mas vou fazê-lo para outras pessoas. É a coisa mais divertida do mundo.” (Foto: Reprodução)
Layla de Oliveira

“Bonita, inteligente e rica.” Estes são os adjetivos usados por Jane Austen para definir Emma Woodhouse, a protagonista do romance Emma, publicado em 1815. E eles se encaixam perfeitamente para descrever o filme dirigido por Autumn de Wilde, que adapta a obra de Austen de maneira a trazer uma narrativa do início do século XIX para os tempos atuais com diversão e inúmeros elementos estilísticos para representar toda a pomposidade da aristocracia inglesa da época.

A adaptação utiliza fortemente elementos estéticos, o que se percebe no próprio nome do filme, Emma., diferente do título original do romance. A estreia de de Wilde na direção deixa clara a sua profissão original: a de fotógrafa. Os enquadramentos e a paleta de cores presentes no filme remetem a uma pintura francesa rococó, delicados, refinados e graciosos, com cenas filmadas em campos verdes e bailes galantes, com interiores pastéis e elegantes.

Essas imagens esnobes e brilhantes são correspondentes a personalidade da protagonista, interpretada por Anya Taylor-Joy. Emma é uma garota de 21 anos que não pretende se casar, para que ela possa cuidar de seu pai hipocondríaco e por já possuir uma riqueza, sendo inclusive a primeira heroína de Austen a não se preocupar financeiramente. Por possuir uma vida tão despreocupada, Emma se entretém ao fazer presunções sobre a vida de outros moradores da vila de Highbury, e agindo como casamenteira.

Emma e Harriet sentadas a esquerda na janela.
As cenas criadas por Autumn de Wilde assemelham-se a pinturas (Foto: Reprodução)

O hábito de Emma em juntar casais resulta no casamento de sua governanta e melhor amiga, Miss Taylor (Gemma Whelan) com Mr. Weston (Rupert West). Esse casamento, apesar de satisfazer Emma e até incentivar a manipular mais a vida de outras pessoas, também a torna triste. Miss Taylor era a única outra pessoa da vida de Emma com quem ela poderia conversar livremente, então, para diminuir a solidão, ela se aproxima de Harriet Smith (Mia Goth), uma garota ingênua que tem pais desconhecidos. Nessa nova amizade, Emma se aproveita para interferir e manipular a vida de recém adquirida amiga, atribuindo a si mesma a tarefa de encontrar um marido para Harriet.

A amizade entre as duas jovens, apesar das intenções de Emma, é extremamente encantadora. A química entre as duas personagens é atribuída principalmente ao fato de Anya Taylor-Joy e Mia Goth serem duas grandes amigas que cresceram juntas. No filme, a relação de Harriet e Emma é inicialmente um pouco incômoda, por conta do controle exercido por esta, mas o amor entre as personagens e as atrizes torna-se lindamente transparente, favorecendo muito o desenrolar da relação no filme.

Por conta da personalidade deslumbrante de Emma, todos ao seu redor permitem as pequenas intromissões na vida particular alheia, a descrevendo como uma jovem tremendamente inteligente e sensível. Todos, menos o amigo e vizinho dos Woodhouse, Mr. Knightley (Johnny Flynn). Ele é o único a discordar abertamente da maioria das decisões e atitudes de Miss Woodhouse, especialmente dos pretendentes que Emma arranja para Harriet. Emma argumenta que apenas quer homens considerados a altura da amiga, e Knightley rebate que por conta da origem desconhecida de Harriet, o casamento mais vantajoso para ela seria com Robert Martin (Connor Swindells), um fazendeiro conhecidamente apaixonado por Miss Smith.

Emma e Knightley frente a frente.
Emma e Mr. Knightley, frequentemente divergentes em opiniões (Foto: Reprodução)

Há também Frank Churchill (Callum Turner), filho de Mr. Weston, que chega a cidade para visitar o pai e a madrasta. Emma rapidamente se interessa por ele, construindo uma amizade a base de cochichos e bisbilhotices sobre todos os outros moradores da vila, em especial Jane Fairfax (Amber Anderson), que Emma desgosta por sempre serem comparadas.

Com o passar da trama, Emma continua fazendo suas interferências, acreditando que tudo está em ordem, mas considerando apenas o que ela acha melhor, sem se preocupar com as pessoas que a rodeiam. Ela causa desapontamento e situações pouco confortáveis, as ações da protagonista até aquele momento se provam insensatas, e Emma aprende que o mundo não é um simples peça teatral onde ela é diretora, roteirista e a grande heroína da história.

Emma sentada com uma expressão deprimida.
A protagonista frustrada consigo mesma ao refletir sobre suas atitudes (Foto: Reprodução)

O choque da personagem com a revelação de um segredo já mostra que ela não sabe tanto sobre os outros quando achava. Este abalo se torna imensamente maior quando Emma, ao contar para Harriet sobre o ocorrido, tem novamente suas expectativas quebradas, desta vez com a declaração da amiga que achava conhecer tanto. A protagonista fica tão afetada que não consegue esconder o quão desorientada ficou, levando a mais um momento de agitação na trama com a pequena discussão entre as duas jovens.

Emma finalmente entende o que sente, e percebe que existe algo mais importante do que ser cortês ou intrigante: respeitar os outros e suas escolhas. É esta a lição dada por Austen e reforçada por de Wilde com a adaptação, de que devemos estar atentos aos nossos sentimentos e a eles somente, pois cada um aprende o que é melhor para si, inevitavelmente. Com esse aprendizado, Emma permite-se realizar uma final intromissão. Mas desta vez, para corrigir suas ações passadas, deixando de manipular e interferir para dar conselhos baseados nas emoções dos envolvidos, e não apenas em seus julgamentos.

Emma observando uma estátua em desfoque
Ao final da história, Emma aprende muito sobre si e a sobre todos a seu redor (Foto: Reprodução)

Com esta comédia de costumes, Jane Austen fala sobre romance e desentendimentos. Autumn de Wilde eleva as características em Emma., ao dar uma visão de século XXI à história, com um humor simples e eficaz, momentos extremamente românticos e de aquecer o coração, mas deixando uma reflexão ao meio de toda a pomposidade; além de uma perfeita escolha de atores, pois todo o elenco soube conciliar momentos cômicos e dramáticos, se encaixando perfeitamente nos papéis atribuídos com maestria. Por isso, Emma. é o tipo de filme que agrada não só esteticamente, mas sentimentalmente.

Um comentário em “A cortesia de Emma. à Jane Austen e à nossa sensibilidade”

  1. Parabéns Layla, você descreveu a personagem e a obra de uma forma maravilhosa. Eu que já assisti ao filme conforme ia lendo sua crítica fui relembrando as cenas do mesmo em minha mente e me deu vontade de assistir novamente. Devo dizer que é a primeira vez que estou aqui, adorei o blog, a partir de agora estarei sempre visitando vocês. Parabéns aos idealizadores e a todos que participam, é de pessoas como vocês que precisamos, pessoas que leem, que pesquisam, que se interessam por cultura, pessoas que possuem sensibilidade, um novo olhar, para que possamos ter esperança novamente no futuro. Obrigada!

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