Caroline Campos
Quer comemorar um grande feito? Uma garrafa de champagne. Afogar as mágoas? Uma latinha de cerveja. E sobreviver aquele domingo melancólico? Uma taça de vinho, claro. O mundo é, basicamente, movido à álcool – e Thomas Vinterberg sabe disso. A partir da relevância da bebida no nosso dia a dia, o diretor dinamarquês de Druk – Mais uma Rodada idealiza, como uma celebração, seu novo longa, que consegue encontrar o equilíbrio perfeito entre o moralismo alheio e a romantização do alcoolismo.
Vinterberg ainda digeria o luto quando deu início à produção. Em 2019, a filha do diretor, Ida Vinterberg, faleceu em um acidente de carro. Ida era uma grande admiradora do roteiro, assinado pelo pai e pelo parceiro Tobias Lindholm, e iria estrear na atuação como a filha do protagonista, interpretado por Mads Mikkelsen. Druk, assim, se tornou uma avalanche de sentimentos, com todos os corações batendo especialmente por Ida. Thomas recebeu muito apoio da equipe e do elenco, grande parte formado por amigos pessoais de longa data do diretor.
Lindholm e Mikkelsen também trabalharam em A Caça, que rendeu uma indicação ao Oscar 2014 em Melhor Filme Estrangeiro para Thomas Vinterberg. 7 anos depois, o cineasta volta a corrida pela estatueta, mas com um longa que não poderia ser mais diferente. Druk – Mais uma Rodada acompanha quatro professores de Ensino Médio que, por conta da vida apática e monótona, decidem provar a teoria do psiquiatra norueguês Finn Skårderud que afirma que o ser humano nasce com um déficit de 0,05% de álcool no sangue. Para reverter a situação, só enchendo a cara.
Perdidos numa suposta crise de meia-idade com traços depressivos, Martin e seus três mosqueteiros utilizam a bebida como muleta para reaprenderem a lidar com a vida, enquanto sentiam que estavam sendo engolidos e apagados. O pano de fundo é a pesquisa científica, que se inicia com poucos goles escondidos antes das aulas para analisar os efeitos psicológicos, motores e sociais que a leve embriaguez gera. O resultado positivo os leva a, gradualmente, trocar as doses por copos e os copos por garrafas.
A singularidade de Druk fica evidente no fato de Vinterberg construir seus personagens além de qualquer julgamento pessoal. Ora, não sejamos hipócritas. É impossível negar que haja, sim, experiências boas com a bebida. O problema está no excesso, e isso nos é mostrado em tela. Vinterberg não bate o martelo a favor da completa sobriedade, mas entende que cada indivíduo possui um limite muito bem definido que, quando transposto, pode resultar em consequências seríssimas para os envolvidos.
Assim, mesmo Martin sendo o protagonista irrefutável da produção, seu personagem não seria tão brilhante sem Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) caminhando ao seu lado. Cada membro do quarteto contribui para que o filme se mova constantemente, ainda que a passos trôpegos e alcoolizados. Os arcos individuais são de intensidades diferentes, mas caem como uma luva no desenvolvimento de cada professor, em especial pela dinâmica e pelo entrosamento dos quatro atores em tela.
Mads Mikkelsen, no entanto, é uma força sobrenatural. O talento arrebatador do ator dinamarquês já é conhecido, mas Thomas Vinterberg consegue espremer e coar ainda mais da sua naturalidade e potência dramática em Druk. A performance coreografada nos minutos finais do longa parece ser o fechamento perfeito para anteceder o to Ida, que surge no fundo preto antes dos créditos. Mikkelsen, que também é ginasta, dançarino, premiado em Cannes e um excelente Hannibal Lecter, ficou de fora da categoria de Melhor Ator no Oscar deste ano – apenas o BAFTA agraciou o ator com a indicação.
Thomas Vinterberg que foi, na verdade, a grande surpresa. Favoritíssimo para o prêmio de Melhor Filme Internacional com sua obra embriagante, o nome do cineasta rendeu várias exclamações quando anunciado por Priyanka Chopra Jonas na categoria de Direção, chutando para fora outros grandes cotados como Aaron Sorkin e Regina King. Pode-se dizer que Vinterberg, um dos autores do Dogma 95, pertence bem mais à categoria do que David Fincher, mas, mesmo assim, o dinamarquês, primeiro da nacionalidade a concorrer por sua direção, ainda é o maior azarão do ano.
Druk – Mais uma Rodada é a dramédia perfeita para se assistir tomando uma caipirinha tipicamente brasileira. Vinterberg não dá a mínima para as convicções moralmente hipócritas em cima do álcool, e usa de exemplos históricos (Churchill é tão citado no filme que poderia ser creditado como parte do elenco) para reafirmar seu posicionamento quanto ao moralismo perfeito da sociedade. A vida é para ser celebrada e, se for para comemorar, que seja da sua forma – água, suco, cerveja ou uma boa dose de vodca.