Thuani Barbosa
Em meio a lutas épicas, a busca por uma cura desconhecida e a construção de amizades improváveis, Tanjiro Kamado tece sua história repleta de coragem, bravura e sensibilidade. Assim, se cria Demon Slayer (originalmente: Kimetsu No Yaiba), anime que segue seus conterrâneos Attack on Titan e Naruto, que trabalham com narrativas recheadas de sentimentalismo fraternal e batalhas sangrentas, tudo em um só combo. O resultado é uma mistura que conquistou não só o público asiático, mas rompeu barreiras e alcançou o ocidente.
O lançamento da animação japonesa chegou às telas brasileiras em 2019 e, em 2023, alcançou a marca de três temporadas entregues ao público, sem perder a qualidade e adicionando melhorias à trama. Fazendo com que o espectador fique refém da narrativa e ansioso pela quarta temporada, já confirmada pelo diretor Haruo Sotozaki. Entretanto, o nascimento da saga aconteceu bem antes, em 2016, com a publicação do primeiro mangá.
Escrito pela mangaká Koyoharu Gotouge, a autora e ilustradora passou por poucas e boas até assumir sua criação. No Japão, é comum que artistas mulheres recebam menor atenção, por isso, Gotouge opta por manter seu gênero escondido atrás de uma persona: um crocodilo de óculos. Até o momento, a artista não publicou nada que se distanciasse do universo de Demon Slayer, mas a possibilidade anima o público.
A obra se inicia apresentando a família Kamado, composta por sete integrantes: Kie, a mãe da família, os irmãos mais novos Takeo, Hanako, Shigeru e Rokuta, a irmã Nezoku e o protagonista, Tanjiro Kamado. Tanjiro segue a profissão ancestral de carvoeiro e ajuda sua mãe nos cuidados de casa, que cria os filhos sem a presença paterna. Mas a vida tranquila dos Kamado não passa nem do primeiro episódio.
Após um dia de trabalho, Tanjiro Kamado encontra sua família brutalmente assassinada por um Oni, desde os pequenos até sua mãe, mas percebe que sua irmã Nezoku sobreviveu ao ataque. Entretanto, a vida dela não é a mesma, agora acometida por uma maldição que a transformou em um ser irracional e com sede sangue. Porém, nem a morte provável consegue afagar o amor dessa família e o protagonista parte em uma jornada de vingança e procura pela salvação dos poucos familiares que lhe resta.
Cheia de acontecimentos inteligentes e emocionais, a primeira temporada dá a base necessária para que a trama se construa em um solo firme e alicerçado. O treinamento de Tanjiro com o mestre e Hashira aposentado – o mais alto posto que um caçador de Onis pode alcançar, recebendo tratamento especial e privilégios –, Sakonji Urukodaki, é exemplo disso, pois é quando é possível conhecer a determinação ardente do protagonista. As sutilezas de sua energia espiritual também são mostradas ao se conectar com Sabito e Makomo, que o preparam para a seleção final, sequência que pode ser considerada a parte mais assustadora de todo o anime.
Após a aprovação, a jornada de trabalho é iniciada, carregando consigo a caixa de madeira resistente à luz solar com sua companheira de viagens e, no futuro, nas batalhas. O caminho deles se cruza com o de Zenitsu e Inosuke, dois caçadores de Onis excelentes, mas com personalidades um tanto quanto excêntricas. Apaixonado, sensível e medroso, Zenitsu é um caçador improvável, sempre chorando e firme na negação de seu talento, uma vez que é acometido por um sonambulismo que desconhece. Porém, forçado pela memória afetiva de seu avô que o ensinou a dominar a técnica da respiração do ar, ele permanece lutando.
Já Inosuke, um aparente híbrido de javali com humano, foi criado em meio a selva e é o mais imprudente deles, desesperado pela batalha e para exibir seu porte atlético, grita e desafia a todos a sua volta, com sua potente técnica da respiração da besta que ele mesmo criou. No decorrer da narrativa, o inesperado acontece: Inosuke se mostra amoroso e quase dependente da amizade que construiu com os outros meninos e pela pequena Nezoku.
É na construção da amizade com os outros e no amor por sua família que nos familiarizamos com Tanjiro Kamado. Amoroso, paciente e delicado são adjetivos pequenos para descrever a personalidade de alguém tão humano e admirável. O respeito dele com os próximos se excede até para com os Onis, mesmo que esses sejam inimigos incontestáveis, e o protagonista consegue respeitar a autenticidade de cada um. Com uma memória exemplar, faz questão de agradecer a todos que o ajudaram e carrega consigo um pedaço de cada pessoa que ama. No início da trama, nem se pode imaginar o quanto a caminhada dele vai mudar lindamente.
Ao longo da produção, conhecemos os Hashiras, que são considerados os espadachins mais habilidosos e, comumente, já mataram algum dos 12 Kizuki; cada um deles possui uma técnica própria e uma história pessoal que marca a personalidade. Esses por sua vez, fazem parte dos demônios mais fortes; geralmente recebem mais sangue do mestre Muzan e são subordinados próximos dele, além de terem mais tempo de tela e maior dedicação ao desenrolar de suas vidas passadas, o que mostra o respeito do anime com todos os personagens, sejam eles bons ou ruins.
Durante as batalhas, os Hashira utilizam técnicas de respiração derivadas das técnicas ancestrais do fogo ou da água, ou cultivam suas próprias técnicas de respiração que conversam diretamente com suas peculiaridades individuais. Já os kizuki são divididos em dois grupos: os superiores e os inferiores. Ambos são extremamente fortes, mas os superiores são praticamente uma espécie de guarda especial de Muzan Kibutsuji.
A ancestralidade é algo essencial para o desenrolar da trama e isso se mostra mais ao longo do filme Mugen Train (2020) – que é quase uma temporada –, e da segunda temporada, intitulada Entertainment District Arc. A divisão da animação pode confundir muitos fãs, mas sem o longa a compreensão dos acontecimentos seguintes fica difícil, pois algumas lacunas só são preenchidas por cenas dele.
Em Mugen Train, um marco divide a história: a morte de Kyojuro Rengoku, o Hashira das Chamas. Com o falecimento do recente mentor do trio de amigos, Tanjiro se mostra ainda mais empenhado em vencer os Onis, influenciado por seus motivos pessoais, a morte de Rengoku e os conhecimentos acerca de seus ancestrais e as técnicas de respiração que eles dominavam. É nesse momento que um plot twist acontece: o espectador percebe que a dança que o pai do protagonista fazia estava muito além de mero lazer e esconde o poder que acompanha a família a gerações.
A ancestralidade de cada um dos personagens tem se mostrado vital para a continuação da trama, além de ter sido lindamente introduzida com a implementação de tatuagens nos caçadores. Nas primeiras temporadas, sempre se conhecia mais dos Onis com suas mortes, mas no ponto atual, a cada batalha os mocinhos precisam de mais força e habilidades, que têm sido encontradas nas lembranças ou até fatores desconhecidos que pincelam familiaridade. Esses detalhes exalam potencial e conseguem prender o público de forma inebriante na trama, que sempre se renova, mesmo não seguindo os desejos de quem vê. Surpreendendo positivamente a cada reviravolta.
É fundamental elogiar a ótima qualidade da adaptação e o quão variados são os gráficos, diferente de muitos animes que ‘copiam e colam’ o que se passa no mangá. Em Demon Slayer, os movimentos inovam, trazendo cenas que parecem feitas para Videogame ao mesmo tempo que implementam elementos Kwai que brilham os olhos de qualquer ‘garotinha’. Isso dá uma sensação visual menos cansativa e mais bonita de se olhar, e mais uma vez mostra a atenção em cada detalhe da produção.
A quarta temporada de seriado animado já lançou uma prévia nos cinemas: um misto do último episódio da terceira temporada com o episódio inicial da seguinte, intitulado Hashira Training Arc. Seguindo o padrão de qualidade das anteriores, mas, dessa vez, os fãs esperam episódios mais tranquilos, focados no treinamento de Tanjiro para se tornar um hashira. Porém, a exibição já deixou certos receios, pois mostrou uma prévia tão mínima quanto o trailer, aumentando a ansiedade do público para a íntegra da animação.
Demon Slayer conquistou o público brasileiro de forma semelhante a clássicos como Attack on Titan e Naruto. As histórias com bravas lutas e sentimentalismo familiar pode ser considerado o ponto fraco dos brasileiros. No entanto, a autenticidade e o amor que o anime exala se mostra em cada pedaço dele, a identificação com os defeitos e qualidades de cada caçador ou Oni humaniza os personagens, fazendo deles nossos amigos, irmãos, parentes ou até nós mesmos. Tanjiro Kamado nos ensina que o amor é a melhor ferramenta para aqueles que queremos bem e, para os com que se têm problemas, compaixão é a melhor palavra.