Já estamos cansados de reclamar da situação do país em meio a esse turbilhão de confusões, esquemas e agressões vindas da politicagem brasileira. Será que a Arte ainda é capaz de nos fazer esquecer de toda essa bagunça no mundo exterior? Ou é ela que nos mantém sãos? Bem, não há resposta certa para isso. Junho chegou, Junho foi embora e a leva de filmes e séries que marcaram a metade do ano não poderia ter sido mais diferente uma da outra.
No mundo cinematográfico, onde alguns poucos irresponsáveis arriscam ir aos cinemas, as produções foram escassas e não muito chamativas. Os apaixonados pelo medo e pelo horror ganharam de presente duas bombas: Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio não é um fracasso completo, mas abala o ânimo dos fãs da franquia com uma trama fraca e pouco impressionante. Por outro lado, para quem pensava que não poderia ser pior, Espiral: O Legado de Jogos Mortais se esforçou para entregar um dos piores filmes da saga de Jigsaw. Não foi dessa vez que o deus da carga dramática te abençoou, Chris Rock.
Os streamings, pelo menos, nos garantiram um pouco mais de diversão. A nova animação do Disney+ pode ter uma narrativa marcada pela simplicidade, mas não falha em emocionar o espectador com a sua fofura. Estamos falando de Luca, que conta com os dois monstros marinhos mais carismáticos desde o peixão apaixonado de A Forma da Água, lá em 2017. Pelas mãos da dona Netlfix, Carnaval foi lançado e conseguiu o feito de nos fazer fechar a cara só de ouvir o nome da melhor festa do ano. Mesmo assim, nessa altura do campeonato, dá vontade de pular um bloquinho, não é?
Lin-Manuel Miranda emplacou mais um hit e trouxe os musicais de volta ao cinemas com Em um Bairro de Nova York, que encantou a crítica com suas coreografias e o protagonismo de Anthony Ramos – não, não é o ator da Globo. No entanto, faltou tato por parte da produção do filme, que foi duramente criticada pela falta de representação entre o elenco principal de afro-latinos no bairro de Washington Heights. Apesar de Miranda se pronunciar “verdadeiramente arrependido”, o resto dos envolvidos protagonizou um show de horrores ao comentar a polêmica. Complicado, Rita Moreno.
Na parte da TV, o cenário foi mais positivo. No Brasil, O Caso Evandro chocou tanto que até ganhou episódios extras, com informações importantíssimas que só foram descobertas pela repercussão do documentário. Colônia, original do Canal Brasil, ganhou casa no Globoplay, dando voz e rostos aos temas do livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex.
O Amazon Prime Video finalmente investiu nas produções nacionais, entregando DOM e Manhãs de Setembro. A primeira leva a periferia e o tráfico em discussões que perpassam temas sociais, enquanto a segunda finalmente dá a Liniker um papel de atuação. A artista canta e encanta, se firmando como um símbolo de poder e resistência nesse Mês do Orgulho.
Fora do radar nacional, We Are Lady Parts inovou as típicas narrativas musicais que estamos acostumados, Grey’s Anatomy finalizou seu 17º ano na união da ficção de Meredith com a pandemia do mundo real e RuPaul’s Drag Race Down Under se provou a pior temporada do reality de competição de drag queens. Original do Hulu, mas com exibição do Paramount+ no Brasil, The Handmaid’s Tale finalmente entregou um ótimo capítulo neste livro de sofrimentos que é a vida de June.
A Netflix continuou Lupin e nos deu uma overdose de Elite. Além da estreia do quarto ano da sacanagem espanhola do Ensino Médio, fomos agraciados com curtas especiais, que não agregaram muito, mas foram agradáveis de acompanhar. O HBO Max aterrissou por aqui e duas de suas melhores produções acabaram em Junho: Hacks coroa o talento inestimável de Jean Smart na comédia e Legendary continua na construção de seu maravilhoso império. É sério, vejam Legendary.
O Mês do Orgulho coloriu a arte desse Cineclube de Junho, com o azul-claro da bandeira trans se prostrando como resistência. Uma das melhores séries da história, Pose, deu um tristonho tchau, através de uma terceira temporada cautelosa, calorosa e cheia de paixão. Para além de ser ‘apenas’ a produção com o maior elenco trans da história da TV, a obra-prima do FX se livrou das amarras narrativas que uma história LGBT pode se colocar, dando suficiente material para que MJ Rodriguez, Dominique Jackson, Indya Moore, Billy Porter e cia cravem seus nomes para a eternidade.
O Persona fecha o primeiro semestre com um Cineclube mais modesto que o habitual (é que o frio de Junho congelou até a gente). A conclusão do Mês do Orgulho não deixa dúvidas: o nosso papel, como espectadores e divulgadores de conteúdo, é o de prestigiar, aclamar, indicar e celebrar essas joias raras. Agora, é só chegar junto da Editoria e dos Colaboradores para conferir tudo o que falamos sobre o Cinema e a TV no sexto mês de 2021.
Cinema
Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (The Conjuring: The Devil Made Me Do It, Michael Chaves)
Que bagunça que fizeram com o pobre Invocação do Mal. Quando James Wan deu a luz ao primeiro filme da franquia lá em 2013, os fãs de terror convulsionaram tamanha a qualidade e o carisma do longa. 8 anos e sete filmes depois, Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio chegou aos cinemas e ao HBO Max para provar que, infelizmente, tudo que é bom dura pouco.
O problema já começa na trama. Apesar do caso interessantíssimo que tinha em mãos – o julgamento de Arne Cheyenne Johnson que, acusado de assassinato, alegou ter estado sob possessão demoníaca –, Michael Chaves não se decide quanto ao rumo que pretende dar ao seu filme. As cenas nos tribunais, que poderiam ter aberto outras portas para a franquia, são esquecidas e retomadas apenas nos minutos finais. Ao invés disso, Chaves prefere inserir um plot horrendo envolvendo os talentos sensitivos de Lorraine Warren, que se torna quase uma X-Men perdida no mundo de Annabelle.
Extremamente convenientes para a narrativa e utilizados com um excesso pavoroso, os poderes da demonologista e sua relação psíquica com a Ocultista bagunçam a história de forma quase incorrigível. No entanto, uma coisa é fato: Vera Farmiga e Patrick Wilson continuam impecáveis como Ed e Lorraine Warren. Um dos melhores casais do Cinema contemporâneo, Wilson e Farmiga entregam qualidade demais em comparação com o resto da trama. Filmes ruins de franquias boas assustam mais que os demônios de Michael Chaves. – Caroline Campos
Carnaval (Leandro Neri)
Quem não está com saudades do calor do Carnaval bom sujeito não é. Com suas gravações iniciadas antes da pandemia, a Netflix tenta engajar um filme nacional com os camarotes da festa de Salvador. A primeira metade do longa é pavorosa, depois, descemos descontroladamente a ladeira da vergonha alheia com o enredo e personagens vazios e sem nenhum atrativo externo ou de contexto.
Com um elenco temível – Giovana Cordeiro e Gkay – não podemos contar nem com boas atuações. O filme não traz o melhor do Carnaval de Salvador, que são os blocos de rua. Os camarotes, que são forçados a todo momento, se encaixam com sentido na premissa que a história segue, mas, exclui toda parte contagiante da festa, que renderia uma boa produção.
Tenho que ser justa. Nem só de calamidade se constrói o longa da Netflix. A representatividade dos orixás dentro do filme arrepia, há respeito em demonstrar figuras sagradas e pais de muitos. Carnaval acerta em trazer o candomblé, com misticismo, para o grande público. Não recomendo Gkay nem para minha pior inimiga, entretanto, se você estiver – assim como eu – com saudades do Carnaval, assista essa produção que o sentimento passa. – Ana Júlia Trevisan
Luca (Idem, Enrico Casarosa)
Trazer até as crianças o debate sobre a inclusão através de metáforas é uma ferramenta que os estúdios de animação adoram. Em um mundo tão excludente, filmes que abordam essa universalidade conseguem sempre um lugar especial no nosso coração. A bola da vez está em Luca, a nova animação da Pixar, dirigida por Enrico Casarosa, que conseguiu mesclar A Pequena Sereia e Me Chame Pelo Seu Nome em uma narrativa simples e eficiente sobre amizade e criaturas marinhas.
Abraçados pela comunidade LGBTQIA+ por conta de suas alegorias, os dois peixinhos Luca e Alberto conseguem assumir a forma humana fora da água. Enquanto o primeiro possui uma família protetora e um medo absurdo do mundo terrestre, o outro parece viver sozinho e se aventurar por qualquer coisa que o mundo tem a oferecer. Sem tramas complexas nem reviravoltas absurdas, Luca, disponível no Disney+, encanta pela simplicidade e delicadeza com que relaciona seus personagens, todos procurando e explorando o seu lugar no mundo e as possibilidades desse vasto universo.
Opostos, Luca e Alberto, dublados no original por Jacob Tremblay e Jack Dylan Grazer, se enveredam pelo mundo humano com o medo constante da rejeição e da exclusão. Assim, de forma sutil, Luca constrói seu carisma e apelo ao tratar das diferenças sociais com tamanha sensibilidade, sem deixar de lado a aventura juvenil e divertida de seus protagonistas. Mesmo com a conclusão morna, não há nada que apague o encanto dos monstrinhos em meio aos terrestres. Silenzio, Bruno! – Caroline Campos
Em um Bairro de Nova York (In The Heights, Jon M. Chu)
O sucesso absoluto de Hamilton trouxe outra obra de Lin-Manuel Miranda da Broadway para as telas do mundo todo. Agora, é hora de conhecer In The Heights, a adaptação de um musical criado pelo dramaturgo, ator, produtor, cantor e compositor, que apresenta uma história de sonhos e raízes num bairro predominantemente latino de Nova York.
Esse cenário é Washington Heights, que abriga uma comunidade imigrante em busca de oportunidades na terra da liberdade, e que é onde Miranda, de descendência porto-riquenha, nasceu e cresceu. A proximidade do dramaturgo com a história, no entanto, não garantiu que sua transposição para o Cinema (na direção de Jon M. Chu) fosse representativa como o planejado quando a história ganhou seus contornos através da peça.
O musical protagonizado pelo carisma brilhante de Anthony Ramos decepciona com a falta de representação fiel da comunidade latinoamericana. In The Heights é tudo o que se esperaria de algo com a assinatura artística de Lin-Manuel Miranda (que respondeu às críticas e se desculpou pela falha na produção do filme), exceto pelo descuido em algo tão fundamental para a narrativa da obra e para o significado de seu trabalho. – Raquel Dutra
Espiral: O Legado de Jogos Mortais (Spiral: From the Book of Saw, Darren Lynn Bousman)
Como se não bastasse uma decepção no mês, os obcecados pelo Cinema de horror ganharam outra. Espiral: O Legado de Jogos Mortais causa, na melhor das hipóteses, gargalhadas. Falta de tudo na obra de Darren Lynn Bousman: criatividade, originalidade, roteiro, atuações decentes, e, se tratando de Jogos Mortais, muito sangue. A franquia de sucesso dos anos 2000, que com certeza transita entre altos e baixos, ficou conhecida pelo seu horror corporal e tortura explícita em cenas de causar enjoo no espectador. O filme de 2021, no entanto, não consegue transmitir nem um mal-estar.
Tentando recriar a estética do primeiro longa, dirigido por James Wan (olha ele de novo!) em 2004, Bousman deixa seu filme caricato e repetitivo, com momentos que, segundo a Geração Z, se enquadram em cringe total. Chris Rock, o detetive protagonista, parece ter colocado em si mesmo uma trava de segurança que o impede de expressar emoções minimamente convincentes, e sua relação com o assassino, principalmente durante os momentos finais, é talvez o plot twist mais sem graça de 2021.
Só para não descer a lenha em absolutamente todos os pontos de Espiral, Samuel L. Jackson convence. Apenas isso. Não é dono de uma atuação primorosa, mas também não se junta a sinfonia de fracasso do cineasta, que dirigiu outros filmes da saga ao longo da carreira. Isso talvez porque o personagem do veterano tem duas cenas na obra – a última delas, inclusive, o mais próximo da vibe contagiante de Jogos Mortais que esse filme tem a oferecer. Jigsaw estaria envergonhado. – Caroline Campos
TV
O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale, 4ª temporada, Hulu/Paramount+)
Depois de um chove, não molha desgraçado, The Handmaid’s Tale conseguiu entregar uma temporada intensa, corajosa e, o mais importante, que tomou decisões drásticas em direção à conclusão da trama. O ano 4 tirou June (Elisabeth Moss) de Gilead, guiando a jornada da personagem para o encerramento de ciclos. Com 3 episódios a menos que o habitual, a série de Bruce Miller demonstrou assertividade e culhões, dando a Moira, Emily, Serena, Janine, Waterford e até à Tia Lydia, muito o que fazer.
Com a sombra de um quinto ano pela frente, O Conto da Aia fez de 2021 um chamariz de boas ideias, com destaque para a sempre formidável Mckenna Grace, jovem prodígio de Hollywood e que agora interpreta uma Esposa, ainda adolescente. O choque pelo choque continua sendo o lema da produção, não recomendada para quem tem problemas em ver gente se ferrando muito antes de começar a se dar bem. O presente floresceu The Handmaid’s Tale, e a dúvida que fica é se o fruto abençoado por Ele vai vingar quando as Aias darem seu adeus no ano que vem. – Vitor Evangelista
We Are Lady Parts (1ª temporada, Channel 4/Peacock)
Lançada originalmente no Reino Unido através do Channel 4 em maio, a 1ª temporada de We Are Lady Parts chegou aos Estados Unidos através do serviço de streaming da NBC, o Peacock. Baseada no curta Lady Parts, ela narra a vida de cinco jovens muçulmanas que formam a banda de punk rock Lady Parts, acompanhando-as através dos olhos de sua mais nova integrante, Amina (Anjana Vasan), uma doutoranda introvertida que tem medo de tocar guitarra em público.
O roteiro e a direção de Nida Manzoor capturam sagazmente a essência e as nuances de cada uma das personagens, rejeitando estereótipos e criando uma trama de crescimento pessoal poderosa ancorada em excelentes atuações e uma estética feroz. Ao longo de seus seis curtos episódios, somos transportados até a realidade de suas personagens e partilhamos de cada risada e cada lágrima derramada.
Através de uma série de músicas originais e alguns covers excelentes de Queen e Dolly Parton, vemos o crescimento do grupo enquanto banda, mas também como pessoas. Ao final do último episódio, a sensação que fica é de que as Lady Parts só começaram e, mesmo que não haja uma segunda temporada confirmada, o público clama por um bis. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Elite Histórias Breves (Elite Short Stories, Especial de Elite, Netflix)
Depois de muita espera, Elite finalmente retorna com novos episódios. A série espanhola trouxe personagens e tramas diferentes, mas não sem antes se despedir das figuras que conquistaram o público, para início de conversa. Se, no final da terceira temporada, vemos o encerramento do ano escolar em Las Encinas, as Histórias Breves nos mostram um pouco das férias de seus alunos.
Com narrativas que se conectam, os curtas são divididos em quatro partes. E, como não poderia faltar, duas delas focam em um dos aspectos mais marcantes da série: os romances. Samuel com Carla, assim como Guzmán e Nadia, sofrem turbulências ao serem separados pela Universidade. Namoros de Ensino Médio são, de fato, ótimos. Mas quando os anos mágicos acabam, a magia dos amores pode sumir junto. Sabendo que Carla (Ester Expósito) e Nadia (Mina El Hammani) precisavam sair da série, a Netflix deu um final quase digno para cada uma.
Alguns personagens, por outro lado, continuaram suas jornadas. Omar, Ander, Cayetana, Rebeka e Guzmán protagonizam seus curtas com muita comédia e drama. É difícil não rir com a festa bagunçada de um trio inesperado, assim como não é fácil segurar as lágrimas quando o percurso de Ander com o câncer resulta na perda de um grande amigo. Resumindo Elite em poucos minutos, Histórias Breves é um compilado perfeito para matar a saudade do seriado. – Mariana Chagas
Colônia (1ª temporada, Canal Brasil/Globoplay)
Baseado no livro Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex, a série Colônia narra, algumas das situações reais que foram vivenciadas no hospício Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. Por meio de personagens ficcionais são contados alguns dos absurdos ocorridos neste período terrível da história nacional e que foi estrategicamente apagado dos livros de História. Acompanhamos em 10 episódios a história de Elisa, interpretada pela atriz Fernanda Marques, e pelo ponto de vista da personagem começamos a entender o que acontece e como funciona a instituição.
“Ninguém entra naquele vagão por acaso”. As pessoas mandadas para o Colônia não eram somente as que possuíam patologias mentais, muitas pessoas eram apenas descartadas naquele lugar. Negros, LGBTQIA+, mulheres grávidas, prostitutas, pessoas consideradas inimigas da ditadura militar ou mesmo as que sabiam de segredos de indivíduos ricos e influentes eram mandadas para a unidade para nunca mais voltaram às suas casas. Todos os internos eram tratados de maneira desumana, sendo violentados, torturados e consequentemente enlouquecendo.
A direção da série, de André Ristum, fez a escolha de apresentar os episódios em preto-e-branco, dando à narrativa um tom melancólico. Colônia é uma obra que em cada personagem acompanhado questiona temáticas que atualmente continuam pertinentes, como por exemplo, a luta antimanicomial, as visões extremamente conservadoras afetando vidas, a desumanização consequente do sistema capitalista e o respeito aos direitos humanos. – Ma Ferreira
Elite (Élite, 4ª temporada, Netflix)
A preparação do novo ano em Las Encinas começou com quatro histórias breves, amarrando os nós deixados pela terceira temporada. Depois de metade do elenco ter se despedido das gravações, sobrou para Cayetana (Georgina Amorós) e Rebeka (Claudia Salas) carregarem a nova fase nas costas, já que Samu (Itzan Escamilla) e Guzmán (Miguel Bernadeau) ficaram disputando o cargo de macho alfa da alcateia. Além disso, o relacionamento de Ander (Arón Piper) e Omar (Omar Ayuso) tentava voltar nos trilhos, com tudo o que aconteceu anteriormente.
A chegada do trio de irmãos Ari (Carla Díaz), Patrick (Manu Rios) e Mencía (Martina Cariddi) e do príncipe Phillippe (Pol Granch) desequilibra o ambiente em diversas formas. Contudo, o ponto mais importante para desprender de toda série é a abordagem dos relacionamentos abusivos. Caye se reinventa de diversas maneiras e se mostra muito mais amadurecida e longe do fantasma de Polo. Mesmo que no começo isso pode ter acontecido, até mesmo o repugnante príncipe não dispersa os olhos da nova faxineira de Las Encinas.
Já no seu quarto ano de exibição, Elite não se inovou, continuando na mesma fórmula de: 1) um corpo foi encontrado e 2) todos os alunos são suspeitos. Com novas saídas do elenco principal e a adição de outros personagens, resta a dúvida se uma quinta temporada seria realmente necessária ou não, mesmo com numerosas pontas soltas. Mantendo ainda as (muitas) cenas de sexo e aquele ar de mistério, já podemos dizer que a série espanhola já se banalizou, mas que não precisamos ter vergonha de mostrar que a gente gosta. – Júlia Paes de Arruda
DOM (1ª temporada, Amazon Prime Video)
A história de Pedro Machado Lomba Neto, mais conhecido como Pedro Dom, chega ao Amazon Prime Video como uma forte produção brasileira. O “bandido gato” fez fama ao assaltar prédios e casas da alta sociedade fluminense no começo dos anos 2000, usando o racismo estrutural a seu favor e se popularizando entre as manchetes dos jornais. Mas a produção do cineasta Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) conta não só a história de um criminoso, também mostra como isso afetou sua família e principalmente seu pai, Victor Dantas, um policial civil aposentado que foi pioneiro no combate às drogas no Rio de Janeiro.
A produção tem dado o que falar e já se tornou a produção internacional mais assistida do Prime Video, e ela é recheada de boas atuações. O protagonismo é de Gabriel Leone (Eduardo e Mônica), que entrega uma bela parceria de cena com Flávio Tolezani, que retrata Dantas. DOM ainda conta com outros grandes nomes: Raquel Villar, Ramon Francisco, Isabella Santoni e Digão Ribeiro como integrantes do “bonde”. Já Filipe Bragança interpreta o personagem do pai quando jovem em uma das fases da narrativa, passada nos anos 1970, enquanto Laila Garin vive a mãe de Pedro, e Mariana Cerrone é, na série, irmã do personagem principal. Fábio Lago, Julia Konrad e André Mattos complementam o elenco principal.
DOM é um ótimo drama policial, com uma bela fotografia que retrata o Rio de Janeiro dos morros e praias aos condomínios de luxo. Baseado em fatos reais, a sua premissa aborda um problema social: o tráfico de drogas e os 8 episódios tem um bom ritmo e prendem a atenção do espectador apesar da temática pesada. É uma produção ousada e envolvente, para quem gosta de uma boa série dramática com boas cenas de ação, essa é com certeza uma das melhores produções lançadas recentemente. – Nicole Saraiva
Grey’s Anatomy (17ª temporada, ABC)
É 2021 e precisamos falar da 17ª temporada de Grey’s Anatomy mesmo depois de tanto tempo. Não porque, nesse ano conturbado por si só, a produção teve que introduzir os dramas médicos da vida real para a frente das câmeras, mas também porque, aos trancos e barrancos, a série conseguiu fazer isso de maneira interessante, mesmo com os elos dramáticos que percorrem todos os anos da série.
Com uma premissa de então abordar a pandemia da covid-19, a série da ABC deu mais uma vez à protagonista, Meredith Grey (Ellen Pompeo) o posto de carregar o peso da produção nas costas. Mas dessa vez de uma maneira diferente, já que ela pode estar ao lado, mais uma vez, de grandes nomes como Patrick Dempsey, Chyler Leigh, Eric Dane e T.R. Knight que voltaram do mundo dos mortos, literalmente, como um modo de levar a série para a sua última temporada, se não fossem os altos índices de audiência.
Além disso, a vida dentro dos hospitais foi retratada como uma forma de humanizar os verdadeiros médicos por trás das máscaras. No entanto, por mais um ano, Grey’s Anatomy pecou no sentido medicina, e se carregou nos dramas pessoais dos protagonistas. Ainda assim, a temporada teve um brilhantismo único e imbatível que, com certeza, vai dar trabalho para Krista Vernoff, responsável pela série, manter o patamar no ano seguinte. – Larissa Vieira
Manhãs de Setembro (1ª temporada, Amazon Prime Video)
De quem foi a ideia de manter Liniker tanto tempo longe dos papéis de drama? Não há como apontar o responsável por tal barbaridade, mas, finalmente, deram a essa mulher uma série para ela estrelar. O serviço de streaming felizardo foi o Amazon Prime Video e, nesse mês de junho, os cinco episódios da primeira temporada de Manhãs de Setembro aterrissaram entre nós. A cantora vive Cassandra, uma motogirl trans que descobre do dia para a noite que teve um filho 10 anos atrás com Leide, interpretada pela também magnífica Karine Teles.
Gersinho, o fruto desse relacionamento, passa perrengue atrás de perrengue com a mãe, já que os dois vivem num carro embaixo de um viaduto e vendem o que conseguem nos faróis de São Paulo. O que não falta em Manhãs de Setembro é talento: além de Liniker e Teles, Gustavo Coelho, que interpreta o garoto, é uma revelação e tanto. O título da série vem através da música da cantora Vanusa, que, pela voz de Elisa Lucinda, dá conselhos dentro da cabeça de Cassandra durante toda a temporada.
Construindo o afeto entre a protagonista e seu filho de forma gradual e detalhista, Manhãs de Setembro entende que a realidade da comunidade trans não se resume apenas a violência e transfobia – isso também porque a série conta com a ícone do queernejo Alice Marcone em seu time de roteiristas. Cassandra é dona de uma narrativa complexa, de altos e baixos, cheia de amores e desamores. Vivendo no país que mais mata pessoas trans em todo o mundo, a nova produção do Prime Video é um conforto, um ato de resistência e um manifesto. – Caroline Campos
Lupin (Parte 2, Netflix)
Em Junho também houve a volta de Lupin, a queridinha francesa da Netflix estrelada por Omar Sy e criada por George Kay, que retorna após um hiato de cinco meses. A nova leva de cinco episódios traz de volta o carisma sobrenatural de Sy na pele de Assane, o lendário ladrão de casaca, mas carece do foco narrativo e da estrutura que tornaram os primeiros capítulos da série tão saborosos.
Ela começa com um episódio que teria se encaixado muito melhor no final chocante da parte anterior, resolvendo o seu clímax e oferecendo um gancho tragicamente forte para sua sequência. Do jeito que está, a narrativa perde fôlego após os dois primeiros capítulos, por mais que a atuação impecável de Sy segure as viradas mais abruptas que o roteiro dá. Os episódios ainda são bem construídos e oferecem pontos de virada engajantes, com grande parte deles vendo o protagonista na defensiva, tendo que improvisar ao longo do caminho, nos oferecendo outra perspectiva para o personagem.
Com um clímax elaborado e surpreendente, Lupin nos oferece um final que amarra satisfatoriamente as pontas da história da vingança de Assane contra a família Pellegrini, o que deixa difícil ficar de mal com a série por conta de seus poucos erros. A promessa de uma terceira parte em desenvolvimento chega como um suspiro de alívio: essa não é a última que vemos do astuto ladrão de casaca e seus roubos elegantes. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Hacks (1ª temporada, HBO Max)
Hacks. Guardem bem o nome dessa série, vocês vão ouvir falar dela em setembro. Não é novidade para ninguém a alta presença das originais HBO na premiação do Emmy que, aliás, foi a emissora que mais levou estatuetas no ano de 2020. Agora, Hacks está entre as cotadas para representar o mais novo streaming que chegou ao Brasil. Isso por causa do bom desempenho da série que facilmente agrada os assinantes e mesmo não popularizada no país conquista o Top 10 assistidos da semana.
Não é à toa. O HBO Max traz sua veterana de guerra, Jean Smart – que também está presente em grandes produções como Mare of Easttown e Watchmen -, para um papel de estrelato pleno. A atriz brilha e reluz numa personagem complexa que tem um certo toque inovador para as telas. Jean Smart domina a arte de fazer comédia sobre comédia interpretando Deborah Vance, que é famosa em Las Vegas por sua longa trajetória, mas passa a perder os melhores horários de apresentação por suas piadas ultrapassadas.
A solução para o problema é contratar uma estagiária, Ava (Hannah Einbinder). É assim que Hacks ganha sua proporção. A dualidade entre as mulheres e a diferença de idade combinadas a dificuldade de ser do sexo feminino e fazer parte da industria hollywoodiana são os pontos altos da produção que acerta a mão em representá-los. A série consegue construir tramas paralelas dentro de sua própria história, o que a torna mais cativante. Jean Smart ganhará o Emmy de Melhor Atriz em Série de Comédia. Anotem. Me cobrem. – Ana Júlia Trevisan
RuPaul’s Drag Race Down Under (1ª temporada, Stan)
A exportação do programa de RuPaul Charles nos rendeu frutos de diversas qualidades, desde divertidas e empolgantes temporadas (2ª do Reino Unido) até jurados decepcionantes mas competidoras exemplares (1ª do Canadá). Na versão da Oceania, Drag Race Down Under, encontramos um show realmente de cabeça para baixo. A começar pela produção, que claramente sofreu com um orçamento menor, já que assistimos as queens performarem em um palco pequeno, quase como alguns caixotes de madeira colocados lado a lado.
As competidoras também não impressionaram: nada do que foi apresentado ali era inédito, e a chance de vermos a diversidade étnica do continente representada no programa foi limitada pela própria produção, que convidou um elenco majoritariamente branco. Jojo Zaho, a primeira competidora aborígene australiana, acabou sendo também a primeira a ir para a casa; Coco Jumbo, de descendência fijiana, deu adeus ao reality no terceiro episódio. A partir daí, passamos a assistir um elenco formado apenas por queens brancas, duas delas com passado racista: Scarlet Adams, que fez blackface e brownface em apresentações anteriores ao programa, e Karen From Finance, que colecionava bonecos racistas e até mesmo chegou a tatuar um deles em sua pele.
RuPaul e Michelle Visage pareciam cansados, e Rhys Nicholson caiu na maldição da chatice aguda quando se faz parte da bancada internacional de Drag Race. A eliminação precoce de Anita Wigl’it, mesmo tendo vencido o Snatch Game nos episódios anteriores, nos doeu na alma, mas, pelo menos, Kita Mean pôde vingar a amiga e levar a Coroa para a casa, justamente. A maior (e melhor) zebra da temporada foi Elektra Shock, perseguida nos primeiros episódios e subestimada, a neozelandesa ganhou o coração dos fãs e, mesmo fora do top 4, saiu por cima e encontrou paz em sua narrativa. Não é claro ainda se teremos uma nova chance para as vizinhas da Lorde, mas, caso uma segunda temporada venha aí, que os erros da produção não sejam cometidos novamente. – Jho Brunhara
O Caso Evandro (Minissérie Documental, Globoplay)
A minissérie documental que narra os acontecimentos do Caso Evandro, dirigida por Michelle Chevrand e Aly Muritiba, é um dos lançamentos recentes do Globoplay. A produção, dividida em 9 episódios, apresenta a história a partir do seu princípio, com o desaparecimento de Evandro Ramos Caetano, de apenas 6 anos, na cidade de Guaratuba, no Paraná. Em uma época em que já havia uma forte comoção em torno do sumiço de diversas crianças na região, o fato chocou pelos aspectos macabros e pelas diversas reviravoltas em seu julgamento.
O corpo de Evandro foi encontrado em um matagal sem os órgãos e com as mãos e dedos dos pés cortados. Com o passar da investigação, o ocorrido passou a ser direcionado como um caso de magia negra, a partir de fortes intervenções de um dos parentes do menino. Os principais acusados – e, por fim, condenados – foram o pai de santo Osvaldo Marcineiro, a então primeira dama Celina Abagge e sua filha, Beatriz Abagge; Vicente de Paula Ferreira, ajudante de Marcineiro; Davi dos Santos Soares, artesão de Guaratuba; Francisco Sergio Cristofolini, vizinho e dono do imóvel onde Marcineiro morava; e Airton Bardelli, funcionário da serraria da família Abagge.
O Caso Evandro aposta em cenas que simulam os acontecimentos que são narrados como forma de ilustração, dando um verdadeiro toque de suspense para esse crime tão brutal por si só. São apresentadas diversas facetas da história, contando com mais de 30 personagens, entre eles, jornalistas, policiais, testemunhas, advogados, promotores e acusados. O jornalista Ivan Mizanzuk, criador do podcast que inspirou a série, surge como um grande norteador de interpretações que podem ser feitas acerca das evidências mostradas. Ao longo dos episódios, é difícil saber em que lado acreditar, ao passo que a produção se encerra sem trazer as devidas respostas, pelo próprio julgamento não poder ser considerado, de fato, encerrado. – Vitória Silva
Legendary (2ª temporada, HBO Max)
Legendary é uma das séries mais importantes no ar. O reality show de competição, com foco na cultura de ballroom e no Vogue, chegou ao segundo ano muito mais maduro e despojado. A bancada de jurados permaneceu igual, mas recebeu o adicional de placares numéricos e mais argumentação na hora de deliberar. Law Roach é o Pray Tell da vida real, Jameela Jamil é agradavelmente entediante e Megan Thee Stallion parece ter encontrado seu tom e aura naquele painel.
As estrelas do show são Dashaun Wesley, que apresenta, e Leiomy Maldonado, jurada especialista em Vogue, ícone do ballroom e uma personalidade da mídia que faz por merecer seu holofote. As Casas aumentaram o nível de estrelato e valor de produção, com destaque para a Haus of Tisci (injustamente eliminados e os vencedores morais) e a Haus of Balenciaga, que começou com a bola toda e foi murchando ao passo que os consecutivos salva-vidas foram acionados.
Quem saiu com o título foi a Haus of Miyake-Mugler, um grupo envolvente mas sem a faísca familiar que nos faz apaixonar pelos competidores. O time de jurados convidados entreteu com maestria, valendo a menção para Taraji P. Henson, Adam Lambert, Tiffany Haddish e Demi Lovato. No mesmo mês em que Pose se despediu, é de importância imprescindível que séries como Legendary, que honram a cultura negra, os ballrooms e as pessoas trans, sejam prestigiadas e cresçam mais e mais. Está sem nada para fazer no feriado? Abra seu HBO Max e dê play em Legendary. – Vitor Evangelista
Pose (3ª temporada, FX)
E chega ao fim uma das maiores e mais importantes séries da história. Do momento mais triste ao mais feliz, da representação mais pura de amor à mais crua de violência, Pose segurou as mãos de seus personagens e soube compreender tudo o que eles representavam. Sempre com delicadeza quando necessário e força quando oportuno, o drama encerra uma história de glória, que se transforma em algo muito maior do que a já grandiosa experiência de seus três anos, protagonizados pelo trabalho do maior elenco trans da história da televisão.
O que se vê no encerramento de Pose é uma narrativa que cresceu cada vez mais, desdobrando-se em algo cada vez mais significativo, ao mesmo tempo em que manteve sua proposta desde o início. Essa nunca foi uma história reduzida ao sobreviver às margens. Pose abraça a completude do viver e encerra sua jornada em pleno mês do Orgulho LGBTQIA+, quando o debate é, sobretudo, o direito à vida. Nisso, o show dá seu recado na existência maravilhosa do lendário, amado e venerado Pray Tell de Billy Porter: Live. Werk. Pose. – Raquel Dutra