Nilo Vieira
Para o bem e para o mal, pode-se afirmar que existe uma inconstância nos trinta anos de carreira do Sepultura. Discos irregulares, problemas com gravadoras, saídas de integrantes, fãs puristas e polêmicas que a imprensa insiste em incitar são alguns dos fatores que contribuíram para que a banda não fosse ainda maior do que é. Porém, esses mesmos desafios forçaram o grupo a sempre buscar novas alternativas – tanto sonoras quanto profissionais – e a permanecerem inquietos, mesmo que nadando contra a corrente.
O que permaneceu intacto durante todo esse tempo foi a perseverança do quarteto, e isso foi palpável na apresentação de ontem no Sesc Bauru. Começando pontualmente às 22h00, o show (anunciado apenas quatro dias antes) contemplou as diversas fases do Sepultura, com atenção especial ao disco “Roots”, que completou vinte anos no último mês de fevereiro. Além das músicas obrigatórias do álbum, foram executadas “Spit”, “Dusted”, “Breed Apart” e a subestimada “Ambush” que, apesar de ótima, perdeu um pouco de sua força pela falta da passagem tribal da versão original.
O outro momento menor do show se deu com o single mais recente da banda, “Sepultura Under My Skin”. Embora seja uma faixa de homenagem aos fãs fiéis, foi notável a recepção mais fria do público que compareceu – tanto por desconhecimento sobre a canção como por ela em si.
Felizmente, as reclamações param por aqui. O que se viu durante quase duas horas foi uma banda entrosada, muito carismática – uma das pérolas da noite foi ver o vocalista Derrick Green, estadunidense, perguntar em bom português: “Tão cansados? Mas é sexta-feira, porra!” – e um repertório cheio de clássicos. A banda saudava o público de quase 1800 pessoas constantemente e, em troca, ouviam gritos de “SE-PUL-TU-RA!” a cada oportunidade.
De modo geral, foi uma apresentação direta e reta, sem grandes devaneios ou artifícios de palco – o único utilizado foi a iluminação especial, cujas cores eram relativas à capa do álbum da música tocada. A banda optou por deixar a intensidade da performance falar por si, e deu mais que certo: o jovem baterista Eloy Casagrande deu um show à parte, entregando execuções pesadíssimas em seu kit. Paulo Pinto, baixista e único remanescente da formação original do Sepultura, estava igualmente frenético, mesmo longe de ser um instrumentista técnico. O guitarrista e líder Andreas Kisser aproveitou o ótimo (e alto – em “Dialog”, a guitarra encobria os versos falados, o que foi compensado com um final estendido) som de seu set de amplificadores e se manteve certeiro; mesmo as músicas compostas quando a banda ainda contava com dois guitarristas soaram completas. Fechando o time, Derrick Green, além de urrar a plenos pulmões com um pique invejável (durante quase duas horas), se aventurou na percussão em algumas partes.
Ainda houve espaço para curtas jams bem humoradas: as mais marcantes foram com “Breaking the Law”, do Judas Priest – onde Green brincou: “Senhor Kisser, eu tava mesmo quase cantando aquela música!” -, e “Admirável Chip Novo”, da cantora Pitty. No fim, isso só corroborou para o retrato da noite: uma banda grande que, apesar das críticas, persiste firme em seu caminho, não se deixa abalar e sabe se divertir – afinal, ser inconstante é surpreender. O saldo final foi um show excelente, que inclusive deu a impressão de ser maior do que deveria ser – justamente como o Sepultura.