Circuito Cineclube Sesc – Infiltrado na Klan e as veias abertas da América racista

Cena de Infiltrado na Klan. Nela vemos os personagens Ron, um homem negro de cabelo black power e barba cheia e Patrice, uma mulher negra de cabelo black power. Ron veste uma camisa vermelha e um relógio na mão direita. Patrice veste uma espécie de poncho, com algumas pedrarias em seus dois punhos. Os dois apontam uma arma para a câmera. Eles estão em um corredor de apartamentos e a fotografia está granulada.
A exibição do longa no Sesc Bauru encerrou a Mostra “Cinema é Direito”, e contou com a participação do Prof. Dr. Juarez Xavier, referência no ativismo antirracista, no debate após a apresentação do filme (Foto: Focus Features)

Guilherme Veiga

Em 2017, quando aconteceu a passeata de Charlottesville, Infiltrado na Klan provavelmente estava finalizando seu processo de pesquisa e escrita ou começando suas filmagens. Talvez Spike Lee não esperasse que sua história, apesar de latente na sociedade contemporânea, se manteria tão atual. Muito além de apenas tocar na ferida do racismo, a obra também assumiu o papel de estancar um sangramento que, em sua esmagadora maioria, continua derramando sangue negro. De acordo com a mensagem que antecede o logo do filme, “essa parada é baseada em merdas reais pra caralho”. 

O longa, que no seu aniversário de cinco anos encerrou a Mostra Cinema é Direito do Persona no Sesc Bauru, conta a história de Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro da extremamente branca cidade de Colorado Springs. No local, em um momento de ebulição social americana, ele descobre uma célula da Ku Klux Klan ativa na cidade e decide se infiltrar na organização, dividindo sua identidade com o detetive branco ‘Flip’ Zimmerman (Adam Driver). Mas é no teor dessa mesma mensagem que está escondida a intenção de Spike Lee de, na verdade, trazer um meio termo entre fato e ficção para transmitir a ótica do diretor para o público. Tal aspecto transforma Infiltrado na Klan em uma das obras mais conscientes e contundentes da extensa carreira do cineasta.

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Circuito Cineclubes Sesc – Onde está Ana?

Cena do filme Ana. Sem Título. Na imagem, há seis fotografias de uma mulher negra. As fotos trabalham de forma documental, registrando as mudanças físicas da personagem em uma organização linear - três fotografias em cima e mais três fotografias em baixo. As mudanças físicas são principalmente no cabelo: na primeira imagem, ele permanece preso em um coque alto, e acompanhamos sua transformação até o penteado em estilo afro
Em Ana. Sem título, exibido na Mostra “Cinema é Direito” no Sesc Bauru, entramos em uma jornada sobre governos totalitários, o feminismo nos anos 70 e 80 e sobre a Arte como forma de denúncia (Foto: Imovision/Taiga Filmes)

Clara Sganzerla

Viajamos, todos os dias, do passado ao futuro. Seja por meio de memórias, lembranças, fatos históricos ou até mesmo dentro de nossos planejamentos; desaparecemos em uma inércia pendular difícil de desvencilhar – nunca vivemos propriamente no presente. No entanto, a atriz brasileira Stella Rabello consegue parar por alguns momentos em algumas dessas duas realidades para ir em uma jornada que ultrapassa as fronteiras de nosso país, esbarrando em uma história sangrenta que, infelizmente, também nos pertence. Em Ana. Sem Título (2020), longa que integrou a Mostra Cinema é Direito do Persona no Sesc Bauru, a cineasta Lúcia Murat nos transporta para o passado latino-americano marcado pela ditadura militar, atrás, apenas, de uma resposta: onde está Ana? 

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Circuito Cineclubes Sesc – Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos ecoa sua voz na espiritualidade

Cena do filme Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos. Na imagem está o protagonista, Inhac Krahô. Ele é um homem indígena de cabelos pretos lisos na altura dos ombros. Ao fundo há uma cachoeira. A imagem é azulada e se passa a noite.
Apresentado no Festival de Cannes em 2018 e vencedor do Prêmio Especial do Júri, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos dá protagonismo ao povo Krahô (Foto: Embaúba Filmes)

Jamily Rigonatto 

Por muito tempo, o Cinema retratou os povos indígenas moldados por óticas brancas, completamente envoltas de estigmas e equívocos. Essas imagens se fixaram no imaginário popular e, muitas vezes, a descrição que temos dos nativos é animalizada, preconceituosa e intolerante. Fugindo desse movimento, os diretores Renné Messora e João Salaviza trouxeram às telas Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018). O filme, gravado na Aldeia da Pedra Branca em Tocantins, é um registro contemplativo e profundo dos Krahô e sua grandeza espiritual, e integrou a Mostra Cinema é Direito no Sesc Bauru

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Circuito Cineclubes Sesc – Desamparados, os mais fracos fazem a própria lei no Brasil de Pixote

O longa figurou em 12º na lista dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Abraccine, e abriu a Mostra “Cinema é Direito” no Sesc Bauru (Foto: Embrafilme)

Nathan Nunes

Em 25 de Agosto de 1987, morreu Pixote. Fernando Ramos da Silva tinha 19 anos, era casado e pai de uma filha pequena quando foi morto por policiais militares, após ter supostamente assaltado uma empresa em Piraporinha, na região de São Bernardo do Campo. A família viveu para contestar a versão dos agentes, que foram apenas demitidos, mas nunca condenados. 

Anos antes, em 26 de Setembro de 1980, Fernando estava alcançando fama e reconhecimento pelo seu desempenho no papel que dá título a Pixote, a Lei do Mais fraco, de Hector Babenco (Carandiru, 2003). O longa, que abriu a Mostra Cinema é Direito do Persona em parceria com o Sesc Bauru na quinta-feira, dia 2 de Março, não poderia ter se misturado à realidade de forma mais trágica, pois o que aconteceu com o intérprete de seu protagonista pouco se difere do descaso do Estado com a vulnerabilidade social denunciada pelos realizadores. 

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O deserto coletivo assola Paloma

Cena do filme Paloma, mostra a protagonista, uma mulher negra, sorrindo com um véu branco na cabeça.
Entre grandes títulos nacionais, Paloma faz parte da rica seleção da 46ª Mostra de São Paulo, na seção Mostra Brasil (Foto: Pandora Filmes)

Vitor Evangelista

Paloma trabalha colhendo mamões em uma plantação, faz bico de cabeleireira, namora com Zé e, junto dele, cria a pequena Jenifer no interior do Pernambuco. Ela é espirituosa, bondosa e amada por todos da cidadezinha, e no fundo, tem um desejo próximo ao coração: se casar na igreja, vestida de noiva, com buquê e chuva de arroz. Mas, quando enfim toma coragem e chega ao padre com o singelo pedido, ouve um sonoro ‘não’. Por ser uma mulher trans, o sonho de Paloma não pode ser concretizado. 

Na trama, presente na seção Mostra Brasil da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e inspirada por acontecimentos reais, quem interpreta Paloma é a grandiosa Kika Sena. Arte-educadora, diretora teatral, poeta e performer, graduada em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria em Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, Sena é pesquisadora nas áreas de gênero, sexualidade, raça e classe, e autora dos livros Marítima (2016) e Periférica (2017) e da zine Subterrânea (2019).

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Sun Ra Arkestra e convidados distorceram o espaço-tempo no Sesc Bauru

A Sun Ra Arkestra aterrissou em Bauru no dia 5 de outubro. Ao centro, o líder Marshall Allen no alto dos seus 95 anos. Ao seu lado, Knoel Scott (Foto: Gabriel Leite Ferreira)

O saxofonista Marshall Allen começou a tocar com o pianista Sun Ra no fim dos anos 50. E assim segue até hoje, mesmo após a morte do mentor da Arkestra, um dos grupos mais cultuados do jazz de vanguarda, em 1993. Depois do também saxofonista John Gilmore, outro contribuidor fiel à obra de Sun Ra falecido em 1995, Allen mantém a Arkestra na estrada desde então. O espetáculo Outros Espaço: Sintonia Cósmico Sônica, que se deu na quinta-feira passada (3) no auditório do SESC Bauru, sinaliza a vontade de transmitir a ideologia musical e cósmica de Sun Ra para novas gerações de músicos e público.

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Metá Metá retoma o essencial de sua origem para novas experimentações no Sesc

Persona acompanhou o show no dia 14 de agosto e comenta os melhores momentos da noite

Metá Metá
“Pra quem não conhece, Thiago França (dir.), Kiko Dinucci (esq.) e Juçara Marçal (centro)”, brinca Juçara enquanto agradece a presença da plateia no final do show (Foto: Reprodução)

Vinícius Nascimento

Composto por Juçara Marçal (voz), Kiko Dinucci (Violão) e Thiago França (saxofone) é a segunda vez do trio em para Bauru. Às 8 horas e meia do dia 14 de agosto no Sesc, quem esperava um show com banda acaba por ter uma surpresa: no palco, somente violão, sax e microfones. No fim do show conversando com a banda, Kiko é enfático ao dizer: “A força bruta do Metá Metá é essa formação em trio, as vezes a gente acha mais pesado do que show com banda”. Assim seguimos noite adentro, com os três amigos nos guiando dentro da atmosfera de sonoridades que nos hipnotiza.

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Caravana do senso crítico passa por Bauru com o grupo gaúcho Ói Nóis Aqui Traveiz

“Nenhuma cultura imposta é mais bela do que a nossa” (Augusto Boal)

Sesc e Rui Barbosa elucidam: trajetória de 40 anos de companhia gaúcha “Ói Nóis Aqui Traveiz” é referência do teatro brasileiro e do teatro de resistência, atraindo plateias e admiração por onde passa. Dessa vez, Bauru foi a presenteada.

Camila Araujo

O que me chamou atenção no grupo, à primeira vista, foi a camiseta estampada pelo busto de Carlos Marighella vestida pelo senhor alto, de longos cabelos grisalhos. A coincidência é que eu, naquele mesmo dia e local, portava na bolsa o exemplar laranja e pesado do livro que traça por olhares lúcidos de Mário Magalhães a biografia de Marighella, O guerrilheiro que incendiou o mundo. Acaso ou destino, isso selou o encontro, que se repetiria mais tarde naquele dia.

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Com Lenine, público definitivamente não saiu só

Nada de solidão: Lenine cantou para todos (Foto: Heloísa Manduca)

Esbanjando bom humor, Lenine trouxe fusão entre ótimo repertório e crítica social

Guilherme Hansen e Heloísa Manduca

Enquanto a cidade de São Paulo viveu o festival de música Lollapalooza, Bauru não ficou de fora do agito. Aconteceu no último sábado, 24, no ginásio do Sesc, o show do cantor pernambucano-carioca Lenine. Com uma retrospectiva ao longo da sua carreira e menção em defesa do caso Marielle Franco, Lenine trouxe música boa para quem sabe ouvir.

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Olhares distantes na Exposição “Arte Contemporânea no acervo Sesc”

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Reprodução/SESC

Adriano Arrigo

Os olhos de Ana Júlia Lucarelli não paravam de acompanhar os traços de carvão que a artista Letícia Sekito desenhava no chão da entrada do Sesc Bauru. Letícia era convidada do Sesc para a abertura da mostra Arte Contemporânea no Acervo Sesc, apresentação itinerante que chegou a Bauru em 30 de Abril e permanecerá até 2 de Julho. Assim como Ana Júlia, outras crianças permaneciam no local, bem no limiar entre a performance de Letícia e o espaço dedicado ao público. Continue lendo “Olhares distantes na Exposição “Arte Contemporânea no acervo Sesc””