Ana Laura Ferreira
Talvez seja muito clichê dizer que o álbum mais recente de um artista é o mais pessoal ou no qual ele entrega sua melhor performance. Mas de que outro modo poderíamos conversar sobre Wonder senão como o ápice da carreira de Shawn Mendes até o momento? Intimista, pessoal e romântico como qualquer um dos demais trabalhos do cantor, o recém chegado traz consigo mais uma camada de construção. Se rendendo à volta do pop dos anos 1980 – que caiu nas graças do público com The Weeknd e Dua Lipa -, Mendes pende para o lado mais apaixonado da longínqua década.
Pautado especialmente no piano, o disco se desdobra em odes bem construídas e coesas entre si. Apesar de explorar diferentes sonoridades, que vão desde sua calma e emotiva introdução até o pop cinquentista de 305, o sentimento de imensidão é o que amarra cada uma das 14 faixas. Pensadas para apresentações ao vivo e a volta aos palco no ano que vem, Wonder traz uma experiência monumental em sua construção que nos faz almejar escutá-lo por todos os estádios do mundo.
Entrando no túnel do tempo construído por Mendes, perpassamos as melodias e letras que trazem influências de não uma, mas várias décadas distintas. Entretanto, a que mais chama atenção entre elas é a pegada disco de Teach Me How To Love, que poderia facilmente dividir espaço com Levitating quando pensamos no estilo musical que definiu 2020. Mas sabendo aproveitar ao máximo tudo que tem disponível, Shawn mistura sem medo suas referências, criando personalidade a cada uma das músicas e desenvolvendo uma verdadeira viagem por suas frações.
Muito mais do que apenas um álbum, Wonder foi entregue como uma experiência audiovisual completa. Preparando o coração dos fãs para seu lançamento, o cantor, em parceria com a Netflix, disponibilizou o documentário In Wonder no streaming contando os altos e baixos de sua última turnê, como também o processo de criação do novo álbum. Com uma linha narrativa muito mais simples do que de outros documentários produzidos pela mesma, como Miss Americana, In Wonder prefere construir referências sobre a vida pessoal de Shawn. Essa escolha cria um ambiente amigável e nostálgico para os fãs – em especial para aqueles que o acompanham desde o início da carreira -, mas pode tornar a experiência monótona para os desavisados.
Ainda antes do lançamento do álbum, Mendes disponibilizou o show Shawn Mendes Live In Concert, para acalmar os corações ansiosos. Infelizmente, o tiro saiu pela culatra, gerando apenas mais comoção em cima da estreia – ou talvez fosse esse o verdadeiro intuito? Sendo ou não, é certo que o show nos levou a conhecer um lado ainda não visto em seus discos. Usando ao máximo sua amplificação vocal, Shawn se entrega de corpo e alma para cada uma das canções, executando desde de sua primogênita Life Of The Party, até o último single, Señorita, acompanhado de Camila Cabello.
As comemorações continuaram mesmo após a estreia, com um game interativo, um show online e gratuito, Wonder Experience – no qual pudemos ter uma palhinha de como o disco poderá soar em uma performance ao vivo -, e até mesmo o lançamento de sua versão deluxe com dez faixa extras. Toda essa movimentação apenas amplia nossa percepção de Wonder não como um álbum, mas sim como um evento. Novamente monumental, a experiência de acompanhar uma ação de divulgação tão grande nos aproxima em momentos de distanciamento.
Usufruindo ao máximo de cada uma de suas referências, os samples se esgueiram por várias de suas faixas, trazendo uma memória inconsciente a cada novo detalhe descoberto. E para nós, brasileiros, a caça ao tesouro de Wonder se torna ainda mais especial quando descobrimos a grande participação que temos no todo. Talvez você tenha notado uma batida conhecida ao fundo de Higher, isso porque a faixa nada mais nada menos do que utiliza o ritmo do funk nacional Parado No Bailão, de MC L da Vinte e MC Gury, como base, confirmando mais uma vez a apreço especial de Mendes por nosso país.
E mesmo sem confirmação alguma, podemos ainda notar certa influência de Another One Bites a Dust, da banda Queen, em Piece of You. A faixa, que poderia ter sido facilmente interpretada por Michael Jackson nos anos 1980, constrói um diferencial a mais na grande mescla do disco. Ainda externando seus sentimentos através da música, como faz desde seu primeiro álbum, Mendes usufrui das melodias românticas e calmas em oposição a faixas animadas e dançantes. O contraste entre as influências e ritmos faz dele um bom espelho do pop contemporâneo.
Sem nunca abandonar suas raízes, Look Up At The Stars funciona como uma grande síntese de quem é Shawn Mendes. A música, que poderia estar presente em qualquer um dos álbuns já lançados pelo cantor, arquiteta uma excursão pelo seu amadurecimento. O saudosismo da faixa entra como uma camada extra de polidez para o diamante que é Wonder, sem exagerar, apenas dando espaço para que possamos sentir todas suas emoções. Em especial quando entoa “Look up at the stars/They’re like pieces of art/Floating above the ground” (Olhe para as estrelas/Elas são como pedacinhos de arte/Flutuando acima do chão).
Wonder não aparenta reconhecer o tamanho de sua magnitude a um primeiro momento, mas essa humildade serve apenas para alimentar toda sua imponência entre as demais obras do cantor. Romântico, encantador e majestoso, o álbum, que pode ser definido como uma obra de arte pintada com as mais belas cores, cria e reinventa de forma tão natural que faz parecer fácil a olhos leigos. Exalando a essência de Shawn, as maravilhas do disco não poderiam ser entoadas por nenhuma outra voz, pois apenas no timbre de Mendes que essa narrativa se fortalece.