Wicked arrisca trazer a potência dos palcos da Broadway para as telas

Cena do filme Wicked. À esquerda, a personagem Elphaba, de pele verde e cabelos longos pretos em tranças finas, roupas pretas e um chapéu com a ponta alta e triangular. À direita, a personagem Glinda, branca e de cabelos longos loiros, com roupas rosas. As duas estão viradas para frente e olhando para cima
Com muito em jogo, Wicked atinge sucesso nas bilheterias e na crítica especializada (Foto: Universal Pictures)

Giovanna Freisinger

Um dos musicais mais adorados de todos os tempos do Teatro chegou com tudo às telonas. Wicked não só encarou a grandiosidade da obra, como a potencializou ao máximo em cada detalhe da produção. Foi assim que o diretor Jon M. Chu conquistou o impossível e satisfez as altas expectativas dos fãs de longa data do musical da Broadway – mesmo sendo vítima de sua própria ambição em momentos importantes. A responsabilidade que Chu assumiu com este filme foi a de lidar com a nostalgia existente no coração de muitas pessoas e, ao mesmo tempo, renovar a história, para compartilhar essa paixão antiga de tantos com novas audiências. O longa entrou com força na corrida das grandes premiações do ano, conquistando dez indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme.

O espetáculo (com músicas de Stephen Schwartz e libreto de Winnie Holzman) é uma adaptação do romance de mesmo nome, escrito por Gregory Maguire, que reconta a história da Bruxa Má do Oeste, do universo de O Mágico de Oz. A releitura imagina a origem da personagem, em uma grande metáfora sobre a fragilidade dos conceitos de bem e mal. O sucesso estrondoso do musical em 2003 fez com que não demorasse muito para a produção rodar o mundo, tanto que ganhou a sua primeira montagem brasileira em 2016. Enquanto diversas razões podem separar o grande público dos teatros, a obra, ainda assim, alcançou muitos corações ao longo dos anos com a sua trilha sonora – e também, claro, gravações piratas de celulares escondidos nas plateias. 

Duas décadas após a estreia da peça, o filme de Wicked funciona porque é regado a amor pelo material original por toda a equipe envolvida. Em qualquer boa adaptação de teatro musical para o Cinema, é necessária a compreensão do que faz a história especial em seus elementos, para saber usar o meio para expandir aquele mundo de formas que o original não consegue. É exatamente isso que Jon M. Chu e a diretora de Fotografia Alice Brooks conseguem fazer, traduzindo o sentimento de uma apresentação ao vivo, além de trazer novas dimensões para os detalhes e retratos mais íntimos dos personagens.

Cena do filme Wicked. Na cena, dezenas de personagens dançam em torno de uma escultura de palha que imita a bruxa má. Eles estão ao centro de uma vila de casas com elementos fantásticos, como telhados compridos e coloridos e elementos naturais, como flores
A produção original de Wicked é o quinto musical a ficar mais tempo em cartaz na Broadway (Foto: Universal Pictures)

Uma coisa é fato: não existe um bom musical sem boas performances. Ao centro da história, Cynthia Erivo traz a sua própria interpretação para Elphaba (a Bruxa Má do Oeste), uma das personagens mais icônicas e desafiadoras do Teatro musical. Erivo não precisava se provar quanto ao seu talento extraordinário, a atriz já coleciona um Emmy, um Grammy e um Tony em seu currículo, era óbvio que seria uma boa escolha. 

Ainda assim, ela surpreende, agora com sua segunda indicação ao Oscar na categoria de Melhor Atriz (terceira indicação na premiação em geral). Apesar de toda a potência e emoção que sua voz evoca, durante a cena mais emocionante do filme (que se passa na festa em Ozdust), ela não diz uma palavra. A sua atenção à sutileza e à vulnerabilidade da bruxa elevou um papel, já muito rico, a novos níveis e o resultado é o encontro entre força e delicadeza que acerta em cheio o coração da história. 

Se Cynthia Erivo não fosse uma protagonista de presença tão forte, Ariana Grande como Glinda, A Boa, roubaria a cena. Merecidamente indicada ao  prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar, ela traz todo o seu fator popstar para o papel. A sua versão de Popular não é nada menos do que espetacular e seu talento cômico é um ponto alto do filme. A escolha foi tão certa que é emocionante testemunhar a estrela onde parece o seu habitat mais natural. A empatia que a atriz tem expressado há anos pela personagem faz com que ela também acerte nos momentos de maior complexidade. Ao assistir ao filme, não restam dúvidas de que o carinho de Grande por Glinda transborda em sua performance.

Cena do filme Wicked. As personagens Glinda e Elphaba se olham em um espelho. Glinda, branca, loira e vestida de rosa, apoia as mãos sobre os ombros de Elphaba, de pele verde, cabelos pretos em tranças finas e usando um casaco cinza e roxo sobre uma blusa branca
Ariana Grande tinha apenas dez anos de idade quando falou para Kristin Chenoweth, que originou o papel de Glinda, que ela queria interpretar a personagem (Foto: Universal Pictures)

Em época de grandes filmes de estúdio usando e abusando de efeitos visuais até para as composições mais simples, o musical nos lembra da magia dos efeitos práticos e sets físicos. Entre a plantação de nove milhões de tulipas e a construção de um trem de 16 toneladas, as decisões extravagantes para a ambientação ser algo palpável fazem o espectador se sentir dentro do filme, caminhando com os personagens pelo mundo de Oz. Não à toa, Nathan Crowley e Lee Sandales também receberam uma indicação ao prêmio da Academia na categoria de Melhor Direção de Arte. 

Por outro lado, o apelo para o realismo e a imersão é uma faca de dois gumes em Wicked. Enquanto a construção de mundo é um bom diferencial do que estamos acostumados a ver ultimamente, os esforços são ofuscados pela mesma síndrome da maioria dos filmes recentes: um tratamento de cor inexpressivo, que remove a fantasia para inserir uma atmosfera nublada e sem sal (especialmente na primeira metade do filme, que se passa na fictícia Universidade de Shiz), trabalhando completamente contra toda a proposta do filme.

Seguindo a mesma lógica, a iluminação naturalista de Alice Brooks mais atrapalha do que ajuda. Isso se torna particularmente evidente demais para ignorar durante o número musical de Dancing Through Life. A cena é arrebatada por uma luz contra a câmera, que toma conta do espaço, da coreografia e dos semblantes dos atores. Apesar de a diretora de Fotografia insistir em defender a escolha consciente, parece muito um erro crasso.

A sequência foi gravada no mesmo período e tem data de estreia para 21 de novembro de 2025, exatamente um ano após a parte um (Foto: Universal Pictures)

A verdade é que os grandes problemas de Wicked vêm do mesmo lugar que os seus maiores acertos: a esmagadora pressão de honrar a obra original. Assim como a adaptação pede a imersão naquele mundo, o que se torna uma corda bamba, o mesmo pode ser dito do fator espetaculoso que é difícil traduzir do Teatro para o Cinema. Não é uma coincidência que a pior cena do filme seja justamente a mais importante, o número explosivo de Defying Gravity que encerra o primeiro ato do musical. O longa brinca o tempo todo com o modo como a música conduz o tom e o ritmo da narrativa. Durante os números musicais, são adicionadas às versões originais várias pausas para diálogos e outras extensões, que funcionam muito bem na maioria das cenas, como em Popular… mas não em todas.

Defying Gravity é uma das músicas mais emblemáticas do Teatro musical moderno pela força do pico dramático que explode com a icônica nota alta ao final (para a qual Erivo cria sua própria versão). Jon M. Chu fez uma aposta de alto risco ao decidir estender a cena para tentar prolongar ainda mais o clímax nos últimos minutos do filme. A decisão do diretor funciona até certo ponto da música, antes de começar a prejudicar a conclusão e transformá-la em um trem desgovernado. As pausas introspectivas da protagonista atrapalham a progressão do momento e o excesso de interrupções impossibilita para o espectador se conectar com as emoções que deveria sentir.

Todo o enredo, até o final do ato, leva a esse momento decisivo para a protagonista e para a história, que vira de cabeça para baixo na sequência (vem aí a Parte Dois). O mais surpreendente é que a montagem no Teatro, com a simples ilusão de um fio sendo usado para levantar a atriz no ar, consegue ser mais catártica do que a cena no filme de 150 milhões de dólares em que ela está voando pelo céu, gravada como uma sequência de ação blockbuster. A obra excelente construída até aqui dá de cara com um final frustrante. Claro, a performance de Cynthia Erivo quase compensa as decisões equivocadas para o número, talvez se pudéssemos ver mais a personagem e menos nuvens computadorizadas, esse quase seria o suficiente. 

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