Vamos fazer o Time Warp novamente: The Rocky Horror Picture Show

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Da esquerda para a direita, as personagens: Columbia, Magenta, Frank-N-Furter, Riff Raff

Bárbara Alcântara, estudante de Jornalismo da Unesp Bauru

No ano em que foi lançado, 1975, The Rocky Horror Picture Show foi um fracasso de bilheteria. Para os críticos, era um filme de difícil classificação: terror? Comédia? Musical? Sátira? Para o público em geral, o roteiro era confuso e, principalmente, polêmico. Talvez por conter uma enorme quantidade de referências que iam desde os cultuados filmes de ficção científica e terror, até cantores e estilos musicais da época. Ou então por praticamente pregar a liberação sexual. Fosse qual fosse o motivo do fiasco, o que ninguém esperava era que, nos anos seguintes, o longa deixaria de ser um desastre para se tornar um clássico cult. Passaria a ser exibido regularmente em sessões especiais de cinemas espalhados pelos Estados Unidos e ganharia, além de uma legião de fãs, um remake televisivo quatro décadas depois.

Para entender um pouco melhor tudo o que fez de Rocky Horror um “cultuado filme B”, é necessário levar em consideração, mais do que a trama e as personagens, toda a simbologia presente no longa-metragem (que foi escrito inicialmente para ser uma peça de teatro).

Ele surpreende o espectador logo na abertura. Uma boca flutuante canta uma música que conta toda a história do filme, antes mesmo da primeira cena. Em seguida, vem uma enxurrada de clichês cinematográficos – porém com algumas peculiaridades. Janet Weiss e seu futuro marido, Brad Majors, pegam a estrada e têm um problema com o carro no meio do caminho. O único local que encontram para possivelmente usarem o telefone é um gigantesco castelo que, assim como o resto do cenário e figurino, é nitidamente inspirado nos terrores kitsch. É dentro dele que a trama se desenrola.

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Science Fiction/Double Feature – a música de abertura do filme

Um mordomo de aparência estranha, Riff Raff, abre a porta. Junto com a faxineira Magenta, de cabelo cor-de-rosa, ele guia o casal até o cômodo em que o telefone se encontra. Ao chegar na sala, eles se deparam com vários convidados do dono do castelo, e percebem que foram parar lá em uma data importante, já que todos estão performando uma dança estranha, chamada por eles mesmos de “Time Warp”. Quando a música acaba, Brad e Janet conhecem seu anfitrião: Dr. Frank-N-Furter, o clássico criador trabalhando em sua criatura. Até aí, nenhuma novidade. A não ser pelo fato de Frank, além de cientista maluco, ser uma “doce travesti do planeta Transsexual da galáxia Transilvânia”, e o seu experimento, Rocky Horror, um homem criado para servir de entretenimento sexual ao alienígena.

 

A partir daí, a história se desenvolve de forma complexa e confusa, com muitas cenas clássicas, repletas de conotação sexual – o filme, de fato, quebra tabus. Rola de tudo: traição, briga, morte e até banquete sendo servido em cima de caixão! É como se fosse uma grande orgia em celebração do bizarro e inusitado, carregada de um senso de humor por vezes macabro, por vezes chulo. Uma paródia e uma homenagem, simultaneamente, aos clássicos do horror.

Uma outra particularidade é a narração metalinguística feita por um criminologista no decorrer do filme. Talvez essa interação da obra com o público, proposta pelo próprio diretor, tenha servido de inspiração para que ocorressem as exibições nos moldes em que elas são feitas até os dias atuais.

Há quatro anos, tive o prazer de presenciar uma dessas sessões. Era sábado, meia-noite, e fui para a sala de cinema onde rolaria a exibição. Quando olhei ao meu redor, quase todos estavam vestidos a caráter. Muito empolgados, a maioria já se conhecia previamente. O normal é ter uma encenação do filme acontecendo enquanto ele roda na tela. No dia em que eu fui, um dos integrantes do grupo não pode comparecer, então, antes de começar a sessão, fizeram uma competição para decidir “quem gemia melhor”, e o vencedor interpretou quem faltava. Durante todo o filme, a plateia gritava frases prontas, em resposta às falas. Os “atores” desciam até o público e agarravam quem estivesse pela frente. Nas cenas de dança, todos se levantavam, cantavam e faziam os passos, coreografados. A sensação que tive era a de presenciar um culto religioso, em que se pregava a libertinagem.

 

Mais do que toda essa importante carga de transgressão e apelo pela liberdade sexual, o filme é também um retrato da época em que foi lançado. É só pensar em artistas como David Bowie, Alice Cooper e Lou Reed e bandas de glam rock, como New York Dolls, Kiss e T. Rex: cabelos compridos e diversas vezes coloridos, roupas apertadas e muita maquiagem, trazendo um visual, senão andrógino, com grande valor de questionamento dos padrões impostos aos gêneros. Um mundo pós-amor livre dos hippies dos anos 60. Um período em que os musicais de rock estavam em alta: “200 Hotels”, de Frank Zappa, e “O Fantasma do Paraíso”, de Brian de Palma, por exemplo. A personagem Columbia, representando groupies famosas, como Bebe Buell, Sable Starr, Lori Maddox. Enfim, Rocky Horror se mostra, do início ao fim, como um compilado de referências e reflexos da década de 70.

Nada disso teria sido possível não fosse pela brilhante atuação do elenco, que consegue encarnar a loucura do roteiro e dar vida aos personagens. Tim Curry se consagra ao interpretar o extraterrestre cientista. Susan Sarandon e Barry Bostwick não ficam para trás, como o casal. Cada um dos papéis é uma caricatura de clássicos: o herói, a heroína, o cientista maluco, o mordomo, o cientista rival etc. E Meat Loaf, que tem o auge de sua carreira nos anos 70, faz uma aparição especial, como um cantor de rockabilly que é congelado por Frank-N-Furter em seu laboratório.

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O elenco: deliciosos clichês de filmes B

Apesar de apresentar algumas falhas de identificação de gênero (Dr. Frank-N-Furter é “o” travesti e, não, “a” travesti), para a época o filme foi irreverentemente necessário. Trouxe à tona muitos debates, como a questão LGBT, e por essa e outras razões acabou atraindo fãs desajustados ao redor do mundo, que de alguma forma se identificavam com o “não pertencimento” aos padrões da sociedade.

Em uma das cenas finais, pouco antes do castelo se desintegrar e Frank ser mandado de volta ao seu planeta, o elenco nada numa piscina, trajando lingeries, enquanto se beijam (cena muito parecida com a polêmica “orgia no ofurô”, da série da Netflix, Sense8). Na letra da música que cantam, deixam um ensinamento para o público: “Don’t dream it, be it!” (Não sonhe, seja!).

Um filme que vale muito a pena ser assistido! Agora só nos resta saber se o remake, prometido pela Fox para ser lançado no dia 20 de outubro, fará jus ao original.

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