Um Homem Diferente se assemelha nas crises existenciais

Cena de Um Homem Diferente. Nela, vemos Edward, interpretado por Sebastian Stan. Edward é um homem branco com o rosto desfigurado. Ele veste uma camisa xadrez e encara a câmera. O fundo está escuro e uma luz foca no rosto do personagem
Longa teve recepção calorosa em suas exibições na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: A24)

Guilherme Veiga

Se tem um tema que o Cinema injetou no debate público nos últimos tempos foi o da busca por padrões. Com o sucesso estrondoso de A Substância (2024), Um Homem Diferente chegava às telas da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo através da seção Perspectiva Internacional com cara de mais do mesmo: alguém insatisfeito com seu corpo, um tratamento milagroso e o mais puro caos. Porém, o longa entrega uma intrigante e curiosa abordagem sobre perda e subversão da identidade.

Escrito e dirigido por Aaron Schimberg, o longa acompanha a história de Edward (Sebastian Stan), um homem com o rosto desfigurado que tenta a vida como ator. Após conhecer e se apaixonar pela sua nova vizinha de corredor Ingrid (Renate Reinsve), que por coincidência é dramaturga, ele se voluntaria para o teste de um tratamento que promete mudar sua vida. Do dia pra noite a pele de seu rosto cai, Edward vira Guy e a única lembrança de sua vida passada é uma máscara que o atormenta e o que o faz assumir secretamente o papel principal na peça de sua paixão, naquela que seria a derrocada do seu ser.

Cena de Um Home  Diferente. Nela vemos, Edward, um homem branco com o rosto desfigurado. Ele está deitado em uma maca e feixes de luz fazem um desenho xadrez em seu rosto.
A obra deu a sorte de chegar no momento em que sua temática está mais em alta (Foto: A24)

O longa é uma espécie de fusão entre o próprio A Substância e Extraordinário (2017), porém, não se prende ao maniqueísmo desses dois extremos. Ao transformar a temática em um thriller de Comédia de humor ácido, a obra tira todo o peso de seus ombros e fica mais leve e livre para pirar em sua própria premissa. O texto, que também fica a cargo do diretor, dosa perfeitamente os momentos cômicos em meio ao suspense para que a risada não seja culposa, mas sim um alívio em meio a epopéia de catástrofes anunciadas.

Schimberg transforma um argumento até que simples de roteiro em um exercício intrigante, não de construção, mas de demolição de um personagem. Chega ser prazeroso acompanhar o desmoronar da personalidade de Guy enquanto o antigo Edward esvai por suas mãos; ele não consegue movimentar um músculo da face sem entregar a teia de mentiras na qual entrou e está preso.

O texto encaixa perfeitamente em todo o núcleo principal de atores, mas principalmente em Sebastian Stan. É uma pena que um ator de seu calibre tenha vendido tão precocemente sua alma à Marvel e seu potencial tenha sido desperdiçado. Porém aqui, temos toda a magnitude e potencialidade na melhor atuação de sua carreira, que catapultam a identificação do protagonista, onde a forma como ele passeia entre as personalidade de Edward e Guy recheiam de complexidade o personagem. Juntam-se a ele uma singela e traiçoeira Renate Reisnve (A Pior Pessoa do Mundo) e o cativante Adam Pearson (Sob a Pele) que tem neurofibromatose, doença retratada no longa, e rouba a cena no momento em que aparece em cena.

Cena de Um Homem Diferente. Nela vemos Edward após um processo que reconstruiu seu rosto. Ele é um homem branco de olhos azuis e cabelo preto. Ele veste uma camisa xadrez clara e uma jaqueta de couro marrom claro.Ele está encarando um espelho
Sebastian Stan prova que é mais que um ‘rostinho’ bonito (Foto: A24)

Um Homem Diferente é a prova de que a A24, mesmo mais tímida no mercado, ainda está firme no seu mote de investir em histórias originais. O longa sabe tratar de forma bem incomum o preconceito e a busca por aceitação, envolvendo toda a discussão em uma história eletrizante, que prende desde o primeiro momento e faz as perguntas certas na hora certa, respondendo da forma mais escrachada – e certeira – possível.

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