
Nathalia Tetzner
Um menino circense, uma sensação do folk ou um andarilho? Com mais de seis décadas de carreira e inúmeras transições de gênero musical, Bob Dylan sempre foi e permanecerá um enigma. Sob a perspectiva de que o compositor, dono de um Nobel da Literatura, se trate de algo além do que uma ideia performática, Um Completo Desconhecido traz Timothée Chalamet em um papel que prova como o Dylan é, na verdade, um estado de espírito.
O cineasta James Mangold, que também dirigiu a biografia do astro do country Johnny Cash, Johnny & June (2006), repete a aclamação da crítica especializada com oito indicações ao Oscar 2025 para a obra que acompanha Robert Allen Zimmerman até sua ascensão e primeira grande mudança de sonoridade. Uma vez símbolo político de uma era que clamava por liberdade, o público se depara com a paranoia da fama e o desejo de uma metamorfose interna.
“Todo mundo pergunta de onde vêm essas músicas, Sylvie. Mas, então, você observa seus rostos e eles não estão perguntando de onde vêm as músicas. Eles estão perguntando por que as músicas não chegaram até eles.”
-Um Completo Desconhecido (2025)
Na disputa pela estatueta de Melhor Roteiro Adaptado da premiação mais tradicional do Cinema, Mangold e Jay Cocks escreveram A Complete Unknown (no original) a partir do livro Dylan Goes Electric! de Elijah Wald, que retrata o caos no universo folk quando o intérprete de Blowin’ In The Wind passou a compor com guitarras elétricas, o que resultou no lendário disco Highway 61 Revisited (1965). A partir desse momento, nada mais o prenderia em uma zona de conforto.
Assim, para segurar toda essa carga dramática que não pode ser revelada no semblante de uma figura notoriamente inexpressiva, nada melhor do que um certo ator franco-americano. Exatamente como afirmou, em entrevista ao 60 Minutes, que provavelmente tentaria ‘out-Bob’ o lendário músico se o encontrasse, Timothée Chalamet traz para as telas aquele Bob Dylan que todo mundo esperava ver, mas com um toque especial, que faz parecer que nem mesmo o próprio pode ser uma pessoa assim, tão peculiar.

Ao lado de Chalamet, que tem chances consideráveis de sair premiado como Melhor Ator pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, Monica Barbaro, por vezes, rouba completamente a cena como Joan Baez. Em um longa-metragem biográfico que não tem medo de mostrar o seu protagonista brincando com os sentimentos de duas mulheres, Barbaro e Elle Fanning oferecem performances incríveis, ainda que apenas a primeira concorra ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Embora apresente uma linha de raciocínio muito coesa, Um Completo Desconhecido obviamente se alonga em sequências musicais e, acidentalmente, proporciona uma tensão quase sexual entre Bob Dylan e Johnny Cash, vivido por Boyd Holbrook. O ator, também indicado como Melhor Ator Coadjuvante na premiação, é tão ótimo que deixa tanto os espectadores quanto o próprio Dylan extremamente fascinados pelo carisma – mesmo que faça aparições de forma muito aleatória na trama.

Fato é que a obra também diz muito sobre a relação entre artista e inspiração. Afinal, é graças a uma faixa composta em homenagem a Woody Guthrie (Scoot Mcnairy), músico engajado politicamente e um dos maiores ídolos de Bob Dylan, que Pete Seeger (Edward Norton) decide introduzir o jovem ao cenário folk de Nova Iorque na década de 1960. Por sinal, toda a composição visual de A Complete Unknown é formidável, o que justifica a nomeação como Melhor Figurino para Arianne Phillips.
Para além das chances de Oscar, a biografia mostra ser uma verdadeira força tarefa. Desde a direção sob medida de James Mangold até as interpretações do elenco; Timothée Chalamet, Monica Barbaro, Edward Norton e Boyd Holbrook cantaram e tocaram os próprios instrumentos. De fato, Um Completo Desconhecido valoriza uma lenda da Música ainda em vida e, com a ajuda principal de Chalamet, busca um Bob Dylan desmaterializado com o tempo para mostrá-lo como um estado de espírito.