Ubu, Shakespeare, o Teatro e a Comédia

Cena do filme Ubu. Imagem em preto e branco. A fotografia capta apenas dos ombros para cima de Ubu. Ubu está no centro vestindo uma armadura. Ele está usando o elmo, mas está com a sua frente levantada, expondo o rosto.
O filme é uma adaptação da peça Ubu Rei, de Alfred Jarry (Foto: Uma Pedra no Sapato)

Guilherme Moraes

A adaptação da peça Ubu Rei, distribuída pela Medeia Filmes Cinemas, chegou sem muito alarde na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo  como parte da seção Perspectiva Internacional, captando poucas pessoas para suas sessões. No entanto, aqueles que deram a chance para a obra de Paulo Abreu viram um dos filmes mais divertidos do evento. Ubu fez a sessão gargalhar com a teatralidade cômica satírica e escrachada, que flerta com o teatro Shakespeariano.

Inicialmente, a obra se parece muito com Hamlet, de Shakespeare, pela traição ao Rei, a aparição de fantasmas e a promessa de vingança do filho com a morte do pai. Todavia, ele subverte a lógica e foca seu olhar no vilão, para mostrá-lo como uma caricatura. Ubu é uma representação debochada dos aristocratas; transforma essas figuras poderosas em toscas, burras e ridículas. Pode até parecer que isso é uma mera galhofa ou uma crítica vazia, mas a verdade é que essas representações eram uma das poucas formas de retaliação do povo. A série Game of Thrones também conseguiu transmitir muito bem essa ideia, ao retratar um teatro que parodiava a própria realeza e suas intrigas.

A teatralidade que Paulo Abreu emprega no filme dá a tônica à toda a obra. As atuações afetadas de Miguel Loureiro e Isabel Abreu carregam a comicidade através da tosquice que tenta disfarçar uma elegância real. Lembra bastante as atuações em Monty Python com personagens que falam de uma maneira muito fina, contudo, em seu conteúdo, são carregados de bobagens. Os atores são muito expressivos tanto em suas fisionomias, quanto com seus corpos, o que só reforça essa raiz teatral.

Cena do filme Ubu. A imagem mostra um espelho que reflete Ubu e a Senhora Ubu. Ela está com um chapéu e uma manta preta que cobre todo o seu corpo, deixando de fora, apenas, o seu rosto. Ubu está com uma manta preta aberta no meio, e por dentro uma roupa branca. Ele está colocando a coroa em si mesmo, enquanto ela observa.
Paulo Abreu já trabalhou com Jorge Quintela anteriormente (Foto: Uma Pedra no Sapato)

Abreu é muito sarcástico até na escolha dos elementos do filme. A opção por uma fotografia em preto e branco não é aleatória; ela carrega por si só o estereótipo de filme cult. Contudo, o fotógrafo do filme, Jorge Quintela, dá um passo a mais ao aumentar o contraste das imagens, tornando mais expressiva, mas também dando contornos mais épicos ao protagonista, algo que irá se contrapor com o jeito galhofa do filme e o comportamento bobo do Ubu.

Pode parecer fácil fazer um filme assumidamente tosco, no entanto é preciso ter muito cuidado para não cair numa ‘bobajada’ sem sentido que busca apenas o riso fácil. O longa ainda consegue lidar com os aspectos do teatro, sem esquecer que está se encarregando de uma linguagem diferente. Se diferenciando da maioria dos filmes da Mostra, que são densos, sérios e lentos, Ubu é o Cinema galhofa, dinâmico, sem deixar de ser requintado em sua forma cinematográfica.

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