Nathália Mendes
Você se lembra do exato momento em que ouviu a primeira música do artista que mais amou em toda a sua vida? Eu tinha 11 anos quando isso aconteceu ao conhecer Glad You Came. Por todos esses anos meu coração esteve quentinho por ter a The Wanted comigo, até mesmo após os anos de hiato da banda, e pude, enfim, presenciar o retorno com o lançamento do Most Wanted: The Greatest Hits.
O novo álbum é uma obra estagnada, juntando mais do mesmo – os hits que nem eles mesmos são fãs – com as inéditas Rule The World e Colours. Apesar desses singles serem musicalmente parecidos, mostram a saudade que os meninos sentem do começo e da vontade que tinham em conhecer o mundo. E isso foi exatamente pelo que eu me apaixonei.
Se hoje eu procuro os motivos que me conectam à Música deles, meu eu de 10 anos atrás nunca precisou: ela simples e puramente sentiu. Agora, 7 anos depois de se separarem, nunca imaginei que o retorno aconteceria mediante o tumor cerebral que ameaça a vida de Tom Parker. Muito menos que Most Wanted seria uma carta de amor aos seus tempos dourados, para que ele tenha certeza de que após a vida, a memória permanece.
Nem todos os grandes hits representam quem a The Wanted é, por isso histórias se contam do começo. Entre 2009 e 2010 eles nasceram, sendo populares apenas no Reino Unido. Lá, Tom Parker, Max George, Siva Kaneswaran, Nathan Sykes e Jay McGuiness foram “juntados” para o primeiro single de suas vidas: o All Time Low. O debut foi sucesso entre os britânicos na época e é adorado pelos integrantes até hoje, por isso integrou os 2 álbuns seguintes e foi remasterizado para o Most Wanted.
Musicalmente falando, esse arranjo rentável culminou num primeiro disco cru e de ínfimos destaques, o The Wanted. Suas 13 músicas variam de compositores e produtores – incluindo Taio Cruz em Made, mas os meninos estão presentes em apenas 5. Essas em que compartilharam a escrita nunca se destacaram, mesmo que a agradável Say It On The Radio mostre tímidos traços autênticos. Entre o lucrativo e a construção identitária, eles permaneceram flertando com as características comuns de boyband ao longo do tempo, mas conseguindo as lapidar de acordo com a própria Arte.
Já o segundo álbum Battleground, de 2011, tem mais essência do que todos os outros. Seus individualismos debateram a existência, num equilíbrio de seriedade e alegria, e assim, eu me conectei com o que compreendiam sobre a vida. Talvez eu esteja no mesmo momento que eles quando o lançaram; talvez nossas almas compartilhem do mesmo gosto em conquistar o mundo. Das duas uma: aos 12 anos eu já cantava a liberdade de Rocket à plenos pulmões, cedo demais para saber que não era o acaso.
O grupo fez parte de fato da construção do segundo disco. Ali, Siva participou ativamente das letras, trabalhando em I Want It All com o irmão e dividindo a intensidade com que amam, por exemplo. Isso permitiu que a identidade se moldasse para, finalmente, contar quem eram e o que entendiam como romance, fama e amizade. Do mesmo modo, expressaram o prazer da diversão de dias comuns, mas principalmente a vontade e o gosto de estarem vivos.
Assim como Rocket é uma composição esplêndida e sincera sobre voar alto, com os sonhos sendo nossas asas, Invincible é mais literal e animada. Nathan e Max foram co-autores, conseguindo puxar o desejo de sobrevoar o mundo como um foguete para o agora. E já no seu primeiro verso, “Esta noite eu me sinto imparável, e tudo é possível/Nós somos incontroláveis”, presenciamos o imediatismo de querer a invencibilidade sem pensar no amanhã. Parece egocentrismo, mas é verdadeiro, e querer aproveitar o momento é uma característica que compartilho com eles ardentemente.
Tão rápido a identidade nasceu quanto lutou para sobreviver, pois a febre da fama voltou a transformar a música. Ela veio após o clipe badalado de Glad You Came em Ibiza se tornar, indiscutivelmente, um baita hit do ano de 2012. Sua energia contagiante com a sonora popular “Oh Oh Oh Oh Oh Oh” se espalhou, somando mais de 200 milhões de visualizações no YouTube e integrando o Pop Danthology daquele ano, um dos mashups virais de música pop do DJ Daniel Kim.
Depois disso, veio o EP intitulado The Wanted e sua versão especial cheia de remasterizações. Chasing The Sun foi uma entre 3 de suas músicas novas e tema de A Era do Gelo 4. Arrebatar o People’s Choice Awards em janeiro de 2013 por Artista Revelação marcou o auge – até porque concorriam contra a One Direction. Lembro dos dedos doloridos em atualizar a página milhares de vezes, um pouquinho de sofrimento adolescente muito bem recompensado em vê-los estonteantes. Eu só não contava com o declínio que viria a seguir.
A fama já havia tomado algumas cabeças quando concordaram em produzir a série The Wanted Life para o canal E! antes do disco novo, mas escolhê-lo em detrimento da #WantedWednesday foi um dos sinais de que os pilares estavam ruindo. A Tag era um quadro no canal do YouTube da banda em que mostravam a intimidade e conexão uns com os outros e com as fãs, mas se o lugar em que estavam confortáveis era agora um reality, as peças não se encaixavam mais. Eles estavam se perdendo.
As transformações definitivas aconteceram após o Word Of Mouth, quarto álbum de estúdio, e das divergências que o acompanharam dentro e fora dos palcos. Dono de 20 músicas, tem o maior número de composições que os meninos fizeram parte, quase nunca juntos, e uma maturidade deliciosa para falar de amor. Os sucessos não vieram de músicas excelentes com autoria deles, a não ser por Show Me Love (America) que Nathan co-escreveu – e aí está a faísca que faltava para a ruína, pois se o que escrevo e canto se destaca, por que não o fazer sozinho?
Os desentendimentos entre eles eram bobos, incluíam boatos na fanbase de ciúmes da noiva de Siva, mas grande parte da culpa pela separação no final de 2014 foi colocada nos projetos solo que todos alegavam querer. O único que demonstrava isso realmente era Nathan, dono da voz mais potente e astro do sucesso de WOM: I Found You. Ele também já havia aberto as asinhas em trabalhos sozinho, incluindo sua música – e breve namoro – com Ariana Grande. Então, aos poucos, veio o fim.
Não é mérito de Glad You Came a história que a The Wanted construiu e nem todo o saudosismo que mora em Most Wanted. É em Gold Forever que a banda está completamente à vontade. De fato, sua letra brilha amizade verdadeira, se entrelaçando com a própria história dos meninos, bem como liberdade e amor pelos momentos que viveram, pois alguns dias são dourados para sempre. Mas o valor pela obra que os verdadeiramente expressava – lá de Battleground – chegou quando o término era iminente para Tom.
Gold Forever sempre foi a favorita da banda e seu clipe mostra o lado mais puro e divertido que possuem. Ao ser remasterizada para o último álbum, ela ganhou um novo significado: o verso cantado por Tom nunca disse tanto sobre o que os demais sentem por ele como agora. E após o retorno, a força de sua voz não é a mesma, por isso, é Max quem olhou em seus olhos para cantar “Eu não vou, não vou deixar sua lembrança sumir porque suas cores, elas queimam tão brilhantes/Quem sabe, quem sabe o que o amanhã nos reserva, mas eu sei que ficaremos bem” no primeiro show juntos após 7 anos separados.
Em 12 de outubro de 2020 Tom anunciou pelo Instagram que estava doente. Seu tumor cerebral é um glioblastoma – o mais perigoso formado no cérebro – estágio 4 e inoperável, por isso a expectativa de vida é de em torno de 18 meses. Logo que descobriu, começou a lutar, tratando com quimio e radioterapia, e os diagnósticos após um ano foram extremamente bons ao indicarem diminuição e estabilidade. É desolador que sua doença tenha sido a chave e única motivação para que a The Wanted voltasse, mas não há mentira nessa frase.
Como parte do tratamento, ele também criou o documentário Inside My Head para compartilhar sua história, e um concerto de mesmo nome que arrecada dinheiro para pesquisas sobre câncer. A banda anunciou que estava de volta em 8 de setembro de 2021, e que se apresentariam com Tom. Tudo que os meninos têm feito desde então é por ele e para lembrá-lo de sentimentos incríveis que moravam no passado, antes que seja tarde demais. Por isso Battleground é a principal referência para entender o Most Wanted: lá nasceu o amor que tinham pela vida, por compartilhá-la e jamais esquecê-la.
Não há nada de novo no que cantam, apenas saudade e valor pelos dias brilhantes que viveram. O The Greatest Hits possui 15 faixas remasterizadas, 5 acústicos e 3 edits alternativos na sua versão Extended Deluxe. As músicas escolhidas como sucesso envolvem desde o começo com All Time Low até a péssima Walks Like Rihanna do Word Of Mouth. Enquanto isso, Rule The World e Colours são inéditas e parecem desmembrar Gold Forever, pois a letra de ambas retomam os versos dourados sobre governar o mundo, enfatizando pela primeira vez que precisam estar juntos para que isso aconteça.
O Most Wanted é sobretudo uma despedida. Não existe investimento musical no álbum, mas sim uma homenagem à memória. A verdade é que Tom pode partir a qualquer momento, mesmo que seu câncer esteja estável. Sua debilitação vocal e física é difícil de ser assistida para quem o conheceu como um moleque de voz grave e muita marra. Com mais dor do que quando eles se separaram em 2014, minhas lágrimas escorrem ao ver a filha mais velha de Tom cantando Glad You Came.
Muito do que eu entendo sobre o mundo, compartilho com a The Wanted: a vontade de voar de Rocket, o gosto em viver intensamente o momento de Invincible, o romance sofrido de Everybody Knows, e agora o amor pela recordação de Gold Forever. O acústico de Remember é a única que iluminou meu coração no novo álbum, ainda mais com seu clipe de momentos lindos que os meninos estiveram juntos. Feliz, o assisto sozinha, é aí que eu me lembro com saudade e orgulho, de tudo o que sinto por 5 caras que nunca vi diante dos meus olhos. Mas eu garanto que manterei viva as memórias de cada um deles no meu coração, enquanto torço desesperadamente por ter tempo de vê-los.