Em The Rise and Fall of a Midwest Princess, Chappell Roan sai do armário rumo ao estrelato

O nome artístico da cantora é uma homenagem ao sobrenome de seu avô somado a música favorita dele (Foto: Island Records)

Guilherme Veiga

Eu sou a artista favorita do seu artista favorito. Eu sou a garota dos sonhos da sua garota dos sonhos”. Foram com essas palavras que Chappell Roan se apresentou ao mundo, ‘de supetão’ mesmo. E nada mais justo. Hoje, o pop se mostra um gênero extremamente cruel, onde se consolidar nele é como lutar por sobrevivência na savana africana. E não foi só com sua personalidade, mas também com seu disco de estreia, The Rise and Fall of a Midwest Princess, que a intérprete chegou para impor seu lugar e permanecer no estilo.

Ser uma estrela pop assumiu por muito tempo uma literalidade cósmica. Assim como um meteoro, alguém simplesmente surgia, podendo seu brilho permanecer pela eternidade, como Madonna, ou simplesmente se apagar, caso de Rebecca Black. Com Roan é diferente. Ela vem da mesma seara que Olivia Rodrigo e Benson Boone, que tiveram as redes sociais – principalmente o Tik Tok – não só para se impulsionarem, como também para documentarem a ascensão, a mesma que a cantora vive atualmente.

Entre o começo da ideia do álbum e o produto final, se passaram quatro anos com nove músicas lançadas como single (Foto: Mary Marthis)

The Rise and Fall of a Midwest Princess serve para registrar não só o crescimento da Chappell Roan como também o amadurecimento de Kayleigh Rose Amstutz, a pessoa por trás de toda essa maquiagem carregada. Natural de Willard, Missouri, o álbum é a definição musical de um coming of age, onde a intérprete transita entre a vontade de conquistar novos horizontes, contrabalanceando com o pertencimento em sua terra natal, pequena demais para ela, mas gigante em significado.

Aliado à saída das amarras do interior, Roan consegue incorporar na temática seu descobrimento queer. Deixar o Missouri para trás também significou trazer quem realmente é para o controle de si própria. Se, antes, ela cresceu achando que ser gay era pecado, hoje, ela não tem medo de ir pro inferno e faz das boates LGBTQIAPN+ o templo de adoração para seu culto.

Tudo é muito superlativo no disco, desde a temática lésbica escancarada, passando pelas referências típicas da geração Z até a comédia extremamente ácida, que, aliada aos tópicos anteriores, formam uma farofa gourmet com um gosto delicioso, dessa vez, para os ouvidos. O conjunto de exageros se catalisa perfeitamente em Femininomenon, abertura do registro que funciona como um teste para o que vem a seguir. A faixa é um amálgama de referências sonoras, iniciando com uma melodia de cordas e nos levando até uma moto a lá Rosalía no pré-refrão, que evidenciam a forma como a produção vai trabalhar e brincar com suas referências ao longo dos 49 minutos. Se você sobreviver à efervescência da música, o resto é um deleite.

O nome do disco faz referência ao icônico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de David Bowie (Foto: Ryan Clemens)

Chappell Roan tem Dan Nigro como parceiro de produção, o mesmo responsável por catapultar Olivia Rodrigo. Por isso, as duas, além de amigas, se assemelham em obra ao trazer a irreverência e teatralidade para suas músicas, além de fórmulas musicais que se conversam. Porém, enquanto Rodrigo foca na raiva para lidar com suas desilusões e questionamentos, Roan prefere simplesmente vivê-las de todas as formas possíveis, pois é a primeira vez que ela se permite a isso.

Dessa forma, The Rise and Fall of a Midwest Princess sabe construir um caminho de sensações ao longo do play, nos guiando seja por estilo ou por sentimento. Mergulhando fundo no pop, o disco vai da house music da cena drag aos hinos de líderes de torcida para entregar as excelentes Red Wine Supernova, HOT TO GO! e Super Graphic Ultra Modern Girl, que não tem medo nenhum da futilidade e são planejadas, justamente, para fomentar a euforia de se descobrir uma nova voz e personalidade como a de Roan.

Mas a artista, debutando nos seus tardios 25 anos, já conhece as montanhas-russas da vida e as transportam para o álbum, intercalando o pop dançante com as baladas ultra melodramáticas. Coffee e Casual são um primor técnico que constroem uma base melódica para que o poderio vocal da intérprete seja reverberado e sua dor seja sentida, fazendo com que, por mais ousados que sejam seus versos, eles se transformem em uma lamentação.

Junto com a recente Good Luck, Babe!, as faixas Red Wine Supernova e HOT TO GO! estão levando o ‘evangelho’ de Roan cada vez mais longe nos charts (Foto: Ryan Clemens)

O cerne do disco se encontra na dualidade vivida pela cantora e como ela transporta isso para sua vivência. O registro é sobre conquistar seu espaço, mas realmente não achar que o mereça, já que houve uma vida na qual a artista foi desacreditada sobre quem era e os locais em que pertencia. Tanto que seu hit inaugural, Pink Pony Club, lançado no longínquo 2020, aborda a mesma temática de Californa, a mudança de estado e de vida. Porém, Roan atribui perspectivas completamente diferentes e quase que antagônicas para cada faixa.

Por isso, The Rise and Fall of a Midwest Princess cresce é na incerteza, no meio termo entre céu e inferno. É contagiante ao mesmo tempo que depressivo; é cunt e também é cult; cidade grande e interior; são sonhos que se erguem enquanto outros se desmoronam e é o vinho tinto e o café. A única certeza que se tem é que estamos diante de uma nova era para o pop, capitaneada por literalmente um ‘femininômeno’ gigante demais para caber em rótulos e que, após ser forçada a se encaixar neles, se rebela para criar seus próprios.

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