Maria Vitória Bertotti
Eles estão em sua forma mais animalesca possível e com fome por Música. Foi com essa premissa que, há 10 anos, a banda norte-americana Linkin Park lançava seu sexto álbum de estúdio, The Hunting Party. A obra pode ser lida como um retorno às origens do rock mais pesado, que beira o visceral mas não esquece dos testes melódicos e eletrônicos de seus outros registros. Com mensagens certeiras e um ritmo perfeitamente equilibrado, o projeto é facilmente um dos melhores álbuns da discografia da banda.
Voltado para o rock e metal alternativo, o disco passa longe das influências eletrônicas, com efeitos e sintetizadores, muito exploradas nos dois anteriores – A Thousand Suns (2010) e LIVING THINGS (2012). Sendo o primeiro álbum sem a produção de Rick Rubin desde o Meteora (2003), quem tomou as rédeas da produção foram Mike Shinoda e Brad Delson, e, talvez por isso, a nostalgia dos velhos tempos tenha batido forte em seus corações para retornar ao nu-metal.
A riqueza do trabalho se deve, em parte, pelas participações especiais de músicos tão talentosos quanto o próprio Linkin Park. Alguns dos convidados para compor o disco são: Page Hamilton, guitarrista veterano da banda Helmet; Rakim, rapper estadunidense considerado um dos melhores de todos os tempos pela Billboard e Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine e ex-Audioslave. Percebeu alguma coisa em comum entre eles? A escolha de chamar vários guitarristas para a composição do The Hunting Party é justamente para acrescentar mais agressividade através deste instrumento. Nada é por acaso.
A ideia do nome The Hunting Party não foi a primeira que surgiu à mente. Inicialmente, o álbum se chamaria Carnivores, de carnívoros mesmo, mas isso seria muito óbvio para a intenção que eles queriam. A analogia veio de uma conversa onde o herbívoro estaria ligado à passividade e, de acordo com as vontades da banda no momento, eles queriam ir contra a maré que os músicos do rock estavam se dirigindo. O carnívoro estaria ligado à ideia de ir atrás das suas necessidades, dos seus objetivos, já que um selvagem vive assim porque precisa, não porque quer. Já o hunting party é um grupo de caça e, ao contrário do carnívoro, ele faz a escolha desse estilo de vida. Eles escolheram, pela paixão de fazer diferente, voltar para seus instintos selvagens.
Keys to the Kingdom funciona como uma prévia do que o Linkin Park quis trazer. A maior parte dos elementos do disco já estão nessa faixa, que chega assustando os desavisados com os gritos de Chester Bennington, cheios de efeito vocal. Existe um equilíbrio entre o rock e o rap, onde a melodia cai bem entre a explosão de Bennington e as rimas de Shinoda. Já a letra soa um pouco agressiva, sem sentido e, em alguns momentos, como uma ameaça para quem subestimá-los. A guitarra se faz muito presente e, junto com a bateria comandada por Rob Bourdon, elevam a faixa para um outro patamar, mostrando para o que vieram.
Seguindo a vibe de começos estranhos, All for Nothing entra nessa categoria, uma vez que não é possível decifrar o que faz barulho em seu início. Apesar da dúvida, a guitarra fortíssima de Delson entra em seguida para destruir qualquer devaneio que invade a cabeça antes da música começar. Além do guitarrista original, não podemos esquecer da participação brilhante de Page Hamilton, que contribuiu para o espetáculo acontecer na faixa. Além dos riffs, o rap falando sobre honra também está sob holofotes e, logo no final, surge uma trilha sonora de filme dramático fazendo ponte para a próxima faixa.
Com 45 minutos de duração, divididos entre 12 faixas, cinco delas foram escolhidas a dedo – e provavelmente, com dificuldade – para serem singles. Guilty All the Same é o primeiro deles; arrebatador, traz toda a força da união entre guitarra e bateria nos primeiros segundos. É importante destacar o que essa guitarra faz durante a canção, já que há solos por toda a duração da faixa; os melhores solos de todo o álbum, inclusive. Além do básico para fazer um bom rock and roll, a banda utiliza efeitos eletrônicos para compor a melodia. Chester Bennington conduz os vocais de maneira calma até a chegada da parte rimada, que expõe uma letra bem política. Eles dão o recado e o veredito final, o sistema é culpado.
O recurso de faixa introdutória, aquela que seria uma mais curta, utilizado pela banda em álbuns anteriores (como em Wake, do Minutes to Midnight) também deu as caras no disco. The Summoning funciona como um respiro para o público se recuperar do estrondo que as três primeiras canções fazem. No pós recuperação, War destrói a calma recentemente instaurada para dar lugar ao bate cabeça pesado. Na música, existem vários elementos interessantes, como a mudança de ritmo entre o refrão e o restante da faixa, os vários gritos, o drive na voz e, para variar, mais um solo de guitarra.
Fazendo jus ao retorno pro rock raiz dos primeiros discos, Wastelands é música para os ouvidos de quem curte o gênero. Ela carrega um equilíbrio entre o rap e os detalhes eletrônicos de Joe Hahn, além da identidade fortíssima da bateria de Rob Bourdon. Sua letra é bem representativa para os jovens de hoje em dia vivendo em meio ao caos climático e humanitário: “o futuro escapa/e sua esperança se transforma em medo”.
Until It’s Gone é uma das canções mais ‘comuns’ do álbum, sem grandes experimentações evidentes, apesar de ser um single. Ela pode parecer meio batida para o estilo deles, um pouco ‘mais do mesmo’, e ainda assim tem seu valor. Todos esses adjetivos são porque a faixa é mais calma e não tem nenhum rap, mas, novamente, quem brilha é Bourdon, juntamente com o baixista Dave Phoenix.
Longe do conceito comum, Rebellion é mais uma das músicas que remetem ao nu-metal da década de 2000. A introdução, já com um solo de Brad Delson logo de cara, só aumenta o frenesi que a faixa carrega consigo. E parte dessa energia visceral se dá pela participação do ícone Daron Malakian, da banda System Of A Down. O guitarrista incorpora muito do estilo que toca originalmente, com mais peso nas guitarras e bateria, e o resultado disso é achar que está ouvindo uma música do próprio ‘SOAD’. E isso é um elogio! O single é brutal, tanto em ritmo quanto em letra; é uma constante entre gratidão e insatisfação pelos que não são sortudos como nós somos.
A criação visual do álbum e ilustrações foram feitas com base na ideia dos carnívoros, de ferocidade e instinto, tanto é que a própria capa do disco e demais conteúdos disponíveis são quase que indecifráveis. Os responsáveis pelo desenvolvimento artístico são Joe Hahn, Rickey Kim, diretor criativo da banda, e Frank Maddocks, vice-presidente criativo da Warner Records. A Arte é minimalista e combina com a estética escolhida pelo Linkin Park para essa produção, mas não deixa de ser uma incógnita sobre o que está em destaque. É uma criatura fictícia? Um humano ou um monstro? As respostas são subjetivas para o imaginário de cada um de nós.
Muito instrumental, Mark the Graves tem foco em mostrar a força e delicadeza dos elementos utilizados na gravação. Um exemplo disso é a diferença – literalmente – gritante entre o início e o fim da faixa, alternando entre uma voz doce para uma bem rouca. Ela pode parecer um pouco entediante no meio, porém ainda é agradável de se ouvir. Já Drawbar é outra música com aspecto de ‘ponte’, nos levando para as canções finais, que têm uma pegada mais diferente do restante do disco. Mesmo sem vocais, ela nos mostra o resultado do experimentalismo dos últimos álbuns.
Enquanto isso, Final Masquerade, último single do The Hunting Party, soa um pop rock à la Linkin Park. Além da letra mais romântica, que mostra uma desilusão, as cordas aparecem de maneira muito mais suave em comparação com o restante do álbum, mas fazem diferença ao trazer esse tom mais melódico. A bateria também tem grande destaque, e, nos momentos mais silenciosos da faixa, quem dá as caras são os efeitos sonoros em cima de instrumentos como o teclado.
Para uma música de seis minutos e meio, A Line In The Sand é verdadeiramente apoteótica. Mike Shinoda se destaca, tanto rimando quanto nos vocais, dando um recado através da letra, lembrando que o karma não falha. Com efeitos eletrônicos bem encaixados entre o rap, há uma variação grande entre os ritmos durante a faixa e a gente pode ouvir: calmaria, gritos, rimas, solos de guitarra e a presença estrondosa da bateria. Inclusive, esses dois últimos instrumentos, rápidos da maneira que foram tocados, são os responsáveis por retomar esse ritmo totalmente contagiante. O rock pesado volta para encerrar a canção e o álbum com o melhor do que o Linkin Park pode dar ao público.
Pela internet, a repercussão do disco foi positiva tanto entre fãs quanto com a crítica. Pelo lado dos admiradores, a satisfação se deve pelo retorno ao rock pesado que a banda fazia na década de 2000 – reclamação que era feita desde o álbum Meteora, quando o Linkin Park deu um tempo para experimentar novos ritmos e migrar momentaneamente para o EDM.
Nos charts, The Hunting Party estreou na terceira posição do US Billboard 200, ranking estadunidense, e conquistou o pódio na categoria Álbuns de Rock da Billboard. Os críticos culturais do jornal britânico The Guardian também elogiaram o trabalho da banda e a volta para suas origens mais agressivas, concedendo três estrelas de cinco para a produção.
Após o experimentalismo das produções anteriores, a banda evolui e resgata suas origens, mas sem abrir mão da inovação que descobriram no meio do processo criativo. Quem realmente se destaca durante os 45 minutos de som agressivo é o guitarrista Brad Delson, que merece palmas por manter tão bem o ritmo contagiante durante seus incontáveis solos. Ainda que Kid Abelha diga em sua canção, Como Eu Quero (1984), ”solos de guitarra não vão me conquistar”, os desse álbum já conquistaram muitos.
The Hunting Party é saudosista bem como inteligente; resgata o público antigo e mantém os fãs alinhados com a ideia mais voltada para o eletrônico/pop. É uma das produções mais pesadas da banda, tanto em sonoridade quanto em letras e, para quem é do rock, o disco é um chamado para gritar com o instinto mais brutal que existe dentro de cada um.