Matheus Rodrigo
Atualmente, o enfoque da indústria de entretenimento é atingir todos e todas. O plano é incluir, mas, às vezes, não necessariamente incluir representatividade. No momento da produção de conteúdo, procura-se atingir todos os nichos, ter demanda, falar com o público sobre assuntos complexos de forma simples. The Get Down é uma das séries da Netflix que aposta nisso.
Criada por Baz Luhrmann e Stephen Guirgis, The Get Down conta a história de um grupo de garotos que se unem para fazer hip-hop no Bronx no final dos anos 70. O quinteto é composto por Ezekiel (Justice Smith) o rapper, Shaolin Fantastic (Shameik Moore), o DJ, Ra Ra (Skylan Brooks), Boo Boo (Tremaine Brown) e Dizzee (Jaden Smith). Em paralelo, a série também conta a história de Mylene (Herizen Guardiola), que aspira ser cantora. Filha de um pastor possessivo, ela busca se livrar das amarras da família e fazer sucesso na indústria musical.
The Get Down, no final das contas, é um musical. A produção de Luhrmann (diretor de Moulin Rouge! e O Grande Gatsby) se divide entre composições autorais e músicas já conhecidas. Tal ambientação musical acontece no Bronx dos anos 70, local efervescente da música disco com noites marcadas por boates lotadas de mulheres em vestidos de seda e homens em ternos coloridos. Além disso, a série busca construir um contexto social para seu espectador. As cores vibrantes das boates, as pichações estilizadas e o uso de gravações televisivas de eventos da época – como o apagão de 1977 em Nova Iorque – constroem uma visão no imaginário do público.
Naqueles tempos, o Bronx era um ambiente em chamas com os altos índices de criminalidade – um mundo bem diferente das boates discos. Nesse cenário, o hip hop surge como linguagem. Dizzie é um dos que usa essa linguagem. O irmão de Ra Ra e Boo Boo além de rapper também é grafiteiro, e utiliza seus desenhos para mostrar sua mensagem ao mundo. Em linhas gerais, a ideia da série é esclarecer os efeitos criativos que essa disputa entre diversas mentes causou no cenário hip-hop.
Dividida em duas temporadas, Get Down teve sua última parte lançada em abril deste ano. Nesta, temos os irmãos Get Down e o hit disco “Get Me Free” emplacado por Mylene, ainda na primeira temporada. A canção é gravada mesmo a contragosto de seu pai, demonstrando que a segunda parte da série trata da evolução das duas tramas e pode ser vista como o momento dos garotos e da garota do Bronx brilharem.
Interessante notar que nesse momento o enredo se torna mais complexo com os personagens decidindo seus rumos. Ezekiel, por exemplo, é um garoto que gosta da energia do hip-hop e dos shows com seus amigos, mas recebe uma oferta tentadora de uma boa faculdade para se ver longe da vida no bairro. As decisões giram em torno de se despedir do local em que ele cresceu e se expressar artisticamente em detrimento da fama, do dinheiro e, enfim, da mudança de sua história.
O projeto da Netflix foi fazer um panorama do surgimento do hip-hop. Nesse sentido, a série foi uma aposta positiva. Apesar dos atrasos e do investimento pesado na produção, o drama musical de Luhrmann dialogou com um público interessado por suas temáticas. A produtora buscou reunir artistas históricos do hip-hop como Nas e Grandmaster Flash, dando-lhes liberdade para desenvolver uma trama que seja representativa da história do gênero no Bronx e preencher o espaço de produções musicais on demand.
Entre tantas trilhas na parte 2, The Temptations é um grande destaque
Para os produtores, a obra é uma oportunidade de ocupar um espaço de criação e de trabalhar sobre um gênero musical que cada vez mais entra em discussão e que não se limita somente ao cenário musical. As canções da série tem contexto dentro do enredo, conexões com as jornadas dos personagens e com o período em que são feitas. A trilha sonora é ligada às figuras fundadoras, visando traçar um panorama da cultura alternativa do final dos anos 70.
Garlang Jeffreys é um dos músicos que surgiu do cenário underground do Bronx
Assim, The Get Down não cai no clichê de mocinhos e vilões e isso proporciona abertura para personagens multifacetados com vivências e experiências traumáticas brilharem no seriado. Apesar do cancelamento precoce anunciado semana passada, a série ficará marcada por trazer à tona o turbilhão cultural que deu base para uma manifestação hoje global e que, portanto, desencadeou um cuidado criativo/representativo bastante alto.
O projeto da produtora sobre temas representativos tem chamado atenção ultimamente. Master of None e Sense 8 também batem nessa tecla, porém The Get Down faz isso de forma exemplar a partir do Bronx da década de 70. Tudo isso com a ideia de mostrar o que deu origem à crítica social que marca o movimento e o que o tornou tão popular atualmente.